quarta-feira, 7 de julho de 2021

Guiné 61/74 - P22347: Historiografia da presença portuguesa em África (270): O pensamento colonial dos fundadores da Sociedade de Geografia de Lisboa (7) (Mário Beja Santos)

Sociedade de Geografia de Lisboa > Uma das salas com os tesouros da Sociedade de Geografia de Lisboa


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 19 de Novembro de 2020:

Queridos amigos,
O Ultimatum de janeiro de 1890 indignou os sócios da Sociedade de Geografia, mas o trabalho não esmoreceu, como é patente na súmula destas atas. Moçambique passou a ser uma questão de fundo, os heróis da expedição de Lourenço Marques serão alvo de uma grande homenagem com a presença da família real. Mas há outras questões quentes que são os negócios e a necessidade de impulsionar missões constituídas por religiosos portugueses, isto reconhecer-se a crescente necessidade de missionários protestantes. A leitura destas atas, que se prolongarão até ao fim do século, e que terão desaparecido porventura com a morte do grande dinamizador da Sociedade de Geografia de Lisboa nesta época, Luciano Cordeiro, não permite uma leitura absoluta do que era o pensamento imperial, carreia motivações, desvela o papel de alguns protagonistas, mostra inequivocamente a Sociedade de Geografia de Lisboa como uma agência científica e o principal centro de interesses para onde converge a construção do Terceiro Império Português. Aqui se louvam heróis ou figuras dadas como decisivas na implantação imperial, caso de António Enes, em Moçambique, ou Henrique Dias de Carvalho, em Angola. Caminhamos para o fim, o painel de heróis da pacificação organiza-se, a Sociedade de Geografia de Lisboa, sobretudo graças a Luciano Cordeiro, ganhou o seu papel na História.

Um abraço do
Mário


O pensamento colonial dos fundadores da Sociedade de Geografia de Lisboa (7)

Mário Beja Santos

Passado o choque do Ultimatum, as reuniões dos fundadores prosseguiram, havia as explorações em curso, continuaram as homenagens e os agradecimentos. Recorde-se que em novembro de 1890 fora apresentado um documento intitulado “A questão da Lunda”, tratava-se do agradecimento dos comerciantes da região ao trabalho desenvolvido pelo então Major Henrique Dias de Carvalho. E havia propriamente a pressão exercida junto dos departamentos governamentais, em setembro desse ano a Direção da Sociedade de Geografia enviara um documento ao rei D. Carlos intitulado “As concessões de direitos majestáticos a empresas mercantis para o Ultramar”, curiosamente terminava assim:
“Senhor, gratos ao patriótico incitamento e ao generoso favor com que Vossa Majestade e os seus governos nos têm animado a perseverar no estudo e na defesa dos graves interesses nacionais empenhados na consolidação e na prosperidade do nosso vasto património ultramarino, dedicando a este e aos variadíssimos problemas que nessa causa de contêm, o melhor dos nossos esforços, queremos mais uma vez corresponder a esse incitamento e favor e à confiança oficial e pública que não decerto pelo valor de tais esforços (…), vindo pedir a Vossa Majestade que se reconsidere e não se persista e continue no processo de alienar a administração e a exploração geral de toda ou parte da província de Moçambique em companhias mercantis dotadas de direitos e privilégios majestáticos”.

Já vimos como a composição do núcleo fundador conhecera graduais acréscimos, a dinamização económica que África possibilitava atrai imensos comentários e tomadas de posição. Por exemplo, o sócio João Augusto Barata mandou para a mesa a seguinte proposta:
“As colónias modernas devem ser não só centros de produção, mas também mercados de consumo. E é debaixo deste último ponto de vista que algumas potências manufatureiras procuram estabelecer o seu domínio nas regiões africanas e atropelam todos os direitos para alargar as suas esferas de ação.
A França, a Bélgica, a Itália, a Alemanha e a Inglaterra, todos esses países com excesso enorme de produção que o velho continente não pode consumir, e que a poderosa indústria norte-americana tenta desviar do novo mundo, têm as suas atenções fixadas sobre as terras de África, que civilizam para estabelecer as necessidades materiais das populações a fim de atraí-las ao consumo dos produtos das suas indústrias.
O nosso país tenta, de alguns anos para cá, estabelecer o desenvolvimento das suas colónias, mas esse desenvolvimento nunca se tornará útil à metrópole se no seio desta não se derem progressos industriais notáveis. Não são os produtos agrícolas que a África precisará importar porque segundo as narrações dos abalizados africanistas há zonas naquelas feracíssimas paragens onde as culturas próprias do clima europeu se desenvolvem com prodigiosa exuberância e pasmosa produção.
Mas há muitos produtos que as colónias virão pedir à mãe-pátria e há uma infinidade de artigos que a metrópole lhe deve fornecer. Não deixemos, pois, que o desenvolvimento das possessões portuguesas vá aproveitar às indústrias de outros países; preparemo-nos para delas obtermos o excesso de exportação que tão necessário é ao regime económico da nação portuguesa”
.

E posta esta advertência o sócio fala nos caminhos-de-ferro, nos produtos siderúrgicos, no carvão e no ferro, alude à enorme montanha de minérios de ferro nas serras de Roboredo e Rates, as serras dos Monges, S. Tiago do Escoural e Alvito, antracites e outras riquezas que não podíamos continuar a descurar.

Em janeiro de 1891, após eleições o Presidente da Sociedade de Geografia passa o ser o Conselheiro António do Nascimento Sampaio. E pela segunda vez se fala da Guiné, através de uma comunicação da Direção que conheceu aprovação unânime: “A Sociedade de Geografia profundamente deplora o desastre sofrido na Guiné por forças encarregadas de guardar, manter e defender a autoridade e o prestígio da Soberania Portuguesa”. Procura-se um novo espaço para a sede da Sociedade, está-se a negociar o palácio da Rua das Chagas, pertencente ao sócio Sr. Carvalho Monteiro (o conhecimento Monteiro dos Milhões, o proprietário da Quinta da Regaleira), onde mais tarde veio a funcionar o Instituto Comercial Lisboa. Fica-se igualmente a saber que há muitos portugueses no Brasil que anseiam emigrar para Angola.

Com uma certa regularidade, os sócios pronunciam-se sobre a questão da missionação e um deles aproveita um artigo publicado no jornal Districto de Lourenço Marques para nos dar conta do que seriam as aspirações para o perfil do novo missionário: “O missionário de hoje tem que ser necessariamente um homem do seu tempo, prático e positivo, como convém ao ideal do seu mister. Só ele pode traduzir bem o pensamento da civilização, envolvendo nas práticas religiosas o nome da nação que representa. A ideia de Deus anda ligada, mais que coisa alguma, com a ideia da pátria. E estes dois nomes, por si tão grandes e tão magnânimos, são os únicos que, espalhados de selva em selva, poderão fazer do preto um bom homem e um ente digno de si. É necessário que sejam portugueses os missionários de terras portuguesas, porque só eles saberão realizar com o máximo proveito para a pátria, a sua missão tão simpática a todos os respeitos. Até há muito pouco tempo, achava-se o distrito de Lourenço Marques desprovido de missionários portugueses”. E refere a preocupante presença dos missionários protestantes, eles andam a educar mulheres indígenas, vê-se agora em Lourenço Marques um grande número de mulheres vestidas com trajes europeus e têm diminuído a embriaguez e a prostituição das mulheres. Seria motivo de reflexão para se tomarem medidas efetivas de lançar no terreno missionários portugueses.

Em 1892 já se fala explicitamente na fusão do Museu Colonial com o Museu da Sociedade de Geografia (o Museu Colonial existia junto do Ministério da Marinha e do Ultramar). Aqui e acolá as sessões debruçam-se sobre temas internacionais, é o caso da Exposição Universal de Chicago que se iria realizar no ano seguinte, havia que fazer um estudo sobre as relações marítimas e comerciais de Portugal com os Estados Unidos. Na sessão de maio desse ano, com a presidência do Dr. Sousa Martins, Luciano Cordeiro faz revelações sobre o Padrão de Diogo Cão que entrara nas coleções do museu. Emite-se parecer sobre a importância das missões ultramarinas, trabalho que coube à Comissão Africana, analisa-se a delimitação de Manica bem como as celebrações do Centenário do Nascimento do Infante D. Henrique, bem como do Centenário do Descobrimento do Caminho Marítimo para a Índia.

Em meados desta década de 1890 ganha ênfase a glorificação dos heróis e das forças expedicionárias em campanhas de pacificação em Moçambique. E quando o Major Calda Xavier morre a alocução de Luciano Cordeiro é vibrante:
“Quando, penetrada do mesmo santo entusiasmo que agita generosamente a nação, a nossa Sociedade vê, satisfeita e consolada, refletir-se nesse entusiasmo a sua obra de vinte anos de confiada e persistente propaganda e o esforço heroico de tantos dos seus sócios que vão por dias voltar da última campanha de África, chega-nos inesperadamente a notícia de que não voltará com eles, de que não mais veremos entre nós um dos nossos mais antigos e dedicados companheiros, o valente de Mopéa e de Maciquece, o intrépido e rijo explorador do Inharrime e do Limpopo, e que de há tanto e há tão pouco tempo ainda ensinada todos a vencer a insubordinação insolente dos vátuas, e que deu a ideia e a vida para nos redimirmos dessa longa vergonha do Gungunhana; em suma o inspirador experiente, o provedor acrisolado, o guia e o conselheiro autorizado, modesto, obscuro dessa campanha tão brilhantemente dirigida por outro consócio nosso, o Coronel Galhardo, tão heroicamente encerrada por outro consócio ainda, o Capitão Mouzinho.
Caldas Xavier morreu.
Partira deixando na pobreza os pais, a mulher e os filhos.
Morreu deixando-os na miséria. Ao partir, aquele belo coração supunha salvar a família. Depois de ter estragado a saúde na vanguarda dos que seguem a Pátria, não tinha garantido o pão quotidiano dos seus. Morreu na vanguarda dos que morrem por ela, certamente entregando-lhe no último alento a prece pelo futuro dos filhos (…) Por isso, a vossa mesa tem a honra de propor-vos, que, com o registo público do nosso profundo sentimento, a autorizeis a que em vosso nome recomendasse à justiça e à munificência do Estado a família de Caldas Xavier”
.

Confere-se medalha de ouro a António Enes, Comissário Régio. E em 25 de abril de 1896 há uma sessão solene no Real Teatro de S. Carlos, os heróis da expedição de Lourenço Marques vão ser homenageados e vitoriados.

(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 30 DE JUNHO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22329: Historiografia da presença portuguesa em África (269): O pensamento colonial dos fundadores da Sociedade de Geografia de Lisboa (6) (Mário Beja Santos)

1 comentário:

Antº Rosinha disse...

Estas preocupações de Portugal de há 140 anos, que não eram mais que andar a traz das"más" intenções da Inglaterra, da França e da Alemanha, são um bocado diferentes das preocupações de hoje, que é andar a traz das "boas" intenções dos mesmos figurões.

Mas que vida a nossa!