Nº de desertores das Forças Armadas Portuguesas, no período de 1961/73 (Fonte: Cardina e Martins, 2019, p. 46)
1. O número de desertores, refractários e faltosos da guerra do ultramar / guerra colonial foi durante muito tempo (e continua a ser) objecto de especulações e até de polémicas, por falta de investigação historiográfica compreensiva.(*)
Nos últimos cinco anos temos já dados, se não consolidados, pelo menos mais aproximados... A metodologia da sua recolha é, porémm discutível, já que se baseiam apenas em fontes administrativas (Excército). O investigador Miguel Cardina, da Faculdade de Coimbra, aponta hoje para um número de desertores da ordem dos 9 mil, podendo todavia essa estimativapecar por defeito. Um aspeto relevante: a deserção dá-se, na maioria dos casos na "metrópole# e não nas "frentes de combate", o que já há muito sabíamos que respeitava ao CTIG.
(*) Último poste da série > 28 de maio de 2021 > Guiné 61/74 - P22230: Casos: a verdade sobre... (25): a vida e a morte do maj inf graduado Jaime Frederico Mariz (1936-1973): "sei muito poucas coisas do meu pai" (Frederico Rezende)
Embora sejamos um blogue de antigos combatentes, onde não cabe a figura do desertor como membro do nosso coletivo , isso não nos impede de falar sobre o assunto e de procurar saber mais sobre os desertores das Forças Armadas Portuguesas, no período de 1961 a 1974, em que durou a guerra, a par dos refractários e dos faltosos...
Aliás, sobre este descritor, "desertores", temos mais de uma centena de referências...
Recorde-se que o Código de Justiça Militar de então definia como desertor aquele que se ausentava, indevidamente, num prazo superior a oito dias, da unidade militar a que pertencia. As razões (e as circunstâncias) da deserção seriam naturalmente complexas, mas em princípio significavam a "recusa" da guerra.
Outra categoria estudada são os refratários (mancebos que faziam a inspeção mas que fugiam antes da incorporação militar), que não devem ser confundida com a dos faltosos (os que nem sequer faziam a inspeção militar).
Entre 1967 e 1969 (os dados de que se dipõe), cerca de dois por cento dos jovens, chamados à inspeção, foram considerados refratários: 1402 (2,26%) e 1967; 1268 (1,79%) em 1968; e 743 (1,09%) em 1969. Não se dispõe de dados para os outros anos.(Fonte: Cardina e Martins, 2019, p. 46).
Quanto aos faltosos, e de acordo com dados de 1985, do Estado-Maior do Exército, seriam da ordem dos 200 mil, no total, no período entre 1961 e 1974 (Fonte: Cardina e Martins, 2019, p.47).
De vez em quando o tema vem à baila, como recentente num artigo do investigador da Universidade de Coimbra, Miguel Cardina, publicado no "Público" de que tomamos a liberdade de reproduzir um excerto, para conhecimento dos nossos leitores.
2. Recortes de imprensa:
[ Revisão / fixação de texto / negritos, para efeitos de edição deste poste: LG ]
2. Recortes de imprensa:
Miguel Cardina, "Público", 30 de Julho de 2021 > Guerra à guerra: as oposições e a contestação anticolonial (Com a devida vénia)
https://www.publico.pt/2021/07/30/politica/noticia/guerra-guerra-oposicoes-contestacao-anticolonial-1972307
(...) Um estudo que efetuei, juntamente com Susana Martins (Miguel Cardina e Susana Martins, “Evading the War. Deserters and draft evaders of the Portuguese army during the colonial war”, E-Journal of Portuguese History, 2019, n.º 17/2):
https://www.publico.pt/2021/07/30/politica/noticia/guerra-guerra-oposicoes-contestacao-anticolonial-1972307
(...) Um estudo que efetuei, juntamente com Susana Martins (Miguel Cardina e Susana Martins, “Evading the War. Deserters and draft evaders of the Portuguese army during the colonial war”, E-Journal of Portuguese History, 2019, n.º 17/2):
(i) aponta para a existência de cerca de 9000 desertores (com lacunas pontuais em certos anos e ramos militares), a maioria deles desertando ainda em Portugal;
(ii) devendo a isso associar-se um número estimado de refratários na ordem dos 10 a 20 mil jovens;
(iii) e de faltosos à inspeção que rondará os 200 mil jovens - ou seja, perto de 20% dos rapazes chamados à inspeção na então metrópole, neste caso a partir de dados do próprio Exército.
Muitos deles não recusavam a guerra a partir de um posicionamento ideologicamente explícito e eram alheios às discussões políticas nas oposições.
Muitos deles não recusavam a guerra a partir de um posicionamento ideologicamente explícito e eram alheios às discussões políticas nas oposições.
Além disso, nem todos os faltosos à inspeção o fizeram certamente para escapar da guerra: uma parte viria mesmo a regressar ao país para cumprir o serviço militar. No entanto, e como os trabalhos de Victor Pereira sobre a emigração têm sublinhado, é também possível ver estes trânsitos como parte das estratégias de resistência infrapolítica das classes populares.
Com efeito, no gesto de emigrar intersetavam-se, frequentemente, as questões relativas ao sustento material e à busca de oportunidades de vida no exterior com o escape a constrangimentos de outro tipo, entre os quais, na vida dos jovens, pesava com especial relevo o fantasma de ser mobilizado para combater numa guerra distante. (...)
3. Comentário do editor LG:
Fizemos uma primeira leitura, a correr, do artigo supracitado, de resto disponível aqui (em português do Google e no original em inglês, e também em formato pdf). Merece uma nota de leitura, e uma análise mais fina, quando tivermos disponibilidade de tempo. Para já limitamo-nos a reproduzir, com a devida vénia, um resumo (gráfico, acima) dos dados relativos aos desertores por ano e por local (Portugal e os 3 teatros de operações).
Fizemos uma primeira leitura, a correr, do artigo supracitado, de resto disponível aqui (em português do Google e no original em inglês, e também em formato pdf). Merece uma nota de leitura, e uma análise mais fina, quando tivermos disponibilidade de tempo. Para já limitamo-nos a reproduzir, com a devida vénia, um resumo (gráfico, acima) dos dados relativos aos desertores por ano e por local (Portugal e os 3 teatros de operações).
Recorde-se que o Código de Justiça Militar de então definia como desertor aquele que se ausentava, indevidamente, num prazo superior a oito dias, da unidade militar a que pertencia. As razões (e as circunstâncias) da deserção seriam naturalmente complexas, mas em princípio significavam a "recusa" da guerra.
Outra categoria estudada são os refratários (mancebos que faziam a inspeção mas que fugiam antes da incorporação militar), que não devem ser confundida com a dos faltosos (os que nem sequer faziam a inspeção militar).
Entre 1967 e 1969 (os dados de que se dipõe), cerca de dois por cento dos jovens, chamados à inspeção, foram considerados refratários: 1402 (2,26%) e 1967; 1268 (1,79%) em 1968; e 743 (1,09%) em 1969. Não se dispõe de dados para os outros anos.(Fonte: Cardina e Martins, 2019, p. 46).
Se os desertores e os refractários são um fenómeno mais próximo da "recusa" da guerra, a questão dos faltosos tem que ser vista no âmbito mais vasto do fenómemo da emigração.
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Nota do editor:
(*) Último poste da série > 28 de maio de 2021 > Guiné 61/74 - P22230: Casos: a verdade sobre... (25): a vida e a morte do maj inf graduado Jaime Frederico Mariz (1936-1973): "sei muito poucas coisas do meu pai" (Frederico Rezende)
4 comentários:
O supra mencionado jovem co-autor, Miguel Gonçalo Cardina Codinha, natural da Nazaré, discípulo de Fernando Rosas, do sociólogo Boaventura Sousa Santos e conhecido dinamizador e "vice-presidente do conselho científico" do "Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra", tido como historiador 'sério e isento' (?) - "doutor em História na especialidade de História Contemporânea, com a tese 'Margem de Certa Maneira. O maoísmo em Portugal: 1964-1974', orientada em 2020 na Faculdade de Letras da UC pelo prof. dr Rui Bebiano" (historiador do CD25A) -, em Ago2016 recebeu do 'board of directors' do Conselho Europeu de Investigação, uma bolsa, no âmbito do concurso 'Starting Grant', no valor de 1,4 milhões €, destinada a «concretizar o [seu] projecto de investigação "Memórias cruzadas, políticas do silêncio: as guerras coloniais e de libertação em tempos pós-coloniais", propondo-se fazer uma "história das memórias das guerras coloniais e das guerras de libertação».
Em Out2016 começou por apresentar, junto com Susana Martins e por intermédio do DN, um muito controverso «número de oito mil soldados [que] desertaram da guerra colonial», admitindo no entanto «que o número pode ser muito maior» e para tal propondo-se dissertar em colóquio na FCSH/UNL: de tal colóquio e eventuais conclusões, até ao momento nada publicamente se conhece.
O que agora vem a saber-se, é através de recente cavação jornalística do 'Público', na qual se trata pouco mais que o mesmo anteriormente divulgado, em Out2016, pelo DN...
Ou seja, a meu ver, o beneficiário da citada choruda bolsa, parece necessitar de "apresentar serviço".
Pormenor político-partidário: aquele mesmo investigador, foi recentemente cooptado para integrar a mesa da direcção nacional do Bloco de Esquerda.
Ora, sendo desde há muito conhecidos os seus critérios de estudo relacionados com a guerra "colonial", para além do crivo doutrinário e óbvia limitação ideológica das "fontes consultadas", os números, estatísticas e subliminares nexos causais apresentados, não me merecem quaisquer créditos, académicos ou outros.
... onde acima se lê 2020, leia-se 2010.
(JCAS)
Devia haver um estudo sobre qual o efeito negativo haver oito mil ou mais desertores durante 13 anos de guerra.
E se seria efeito negativo ou sem qualquer efeito notório?
Como naqueles tempos se falava, 31 de boca, que haveria permanentemente 100 mil militares no activo, será que menos de 8% fariam muita falta?
Claro que havia também refratários, e aí talvez a percentagem fosse maior do que a dos desertores, e é preciso que esses estudos não misturem esses dois estados, refratários e desertores.
Penso que onde se notaria a falta de jovens seria na escola do exército para ter oficiais do quadro.
Mas no campo prático, naquele tipo de guerra, os oficiais do quadro não eram a parte mais importante em campo, porque vejam isto, se um capitão, comandante de companhia, constantemente era substituido por um alferes miliciano, se este por sua vez, facilmente era substituído por um furriel miliciano, se este por sua vez, um primeiro cabo facilmente se punha no seu lugar, por experiência própria, eu ex-furriel miliciano, comandante de secção, subalternizei-me um dia a um 1º cabo em Angola, a um primeiro cabo, com um sucesso brutal, porque era um branco angolano que conhecia o terreno e dominava os idiomas locais, e foi uma operação que foi canja.
Comigo a comandar era um desastre, isto é um exemplo apenas meu, evidentemente
Como a maioria de refratários e desertores, (uma meia dúzia conheço eu pessoalmente), os que conheço foram para a França, e foram mandando as "remessas", foram tão ou mais úteis como aqueles que se ofereciam para a pesca do bacalhau em substituição da guerra.
E se de facto houvesse mesmo falta de "carne para canhão", com a africanização da guerra, se ia colmatando com vantagens muito claras esse deficit.
Esse estudo, a falta que fizeram os desertores e refractários, esse estudo é que deveria ser feito, com acuidade.
E em memória daqueles que morreram e de suas famílias, a história da descolonização de África vai-se escrevendo lentamente, e vai-se verificando não foi culpa da teimosia dos que lá andámos, mas do laxismo dos "descolonizadores" europeus, a inundação de naufragos de jovens mulheres e crianças em pleno mediterrâneo e mar das Canárias.
Caro António Rosinha, falando de substitutos na cadeia hierárquica das Companhia e Pelotões, tínhamos pelo menos 2 Cabos Atiradores (madeirenses) na minha Companhia (madeirense) aos quais eu, se mandasse, não hesitaria em dar-lhes o comando de um pelotão. Os seus nomes: o 1º Cabo Ornelas do meu pelotão e da minha secção e o 1º Cabo Inácio Silva, do 2º Pelotão (salvo erro).
A capacidade de comando não se via nas divisas e nos galões mas na competência demonstrada em campanha, como sabes.
Abraço
Carlos Vinhal
CART 2732
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