Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > Contuboel > CIM de Contuboel > 1969 > CART 2479 / CART 11 (1969/70) > > O Valdemar Queiroz, com os recrutas Cherno Baldé , Sori (Jau oui Baldé) e Umaru Baldé (que, feita a recruta, irão depois para a CCAÇ 2590, futura CCAÇ 12, a partir de 18 de junho de 1970). Estes mancebos aparentavam ter 16 ou menos anos de idade (!). Eram do recrutamento local e, originalmente, não falavam português. (*)
Foto (e legenda): © Valdemar Queiroz (2014). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
Quadros, milicianos, de um exército (mal) preparado para a guerra convencional (mas não de todo para a guerra de contra-guerrilha), sem um mínimo de informação e formação sobre aquele território e as suas gentes, fomos obrigado a dar recruta, instrução de especialidade e de aperfeiçoamento operacional a jovens camponeses, fulas, muçulmanos, do recrutamento local (, mas também de outras etnias, animistas), arrancados das suas tabancas, e que não falavam uma única palavra de português nem sabiam onde ficava Portugal... Deliciosas as "observações etnográficas" do autor e não menos saborosa a sua fina ironia...
(I) RECEPÇÃO DOS INSTRUENDOS
São uma porrada deles. Para cima de centena e meia, perfilados na parada. Número excessivo mas justificável uma vez que, finda a instrução, serão repartidos por uma outra companhia, ainda na Lisboa (a CCAÇ 2590, futura CCAÇ 12) (***), constituída tal como nós, apenas por quadros (graduados es especialistas) nmetropolitanos.
Vindos de Galomaro e de Gabu, que ainda não localizei no mapa; do Xime, de Bafatá e de Bambadinca por onde passamos sem que me ocorresse bater uma única chapa, e ainda das tabancas que povoam a região de Contuboel.
Mais fulas do que mandingas, perfilhando todos a crença em Alá, mas também o princípio que consagra para todo o sempre um Portugal daquém e além-mar, uno e indivisível, coisa para mim demasiado estranha ao dar conta dos raros falantes da nossa língua e dos muitos que a entendem menos do que a Segunda, a minha lavadeira.
Acaso não houvesse entre eles um Carlos, fula, de Bafatá, único cristão e com nome português, excepcionalmente dotado na comunicação com as línguas nativas, incluindo o crioulo - o esperanto da Guiné - para transmitir-lhes as nossas ordens, recomendações e outras tretas, bem poderíamos enterrar as palavras no bolso até às calendas, ir pregar para o deserto ou aos peixinhos do António Vieira.
Sequer a ordem de marchar (acaso fossem capazes de tal acrobática proeza) a partir da parada até uma área arborizada próxima do aquartelamento, utilizada para futura aplicação dos exercícios militares, é compreendida pela generalidade dos nossos instruendos.
Coubesse o mar num concha cavada na areia que, por certo, seria igualmente possível olhar para estes homens e reconhecê-los como nossos compatrícios.
E coubesse em mim próprio este sentimento absurdo, maior do que eu, que tanto me leva à rejeição deste mundo como, no instante seguinte, ao desejo de nele me confundir.
Como se coexistissem em mim, duas entidades antagónicas numa só. Sem a santíssima trindade em que não acredito. E nunca, espero bem, vir a pirar dos cornos.
(II) SEGUNDO PELOTÃO
Divididos por quatro pelotões (de instrução), faço parte do segundo, bem como o alferes Ilhéu, açoriano, ex-seminarista, os furriéis Paz de Alma, do Norte, o Bera, de Cabo Verde, por quem nutro uma antipatia correspondida e o nosso cabo, ainda sem alcunha, e a quem um dia destes hei-de perguntar donde é.
Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Saltinho > Rio Corubal > Rápidos do Saltinho > 3 de Março de 2008 > Lavadeiras do Saltinho.
Foto (e legenda): © Luís Graça (2008). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
(...) Contuboel, far from the Vietnam
Nestas condições, a instrução de especialidade, como se deve imaginar, não foi nada famosa. Estávamos a milhares de quilómetros do nosso ponto de partida, o Campo Militar de Santa Margarida, onde, ainda me recordo, também brincámos às guerras, e fizemos os nosso roncos (no essencial, assalto aos acampamentos do IN a fingir, e pilhagem de tudo o que era bebível e comestível).
Em plena época das chuvas, ainda em fase de adaptação ao terrível clima da Guiné, hostil a qualquer tuga, em farda nº 3, espingarda automática G3 ao ombro e cartuchos de salva nos bolsos (à cautela, não fosse o diabo tecê-las, os graduados, metropolitanos, levavam alguns carregadores com bala real...)... Estão a imginar esta guerra-de-faz-se-conta ?
Era ainda a dolce vita da Guiné (como eu escreveria no meu diário), aqui e ali perturbada pelas histórias que a velhice nos contava, a nós periquitos, de Madina do Boé e de Guileje, "lá longe no sul" (sic) (...)
A 18 de Julho de 1969 , a futura CCAÇ 12 (que, por enquanto, ainda era a CCAÇ 2590) é dada como operacional. Atendendo à origem étnico-geográfica das suas praças, por sugestão do Com-Chefe, ficamos radicados em chão fula, às ordens do Batalhão de Caçadores 2852 (1968/70), com sede em Bambadinca...
A 21 de Julho, menos de dois meses depois da nossa chegada à Guiné, quando ainda nem sequer tinham sido distribuídos os camuflados à nossa tropa africana, temos a nossa primeira "saída para o mato" (sic) , seguida do nosso "baptismo de fogo"...
De facto, em Madina Xaquili, temos o nosso primeiro ferido grave, evacuado para Bissau; e a 28, mais dois feridos graves, numa ataque nocturno àquela aldeia fula que será definitivamente abandonada pela sua população e, mais tarde (em Outubro), pelas NT.
Para três dos nossos soldados africanos, a guerra havia acabado, mal começara: ficarão definitivamente inoperacionais e/ou incapacitados, não sem que um deles tenha de passar, primeiro, por outro inferno, o do Hospital Militar da Estrela, em Lisboa...
Pergunto-me, com amargura, 40 anos depois: o que será feito de vocês, valentes soldados ? Tu, Sori Jau (3º Gr Combate, evacuado para o HM 241); tu, Braima Bá (inoperacional) e tu, Udi Baldé (evacuado para Lisboa e retornado a casa com 35% de incapacidade física), ambos do 2º Gr Comb ? (...)
Porque o texto vale como um todo, voltamos aqui a reproduzi-lo, quinze anos depois, mas agora agregando os cinco apontamentos, todos eles relacionados com a instrução de recruta dada pelos nossos camaradas da CART 2479, no Centro de Instrução Militar de Contuboel, com início em 7 de março de 1969.
O título "estórias de Contuboel" é da nossa iniciativa, é mais prosaico do que a filosófico e mitológica ideia do "eterno retorno", titulo original do autor. É uma homenagem ao "homem da piroga". o Renato Monteiro (1946-2021), que eu tive a felicidade de conhecer em Contuboel, no curto espaço de mês e meio em que estivemos juntos (junho/julho de 1969)... Perdi depois o seu rasto mas nunca o seu rosto...
ESTÓRIAS DE CONTUBOEL
por Renato Monteiro (2006)
(I) RECEPÇÃO DOS INSTRUENDOS
São uma porrada deles. Para cima de centena e meia, perfilados na parada. Número excessivo mas justificável uma vez que, finda a instrução, serão repartidos por uma outra companhia, ainda na Lisboa (a CCAÇ 2590, futura CCAÇ 12) (***), constituída tal como nós, apenas por quadros (graduados es especialistas) nmetropolitanos.
Vindos de Galomaro e de Gabu, que ainda não localizei no mapa; do Xime, de Bafatá e de Bambadinca por onde passamos sem que me ocorresse bater uma única chapa, e ainda das tabancas que povoam a região de Contuboel.
Mais fulas do que mandingas, perfilhando todos a crença em Alá, mas também o princípio que consagra para todo o sempre um Portugal daquém e além-mar, uno e indivisível, coisa para mim demasiado estranha ao dar conta dos raros falantes da nossa língua e dos muitos que a entendem menos do que a Segunda, a minha lavadeira.
Acaso não houvesse entre eles um Carlos, fula, de Bafatá, único cristão e com nome português, excepcionalmente dotado na comunicação com as línguas nativas, incluindo o crioulo - o esperanto da Guiné - para transmitir-lhes as nossas ordens, recomendações e outras tretas, bem poderíamos enterrar as palavras no bolso até às calendas, ir pregar para o deserto ou aos peixinhos do António Vieira.
Sequer a ordem de marchar (acaso fossem capazes de tal acrobática proeza) a partir da parada até uma área arborizada próxima do aquartelamento, utilizada para futura aplicação dos exercícios militares, é compreendida pela generalidade dos nossos instruendos.
Coubesse o mar num concha cavada na areia que, por certo, seria igualmente possível olhar para estes homens e reconhecê-los como nossos compatrícios.
E coubesse em mim próprio este sentimento absurdo, maior do que eu, que tanto me leva à rejeição deste mundo como, no instante seguinte, ao desejo de nele me confundir.
Como se coexistissem em mim, duas entidades antagónicas numa só. Sem a santíssima trindade em que não acredito. E nunca, espero bem, vir a pirar dos cornos.
(II) SEGUNDO PELOTÃO
Divididos por quatro pelotões (de instrução), faço parte do segundo, bem como o alferes Ilhéu, açoriano, ex-seminarista, os furriéis Paz de Alma, do Norte, o Bera, de Cabo Verde, por quem nutro uma antipatia correspondida e o nosso cabo, ainda sem alcunha, e a quem um dia destes hei-de perguntar donde é.
Feita a contabilidade, o que temos? 53 Guineenses, 2 insulares, 3 europeus continentais. Ou cromaticamente falando: 53 negros, 4 caras pálidas e um que nem é uma coisa nem outra, e sim as duas. Mas adiante...
Sem o poliglota do Carlos, entretanto integrado noutro pelotão, lançamos mão ao Jaló que, apesar de menos apto para intérprete do que o primeiro, sempre vai desenrascando, em fula e em crioulo, a nossa pretendida comunicação com o grupo. Para levantarem os joelhos, c’um raio, se possível até ao queixo, darem meia volta volver, distinguir o que se toma por esquerda e por direita, manter o peito erguido e cheio de ar, por nada mexer quando em sentido, porra, sequer tossir; enfim, toda a panóplia de movimentos exigíveis numa formatura estacionada ou em marcha.
Sem o poliglota do Carlos, entretanto integrado noutro pelotão, lançamos mão ao Jaló que, apesar de menos apto para intérprete do que o primeiro, sempre vai desenrascando, em fula e em crioulo, a nossa pretendida comunicação com o grupo. Para levantarem os joelhos, c’um raio, se possível até ao queixo, darem meia volta volver, distinguir o que se toma por esquerda e por direita, manter o peito erguido e cheio de ar, por nada mexer quando em sentido, porra, sequer tossir; enfim, toda a panóplia de movimentos exigíveis numa formatura estacionada ou em marcha.
Porque com má execução, há merda: 10, 20 ou mais flexões de bruços, mantendo a regular distância da barriga ao chão, quando não mesmo rastejar até aquela mangueira ou cajueiro ainda mais afastado. Punições tão sabidas de cor, por força da aprendizagem para a guerra levada a cabo nos quartéis, como os nomes dos rios aprendidos durante a instrução primária.
Por mim, e apesar de exigente quanto à execução dos exercícios, dispenso a aplicação de castigos sem crime, achando mil vezes preferível, nesta fase inicial de instrução, antes fomentar a troca com que todos crescem: umas lições básicas de português pelos depoimentos prestados, com o apoio do Jaló, sobre a experiência vivida na guerra por um bom número de recrutas que, havendo sido milícias, já se envolveram em confrontos. Com o fogo a doer fora da carreira de tiro, mas no cenário real da mata. Ou tão só os que foram alvo de flagelações dirigidas aos aldeamentos donde são originários.
E quem sabe se, deste modo, não evitaríamos mais facilmente confundir o Ali com o Guilage, estes com quaisquer outros já que, à excepção do Malagueta, excessivamente franzino, e do Turé, de desmedida altura e de voz apagada, todos se apresentam indistintos aos nossos olhos. Como se fossem cópias fisionómicas do mesmo padrão, cheirando desagradavelmente, à maior parte dos camaradas, a catinga. Ou não fosse natural um cão tressuar a canino; um gato transpirar a felino; os cravos marcarem o ar com o seu perfume... Sem nunca perguntarmos a que cheiramos nós. Mais tarde ou mais cedo, hei-de sabê-lo...
(IV) IDADES SEM LEMBRANÇA
Coisa pela qual não passam: a comemoração do dia do aniversário. Pois não parece haver um entre os africanos do meu pelotão que saiba a sua idade. E lê-se-lhes nos olhos a inutilidade desse conhecimento que, apesar de tudo, acaba por ser superado através de um palpite dado por nós. Mera suposição inspirada no vinco e na dimensão das rugas, na maior ou menor vivacidade do olhar, não sei bem, num feeling que sustenta a nossa avaliação.
E é assim que Cherno Camará passou a partir de hoje a contar 23 anos, idade que acabou por merecer divertida discórdia quando comparada ao tempo de vida atribuído ao Amaduri Camará, 21 anos, por alguns considerado mais velho do que o primeiro.
Mas fora de qualquer polémica foram as 18 Primaveras calculadas para Demba Baldé, o Malagueta, seguramente o recruta mais jovem da nossa troupe, filho de Ira Baldé, prestigiado chefe de uma das tabancas da região de Gabu Sare.
Quanto a mim, talvez não fosse menos sensato deixar-se estes homens, na sua maioria ainda mais novos do que nós, tão alheados da sua idade quanto as árvores que se desenvolvem sem contarem os anéis do tronco que marcam o tempo da sua existência.
Opinião igualmente partilhada por Ussumane Colubali, para o qual o que importa é nunca perder de vista de quem se é filho, irmão, neto, bisneto e pai; bem como o lugar onde se nasceu e o número de cabeças de gado e de mulheres que se possui, sendo seguro que a memória da data de nascimento não leva a viver mais, sequer a acertar-se com o dia da sua morte. Ao contrário da generalidade dos africanos, muito reservados, Ussumane não se coíbe de expressar os seus juízos mesmo sem ser chamado a fazê-lo.
Assim, diz não existir à face da terra nenhumas Forças Armadas capazes de tão grandes façanhas como as nossas, razão que o levou a oferecer-se para o exército, aproveitando ainda uma vantagem: a possibilidade de, assim, ganhar uns patacões, muito difíceis de obter por outro meio.
Proveito que o Demba Baldé de bom grado dispensaria. Que foi o pai, contra sua vontade, que o mandou servir a tropa. Quando melhor estaria junto da sua Comança Baldé, ainda mais nova do que ele, a fazer filhos, a comer bianda e a tratar do gado.
(V) BAJUDAS OU A IMITAÇÃO DO PARAÍSO CELESTIAL
Acordo com os latidos da Daisy, já recuperada da mazela na perna, incitando-me a sair da cama. Como a querer lembrar a combinação que fiz com o Canininhas e o Português Suave em pirarmo-nos hoje para o rio Geba que o Fórmula Um, o condutor, afirma ficar a quinze minutos de Unimog.
Acordo como um animal de sangue frio em período de hibernação e, caso não fosse a barba por fazer desde há três por se ter gripado a bomba de água e a desagradável sensação pegajosa no corpo, bem teria mandado o compromisso para as urtigas. Mas avancemos. Tomado o pequeno almoço à pressa, toca de trepar para a viatura, com os dois camaradas vociferando contra o meu atraso, "és sempre o mesmo", mais o Joshua. apanhado a atravessar cabisbaixo a parada e a Daisy, como prémio do seu empenho em combater a minha letargia.
Por uma estrada todo o terreno, cheia de covas abertas pelas correntes das chuvas e de sulcos dos rodados das viaturas, em menos tempo que o calculado pelo Fórmula Um, chegamos ao Geba: bem estreito quando comparado à sua dimensão em Bissau ou no ponto em que se cruza com o Corubal.
Mas bem mais largo quanto às vistas que dele se podem colher: aquele pequeno grupo de bajudas, ó Cesário, sem rendas ou ramalhetes rubros de papoilas, apenas cintadas por uma tanga fina, tudo o mais só nudez ali exposta à luz do sol, com natural indiferença aos nossos olhos e sem nada ficarem a dever em graciosidade às virgens do paraíso celestial descrito por Jaló.
Salpicadas de espuma, com a água a escorrer em fios ou em contas pelos ombros, o seios, o colo, quantas aguarelas não dariam? Tantas quantas ninfas ou sereias de outros tempos imaginadas em pedra ou tela.
Pena, para não dizer pequena e simulada raiva, é a Segunda, a quem ironicamente comecei a tratar por Benvinda, nem uma única vez tenha posto os olhos em mim, limitando-se apenas a cumprimentar-me aquando da entrega da roupa à porta da camarata, limpa, sem vincos e ainda quente do ferro, ao fim da tarde.
À hora em que, num breve instante, o dia escurece, as boieiras alinhadas como esquadrões de caça recolhem ao refúgio da mata e o poente se tinge de cores vivas e quentes. Como nunca me foi dado ver.
Por mim, e apesar de exigente quanto à execução dos exercícios, dispenso a aplicação de castigos sem crime, achando mil vezes preferível, nesta fase inicial de instrução, antes fomentar a troca com que todos crescem: umas lições básicas de português pelos depoimentos prestados, com o apoio do Jaló, sobre a experiência vivida na guerra por um bom número de recrutas que, havendo sido milícias, já se envolveram em confrontos. Com o fogo a doer fora da carreira de tiro, mas no cenário real da mata. Ou tão só os que foram alvo de flagelações dirigidas aos aldeamentos donde são originários.
E quem sabe se, deste modo, não evitaríamos mais facilmente confundir o Ali com o Guilage, estes com quaisquer outros já que, à excepção do Malagueta, excessivamente franzino, e do Turé, de desmedida altura e de voz apagada, todos se apresentam indistintos aos nossos olhos. Como se fossem cópias fisionómicas do mesmo padrão, cheirando desagradavelmente, à maior parte dos camaradas, a catinga. Ou não fosse natural um cão tressuar a canino; um gato transpirar a felino; os cravos marcarem o ar com o seu perfume... Sem nunca perguntarmos a que cheiramos nós. Mais tarde ou mais cedo, hei-de sabê-lo...
(III) O PARAÍSO, OS RONCOS E OS ANJINHOS
É à sombra frondosa das mangueiras, durante as breves pausas das longas oito horas diárias de instrução, que Jaló, crente em Alá, me fala do paraíso perfumado, com frutos perenemente maduros, sem maçãs proibidas, abundante comida para satisfazer o apetites dos mais insaciáveis, das alegrias sem medida e das submissas mulheres de deslumbrante beleza, escolhidas a dedo, todas virgens para eterno consolo dos homens, sejam novos ou velhos.
Desse jardim implantado no céu, supremo prémio destinado aos que cuidam cumprir zelosamente não apenas com as obrigações de rezar, jejuar pela ocasião do Ramadão, fazer uma peregrinação a Meca ao longo da vida, mas também aos que recusam as tentações condenáveis pelo Islão, de que Maomé é o profeta, como o consumo de carne de porco e as bebidas alcoólicas.
Interdições que não abrangem o tabaco aspirado por cachimbos que cabem numa mão fechada ou as nozes de cola, tão azedas quanto duríssimas, que revitalizam os músculos e o resto, quando necessário, debelando a fome e dando coragem tanto para combater as agruras da vida como para enfrentar os bandidos da mata.
Nem tão pouco obrigam à fidelidade exclusiva da mulher esposada que, Jaló, tem duas e diz andar a pensar dia e noite numa terceira que vive em Gabu.
Assim não perca os roncos de couro, pagos a bom preço: o que traz atado à cintura e outro no peito, suspenso pelo pescoço, que o protegem tanto da picada dos lacraus como do veneno injectado pelas cobras; dos ferrões cravados pelas abelhas e de todo o bicho selvagem que constitua uma ameaça; da acção nefasta provocada não apenas por encontros indesejáveis com pessoas que rogam pragas, mas também contra seres diabólicos, vazios de forma e capazes de, com um único sopro, transmitirem uma enfermidade incurável morrendo-se, tarde ou cedo, dela. Ou sobrevivendo-se apenas quando se trata de uma mudez, coisa rara, ou de uma cegueira como aconteceu ao filho mais novo do antigo Chefe da Tabanca de Contuboel quando, em criança, andou perdido durante sete dias na mata, nunca mais voltando a ver as cores com que se cobre o mundo.
Com a protecção dos roncos e ainda com a inseparável e benfazeja presença do anjinho do Bem que, encavalitado num ombro do Jaló, cuida ele, há-de levar a melhor em disputa com o seu comparsa, colado ao outro ombro, ímpio por natureza e sempre pronto a pregar as mais nefastas partidas ao seu portador. Vá para onde for, mesmo em sonhos, a dormir.
É à sombra frondosa das mangueiras, durante as breves pausas das longas oito horas diárias de instrução, que Jaló, crente em Alá, me fala do paraíso perfumado, com frutos perenemente maduros, sem maçãs proibidas, abundante comida para satisfazer o apetites dos mais insaciáveis, das alegrias sem medida e das submissas mulheres de deslumbrante beleza, escolhidas a dedo, todas virgens para eterno consolo dos homens, sejam novos ou velhos.
Desse jardim implantado no céu, supremo prémio destinado aos que cuidam cumprir zelosamente não apenas com as obrigações de rezar, jejuar pela ocasião do Ramadão, fazer uma peregrinação a Meca ao longo da vida, mas também aos que recusam as tentações condenáveis pelo Islão, de que Maomé é o profeta, como o consumo de carne de porco e as bebidas alcoólicas.
Interdições que não abrangem o tabaco aspirado por cachimbos que cabem numa mão fechada ou as nozes de cola, tão azedas quanto duríssimas, que revitalizam os músculos e o resto, quando necessário, debelando a fome e dando coragem tanto para combater as agruras da vida como para enfrentar os bandidos da mata.
Nem tão pouco obrigam à fidelidade exclusiva da mulher esposada que, Jaló, tem duas e diz andar a pensar dia e noite numa terceira que vive em Gabu.
Assim não perca os roncos de couro, pagos a bom preço: o que traz atado à cintura e outro no peito, suspenso pelo pescoço, que o protegem tanto da picada dos lacraus como do veneno injectado pelas cobras; dos ferrões cravados pelas abelhas e de todo o bicho selvagem que constitua uma ameaça; da acção nefasta provocada não apenas por encontros indesejáveis com pessoas que rogam pragas, mas também contra seres diabólicos, vazios de forma e capazes de, com um único sopro, transmitirem uma enfermidade incurável morrendo-se, tarde ou cedo, dela. Ou sobrevivendo-se apenas quando se trata de uma mudez, coisa rara, ou de uma cegueira como aconteceu ao filho mais novo do antigo Chefe da Tabanca de Contuboel quando, em criança, andou perdido durante sete dias na mata, nunca mais voltando a ver as cores com que se cobre o mundo.
Com a protecção dos roncos e ainda com a inseparável e benfazeja presença do anjinho do Bem que, encavalitado num ombro do Jaló, cuida ele, há-de levar a melhor em disputa com o seu comparsa, colado ao outro ombro, ímpio por natureza e sempre pronto a pregar as mais nefastas partidas ao seu portador. Vá para onde for, mesmo em sonhos, a dormir.
(IV) IDADES SEM LEMBRANÇA
Coisa pela qual não passam: a comemoração do dia do aniversário. Pois não parece haver um entre os africanos do meu pelotão que saiba a sua idade. E lê-se-lhes nos olhos a inutilidade desse conhecimento que, apesar de tudo, acaba por ser superado através de um palpite dado por nós. Mera suposição inspirada no vinco e na dimensão das rugas, na maior ou menor vivacidade do olhar, não sei bem, num feeling que sustenta a nossa avaliação.
E é assim que Cherno Camará passou a partir de hoje a contar 23 anos, idade que acabou por merecer divertida discórdia quando comparada ao tempo de vida atribuído ao Amaduri Camará, 21 anos, por alguns considerado mais velho do que o primeiro.
Mas fora de qualquer polémica foram as 18 Primaveras calculadas para Demba Baldé, o Malagueta, seguramente o recruta mais jovem da nossa troupe, filho de Ira Baldé, prestigiado chefe de uma das tabancas da região de Gabu Sare.
Quanto a mim, talvez não fosse menos sensato deixar-se estes homens, na sua maioria ainda mais novos do que nós, tão alheados da sua idade quanto as árvores que se desenvolvem sem contarem os anéis do tronco que marcam o tempo da sua existência.
Opinião igualmente partilhada por Ussumane Colubali, para o qual o que importa é nunca perder de vista de quem se é filho, irmão, neto, bisneto e pai; bem como o lugar onde se nasceu e o número de cabeças de gado e de mulheres que se possui, sendo seguro que a memória da data de nascimento não leva a viver mais, sequer a acertar-se com o dia da sua morte. Ao contrário da generalidade dos africanos, muito reservados, Ussumane não se coíbe de expressar os seus juízos mesmo sem ser chamado a fazê-lo.
Assim, diz não existir à face da terra nenhumas Forças Armadas capazes de tão grandes façanhas como as nossas, razão que o levou a oferecer-se para o exército, aproveitando ainda uma vantagem: a possibilidade de, assim, ganhar uns patacões, muito difíceis de obter por outro meio.
Proveito que o Demba Baldé de bom grado dispensaria. Que foi o pai, contra sua vontade, que o mandou servir a tropa. Quando melhor estaria junto da sua Comança Baldé, ainda mais nova do que ele, a fazer filhos, a comer bianda e a tratar do gado.
(V) BAJUDAS OU A IMITAÇÃO DO PARAÍSO CELESTIAL
Acordo com os latidos da Daisy, já recuperada da mazela na perna, incitando-me a sair da cama. Como a querer lembrar a combinação que fiz com o Canininhas e o Português Suave em pirarmo-nos hoje para o rio Geba que o Fórmula Um, o condutor, afirma ficar a quinze minutos de Unimog.
Acordo como um animal de sangue frio em período de hibernação e, caso não fosse a barba por fazer desde há três por se ter gripado a bomba de água e a desagradável sensação pegajosa no corpo, bem teria mandado o compromisso para as urtigas. Mas avancemos. Tomado o pequeno almoço à pressa, toca de trepar para a viatura, com os dois camaradas vociferando contra o meu atraso, "és sempre o mesmo", mais o Joshua. apanhado a atravessar cabisbaixo a parada e a Daisy, como prémio do seu empenho em combater a minha letargia.
Por uma estrada todo o terreno, cheia de covas abertas pelas correntes das chuvas e de sulcos dos rodados das viaturas, em menos tempo que o calculado pelo Fórmula Um, chegamos ao Geba: bem estreito quando comparado à sua dimensão em Bissau ou no ponto em que se cruza com o Corubal.
Mas bem mais largo quanto às vistas que dele se podem colher: aquele pequeno grupo de bajudas, ó Cesário, sem rendas ou ramalhetes rubros de papoilas, apenas cintadas por uma tanga fina, tudo o mais só nudez ali exposta à luz do sol, com natural indiferença aos nossos olhos e sem nada ficarem a dever em graciosidade às virgens do paraíso celestial descrito por Jaló.
Salpicadas de espuma, com a água a escorrer em fios ou em contas pelos ombros, o seios, o colo, quantas aguarelas não dariam? Tantas quantas ninfas ou sereias de outros tempos imaginadas em pedra ou tela.
Pena, para não dizer pequena e simulada raiva, é a Segunda, a quem ironicamente comecei a tratar por Benvinda, nem uma única vez tenha posto os olhos em mim, limitando-se apenas a cumprimentar-me aquando da entrega da roupa à porta da camarata, limpa, sem vincos e ainda quente do ferro, ao fim da tarde.
À hora em que, num breve instante, o dia escurece, as boieiras alinhadas como esquadrões de caça recolhem ao refúgio da mata e o poente se tinge de cores vivas e quentes. Como nunca me foi dado ver.
Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Saltinho > Rio Corubal > Rápidos do Saltinho > 3 de Março de 2008 > Lavadeiras do Saltinho.
Foto (e legenda): © Luís Graça (2008). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
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Notas do editor:
(*) Vd. poste de 25 de fevereiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12773: Memórias de um Lacrau (Valdemar Queiroz, ex-fur mil, CART 2479 / CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70) (Parte III): Preparando a "nova força africana" de Spínola...
30 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P1005: Estórias de Contuboel (ii): segundo pelotão (Renato Monteiro, CART 2479 / CART 11, 1969)
4 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1026: Estórias de Contuboel (iv): Idades sem lembrança (Renato Monteiro, CART 2479 / CART 11, 1969)
4 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1027: Estórias de Contuboel (V): Bajudas ou a imitação do paraíso celestial (Renato Monteiro, CART 2479 / CART 11, 1969)
25 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6466: A minha CCAÇ 12 (2): De Santa Margarida a Contuboel, 5 mil quilómetros mais a sul (Luís Graça)
(**) Vd. postes de:
28 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P1001: Estórias de Contuboel (i): recepção dos instruendos (Renato Monteiro, CART 2479 / CART 11, 1969)
30 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P1005: Estórias de Contuboel (ii): segundo pelotão (Renato Monteiro, CART 2479 / CART 11, 1969)
2 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1017: Estórias de Contuboel (iii): Paraíso, roncos e anjinhos (Renato Monteiro, CART 2479 / CART 11, 1969)
4 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1026: Estórias de Contuboel (iv): Idades sem lembrança (Renato Monteiro, CART 2479 / CART 11, 1969)
4 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1027: Estórias de Contuboel (V): Bajudas ou a imitação do paraíso celestial (Renato Monteiro, CART 2479 / CART 11, 1969)
(***) Vd.postes de:
21 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6447: A minha CCAÇ 12 (Contuboel e Bambadinca, Maio de 1969/Março de 1971) (1): Composição orgânica (Luís Graça)
25 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6466: A minha CCAÇ 12 (2): De Santa Margarida a Contuboel, 5 mil quilómetros mais a sul (Luís Graça)
Nestas condições, a instrução de especialidade, como se deve imaginar, não foi nada famosa. Estávamos a milhares de quilómetros do nosso ponto de partida, o Campo Militar de Santa Margarida, onde, ainda me recordo, também brincámos às guerras, e fizemos os nosso roncos (no essencial, assalto aos acampamentos do IN a fingir, e pilhagem de tudo o que era bebível e comestível).
Em plena época das chuvas, ainda em fase de adaptação ao terrível clima da Guiné, hostil a qualquer tuga, em farda nº 3, espingarda automática G3 ao ombro e cartuchos de salva nos bolsos (à cautela, não fosse o diabo tecê-las, os graduados, metropolitanos, levavam alguns carregadores com bala real...)... Estão a imginar esta guerra-de-faz-se-conta ?
Era ainda a dolce vita da Guiné (como eu escreveria no meu diário), aqui e ali perturbada pelas histórias que a velhice nos contava, a nós periquitos, de Madina do Boé e de Guileje, "lá longe no sul" (sic) (...)
A 18 de Julho de 1969 , a futura CCAÇ 12 (que, por enquanto, ainda era a CCAÇ 2590) é dada como operacional. Atendendo à origem étnico-geográfica das suas praças, por sugestão do Com-Chefe, ficamos radicados em chão fula, às ordens do Batalhão de Caçadores 2852 (1968/70), com sede em Bambadinca...
A 21 de Julho, menos de dois meses depois da nossa chegada à Guiné, quando ainda nem sequer tinham sido distribuídos os camuflados à nossa tropa africana, temos a nossa primeira "saída para o mato" (sic) , seguida do nosso "baptismo de fogo"...
De facto, em Madina Xaquili, temos o nosso primeiro ferido grave, evacuado para Bissau; e a 28, mais dois feridos graves, numa ataque nocturno àquela aldeia fula que será definitivamente abandonada pela sua população e, mais tarde (em Outubro), pelas NT.
Para três dos nossos soldados africanos, a guerra havia acabado, mal começara: ficarão definitivamente inoperacionais e/ou incapacitados, não sem que um deles tenha de passar, primeiro, por outro inferno, o do Hospital Militar da Estrela, em Lisboa...
Pergunto-me, com amargura, 40 anos depois: o que será feito de vocês, valentes soldados ? Tu, Sori Jau (3º Gr Combate, evacuado para o HM 241); tu, Braima Bá (inoperacional) e tu, Udi Baldé (evacuado para Lisboa e retornado a casa com 35% de incapacidade física), ambos do 2º Gr Comb ? (...)
9 comentários:
Espantoso (ou nem por isso, já la vão, 52 aos!), tenho poucas "imagens mentais" do quartel, o CMI de Contuboel...
Só sei que era pequeno para tanta gente. Nós, os da CCAÇ 2590 (éramos 60 gatos pingados, entre quadros e especialistas) ficámos em bivaque. De dia e de noite, o calor dentro ds tendas era insuportável.
Não tenho ideia de ter estado integrado num pelotão de instrução, como o Renato Monterioou o Valdemar Queiroz... Eu era de armas pesadas de infantaria... Devo ter dado alguma instrução da minha especialidade... Participei, isso sim, na IAO - Instrução de Aperfeiçoamento Operacional, no mato, a uns 10 ou 15 km de Contuboel. Ainda tudo "guerra a brincar"...
As melhores recordações ainda são as que tenho dos passeios pelas belíssimas tabancas de Contuboel (, parecia-me regressado aos tempos bíblicos!), das idas ao Geba, dos passeiso de piroga (, nunca fui de dar mergulhos no rio, como o Renato, que era temerário!), das amenas conversas com os nossos soldados a arranhar o português e o crioulo (re nós a parender o fula...), com a população local, as lindas bajudas, e claro os nossos camaradas da CART 2479 (mais velhos, três meses do que nós!...)... E obviamente com o Renato Monteiro, tínhamos afinidades, "políticas, estéticas, culturais"...
Hoje gostava de saber quem nos tirou a foto no rio Geba, na "piroga"... A máquina devia ser do Monteiro, que ia a remar, à popa... Eu no meio... E o fotógrafo de ocasião na proa... Quem terá sido ? Alguém da CART 2479. Valdemar, ajuda-me ...
A unidade de guarnição normal nessa altura (1º semestre de 1969) em Contuboel era a CCaç 2436/BCaç 2856, que participou na Op Mabecos Bravios (retirada de Madina do Boé, o início de fevereiro).
Pouco sei desta conpanhia, mas falei com eles sobre a retirada de Madina do Boé...
(...) A CCaç 2436 ficou inicialmente colocada em Bissau, substituindo a CCav 1650, ficando integrada no dispositivo do BCaç 1911, com vista à segurança e protecção das instalações e das populações da área.
Em 04Dez68, foi substituída pela CArt 1689 e seguiu para Galomaro, tendo assumido temporariamente a responsabilidade do respectivo subsector, então criado na zona de acção do BCaç 2852.
Em 24Dez68, foi substituída em Galomaro pela CCaç 2405 e foi colocada seguidamente em Contuboel, a fim de reforçar a guarnição local e assumir a função de subunidade de intervenção e reserva do sector, sob responsabilidade do seu batalhão, tendo tomado parte em patrulhamentos e acções nas regiões de Quique e Caresse, entre outras e ainda na operação "Mabecos Bravios", do Agr 2957, de 02 a 07Fev69.
Em 18Fev69, com a saída da CCav 1748, assumiu a responsabilidade do
subsector de Contuboel, com um pelotão destacado em Sare Bacar, ficando
integrada no dispositivo e manobra do seu batalhão.
Em 20Abr70, por troca com a CCaç 2435, assumiu a responsabilidade do
subsector de Fajonquito, com um pelotão destacado em Cambajú.
122
Em 13Ago70, foi rendida pela CArt 2742, mantendo entretanto dois
pelotões em Fajoquinto até meados de Set70, para realização de patrulhamentos
e acções nas regiões de Caresse e Quenható e seguiu, por fracções, para Bissau,
onde permaneceu a fim de aguardar o embarque de regresso. (...)
Fonte: CECA, vol. 7, pp.122/123
Valdemar, onde cabia tanta gente ? Ccac 2436, Cart 2479 e Ccac 2590, cerca de 200/260 tugas mais 200 instruendos guineenses. Não sei se a Ccac 2436 estava completa, se calhar tinha um ou mais pelotoes em destacamentos. Nós éramos 60 e vocês também.
Luís
Ia escrever acrescentando ... acrescentado o quê?. Nesta "Estória de Contuboel", de Renato Monteiro, está lá tudo escrito, escrito e de que maneira. até em impercetível braile para quem não gosta de ver/ler estas coisas.
Refiro-me aos putos que apareceram para serem tropas.
Alguns, umas dezenas, teriam 15-16 anos. Reparem na fotografia, estou com três putos e o que está à direita da foto com um cantil, o Umaru, é mais baixo que eu (1,68m) e em 1999 quando nos encontramos na Amadora ele tinha mais de 1,85m de altura.
Estávamos em Abril/1969, com o abandono de toda a zona do Boé e além rio Corubal, da constante fuga da população das pequenas tabancas, da cada vez maior dificuldade de transitar sem colunas de segurança e agora este apuramento de crianças para a tropa (lembrando as crianças utilizadas por Hitler no final da II Guerra) verificamos que não se trata de nenhuma nova estratégia, antes mais parece um estertor da guerra.
E quanto ao resto, ainda estou abananado com a morte do meu querido amigo Monteiro.
Afinal, ele telefonou a despedir-se de mim... e eu não percebi.
Nos parágrafos da lei normal desta vida, devia de haver o parágrafo único:
Merece ficar por cá mais uns anos quem esteve na guerra da Guiné.
E o Monteiro bem merecia.
Onde cabia tanta gente, não sei e até nem me lembro do local de como todos aqueles recrutas estavam aquartelados, assim como a CCAÇ. 2436, que julgo não estava completa, e os soldados e especialistas da nossa CART.2479. Além da nossa caserna, no lado direito do "U", em frente o refeitório e à esquerda Enfermaria, Secretaria e Comando, e vocês em tendas de campanha não me lembro de mais nada, mas havia muita tropa a dormir, cá fora, em casas na Tabanca.
Sobre a célebre fotografia "O homem da piroga" julgo ter sido tirada pelo Cândido Cunha, esta e muitas outras teria cedido ao Monteiro para ilustração dos seus livros, p.ex. para "Guerra Colonial-Fotobiografia".
Abraço
Valdemar Queiroz
Caro amigo Luis,
A troca das duas companhias (2435/2436) entre Contuboel e Fajonquito em 20Abr70 coincide com o afastamento (porrada) do Cap. Carvalho comandante da CCaç 2435 e a companhia estava orfã e com o moral muito em baixo.
Sobre as recrutas em Contuboel, concordo com o Valdemar em como deviam ter encontrado abrigo junto da população do Bairros situados do lado Norte da vila, habitada por fulas, seus irmãos. Na zona mais próxima do quartel e mais antiga, habitavam os mandingas, nativos da localidade.
Também sempre achei o quartel de Contuboel muito esguio para tantos soldados, provávelmente o segredo está na distribuição para outros destacamentos como Saré-Bacar e Sonaco etc...E deslocação em intervenção para outras áreas do Sector L1.
Termino apresentando ao Valdemar, ao Luis Graça e a D. Margarida sua esposa, as minhas sentidas condolências pela morte do Renato Monteiro. Um Homem bom e com elevado sentido de honra e de justiça que o acompanharam até ao fim.
Com um abraço amigo,
Cherno Baldé
Obrigado, Cherno, pelos votos de pesar pela morte do nosso camarada, e "nosso particular amigo" (meu, do Valdemar, e outros membros da Tabanca Grande), em nome de todos nós e da família (sua esposa, filho, neto, nora...) a quem vou tentar fazer a tua mensagem. Sei que também tinhas um especial apreço pelo nosso Monteiro. Mantenhas, Luis
Será que estou enganado? Em 1973, janeiro/Março, em Bambadinca e na Cçac 12 um soldado de nome Cherno Balde foi um dos soldados que frequentou a escola para aprender a ler e a escrever. O tempo foi curto mas o Cherno aprendeu a escrever o nome para assinar a folha do pré.
Foi o meu único sucesso de alfabetização dos soldados da 12.
É o único nome que recordo dos soldados africanos da companhia.
Pela nome e pela data pode ser este Cherno Balde, ou não.
João Candeias Silva ex- furriel mil at de infantaria
Candeias
Em Contuboel foram incorporados 210 recrutas, um foi evacuado para HMB não mais aparecendo, sendo, então, 209 os que completaram a recruta e o IAO. Desses havia muitos Baldé mas só um se chamava Cherno Baldé, o que está na fotografia comigo.
Depois de completada a instrução 91 juntaram-se à minha CART.2479, depois CART.11, fomos para Nova Lamego, e os restantes 108 juntaram-se à CCAÇ.2590, depois CCAÇ.12, foram para Bambadinca.
Os três recrutas que estão na fotografia comigo foram para Bambadinca e nesse caso, não tendo sido incorporado outro, só pode ser este Cherno Baldé o que frequentou a escola e aprendeu a escrever o nome. Em 1973 teria 20/21 anos.
Abraço e saúde
Valdemar Queiroz
Rectifico: queria dizer 118 os que foram para Bambadinca.
(e eu tenho de ir para a escola da marreca)
Valdemar Queiroz
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