terça-feira, 15 de dezembro de 2020

Guiné 61/74 - P21648: Boas Festas 2020/21: Em rede, ligados e solidários, uns com os outros, lutando contra a pandemia de Covid-19 (9): Naquele dia 25 de Dezembro de 1973 (António Martins de Matos, Ten Gen Pilav Ref)

1. Mensagem do nosso camarada António Martins de Matos, TGen PilAV Ref (ex-Ten Pilav, BA 12, Bissalanca, 1972/74) e autor do livro de memórias "Voando sobre um Ninho de Strelas", com data de 13 de Dezembro de 2020, lembrando o Dia de Natal de 1973:


25 DE DEZEMBRO DE 1973

Naquele dia 25 de Dezembro de 1973 a actividade aérea na BA-12 estava reduzida ao mínimo dos mínimos, apenas as missões de Alerta, para evacuações de DO-27 e AL-III e a parelha dos Fiat G-91, para uma eventual saída de apoio-fogo.

A meio dessa manhã meti-me na minha Yamaha 200 e lá fui, estrada fora, do Largo do Liceu Honório Barreto, onde morava, até à Base da Bissalanca. A minha tarefa para essa tarde estava bem definida, ia entrar de Alerta ao Fiat G-91 a partir das 13:00 e até ao pôr do sol.

Um almoço muito ligeiro no Bar dos pilotos, ainda vinha cheio de fatias douradas, sonhos, bolo-rei e muitas outras iguarias, o resultado de uma noite de consoada passada em casa das minhas vizinhas do andar de baixo, as enfermeiras paraquedistas. Até tinham sido amigas, sabendo da minha paixão por automóveis e em especial por Porsches, no meio de muitos sorrisos malandrecos tinham-me oferecido um 911 da Dinky Toys, à escala 1/43.
Porsch 911 S 2.2 1970 - Escala 1:43

Era Dia de Natal, Feriado, a “Paz entre os homens de boa vontade”, mais uma série de frases feitas, talvez, nesse dia, a guerra tivesse uma pausa. A primeira missão aconteceu por volta das 14:00. No sistema sonoro do Grupo a mensagem a chegar: - “Alerta aos Fiats”.

Corrida às Operações para saber mais alguns detalhes. A solicitação era para Gadamael, lá no Sul, junto à fronteira com a Guiné Conacri. Recolha do capacete e das fitas da Martin-Baker, quase tudo o resto ficou esquecido no armário, o anti-g, o mae-west e o respectivo equipamento de sobrevivência. No bolso do fato de voo, o que sempre me acompanhava, uma bússola e um espelho, se me apeasse e em caso de necessidade, podia tentar indicar a minha posição.

Uma corrida até à Linha da Frente, o condutor do Jeep a buzinar, os mecânicos a correrem, a tirarem as tampas que protegiam as aeronaves, uma rápida entrada nos aviões de alerta.

Quinze minutos depois já estávamos a sobrevoar a zona. Tinham sido atacados, dos lados da fronteira, com morteiro 120mm.

De acordo com a descrição dos militares do Aquartelamento, as granadas tinham caído longe do arame mas sempre em aproximação, como se alguém estivesse a tentar regular o tiro. À nossa chegada tinham-se calado.
Guiné > Região de Tombali > Gadamael > Vista aérea de Gadamael Porto nos finais do ano de 1971.
© Foto do Cor Art Ref António Carlos Morais da Silva.

Largámos os foguetes algures. Já há algum tempo que não usava as metralhadoras, o seu calibre era inócuo para quem, na floresta, se pudesse abrigar atrás de uma qualquer palmeira. Para além disso, as placas para-fogo junto à saída dos canos estavam completamente rachadas, bem à vista de todos, com umas feias e atabalhoadas soldaduras, quais cicatrizes. Por causa dessas anomalias, um piloto já se tinha ejectado. No momento de disparar as armas o painel das metralhadoras saltara fora.

Tudo calmo, o pessoal do Aquartelamento satisfeito. Regressámos a Bissalanca com a sensação da ajuda ter ficado um tudo ou nada… incompleta.

Depois de aterrado fui à Secção Fotográfica da Base, quase paredes meias com a Esquadra. Toda aquela zona do Sul da Guiné estava devidamente cartografada e fotografada. Com base no que me haviam dito (morteiro de 120mm e ataque do lado da fronteira), analisei as fotos, tentando descobrir todos os locais possíveis para bases de morteiros de 120mm. No meio de toda aquela floresta encontrei quatro clareiras que se ajustavam ao requisito. Informação em reserva, a ser utilizada numa futura missão na área.

O período de alerta quase a terminar, já me estava a ver de regresso à Yamaha e ao Largo do Liceu, o altifalante do Grupo a transmitir um novo aviso: - “Alerta aos Fiat”.

Outra vez Gadamael. Nova corrida, os mecânicos a apontarem-me uma outra vez o 5437, o avião de alerta, uma outra vez abastecido com os tip-tanks e foguetes. Fiz-lhes sinal para uns outros aviões, uma parelha que estava estacionada ali mesmo ao lado, cada avião com duas bombas de 750 libras, ainda nos cavaletes, mas prontas a serem instaladas. Aqueles mecânicos eram super eficientes, em quinze minutos o armamento foi devidamente acoplado aos aviões e a parelha ficou pronta para voo.
Bissau, 1969 - G-91 R4

Outros quinze minutos e já estávamos de novo na zona. Os do Aquartelamento a confirmarem-me que era outra vez o fdp do 120mm. Apontei a duas das clareiras que tinha identificado nas fotos e, num passe meio esticado, larguei uma bomba em cada uma delas. Depois disse ao meu asa para fazer o mesmo às duas outras clareiras, o que ele, capitão periquito, executou na perfeição.

Um parêntesis para os menos familiarizados com assuntos aeronáuticos; na aviação e independentemente de hierarquias, o mais experiente vai à frente.

Continuando, as bombas de 750 libras eram bem potentes. Ainda a recuperar do passe e sentíamo-las a explodir, o avião até estremecia. Umas outras características, eram bem fuseladas e, ao rebentarem, faziam um enorme cogumelo de pó e detritos, talvez uns vinte metros de altura.

Bombardeamento executado. Ao verificarmos a área para ver se havia alguma reacção de Strelas, descobrimos algo de estranho. No meio de todo aquele verde da floresta havia três rebentamentos castanhos de uns quinze a vinte metros de envergadura e um outro, enorme, uma densa fumarada escura que, no mínimo, deveria ter mais de cinquenta metros de altura.
Algo devia ter explodido lá em baixo, o capitão periquito acabara de fazer o seu primeiro “alvo”.

Regressámos. O voo tinha durado apenas uma meia hora. Como Chefe da Parelha lá tive de ir fazer o respectivo relatório.
Poderia ter escrito três Pings e um Pong, ou, mais de acordo com a sequência da ocorrência, Ping, Ping, PONG, Ping. Não iam perceber. Optei pelas palavras habituais, “Gadamael, junto à fronteira, quatro bombas de 750 lbs, resultados desconhecidos”.
A noite a chegar, o período do Alerta terminado, fomos à nossa vida.

Só semanas mais tarde e através de um relatório da PIDE viemos a saber o resultado daquele grande rebentamento. Uma das bombas fizera explodir as munições que o PAIGC tinha escondido na floresta, para, à noite, irem despejar sobre o Aquartelamento. Pelo menos nessa noite os de Gadamael devem ter dormido descansados.

Outros pensamentos positivos, nunca mais chamei “Pira” ao Capitão Pira.

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Nota do editor

Último poste da série de 15 de dezembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21647: Boas Festas 2020/21: Em rede, ligados e solidários, uns com os outros, lutando contra a pandemia de Covid-19 (8): Lisboa resiste, mas também nós resistiremos: Mil alegrias natalícias para todos vós (Mário Beja Santos, ex-Alf Mil)

2 comentários:

Manuel Luís Lomba disse...

O meu comentário de narratário a esta mensagem do estimado camarada António Martins Matos - uma espécie de conto de Natal em tempo de guerra.

O historiador Michael Howard (recentemente falecido) defende que a Guerra é tão antiga quanto a espécie humana, enquanto a Paz é uma invenção recente.

O dia 25 de Dezembro é feriado nacional, dos serviços mínimos, mesmo da guerra, até para a malta dos "pássaros de ferro e de fogo" de Bissalanca.

Naquela suave manhã, alguém carregando as suas paixões pelos aviões, pelas motas, pelos Porches e os seus afectos pelas vizinhas camaradas enfermeiras-paraquedistas, afinidades extensivas aos camaradas do mato, vai emprestar a sua "alma" a esses pássaros.

E se havia quase dois séculos, que os anjos do Senhor lançaram do céu a proclamação da "Paz entre os homens de boa vontade", aquela malta de Bissalanca manobrou aqueles pássaros e foi lançar do céu as suas "bilhas" de 750 librs. no Sul da Guiné, problematizado pelos morteiros de 120.

E, enquanto a malta do PAIGC entrava em desassossego, a malta de Gadamael Porto entrava em paz - e de boa vontade.

Bom Natal e Feliz Ao Novo
Manuel Luís Lomba





Anónimo disse...

Caro A.M.Matos

A chamada foi para localizarem a base de fogos do IN.
Essas clareiras eram pequenas bolanhas que se formavam na época das chuvas.
Apos reconhecimento verificamos que acertaram em minas e fornilhos nossos colocados em volta dessas clareiras.
Acontece aos melhores.
Não sei onde é que a PIDE foi desencantar essa "treta". Só se fosse para mostrarem serviço.
Todas as informações recebidas sempre se revelaram inúteis porque eram falsas.
Os sapadores agradeceram porque após o 25 ABRIL quando tiveram que levantar os campos de minas o serviço já estava feito.
Todas as flagelações que tivemos no segundo semestre de 73 e em 74 foram efetuadas de dentro do território da Guiné Conakry.

O meu eterno agradecimento a todos os PILAVS pelo conforto que nos davam só de sobrevoarem zona, e do desconforto que causavam ao IN, dito pelos próprios no pós 25A.

Um grande AB

ex-artilheiro em Gadamael

C.Martins