Leopoldo Senghor, presidente da República do Senegal,
entre 1960 e 1980.
1. O nosso camarada Victor Costa, ex-fur mil at inf, Victor Costa, mandou-nos este "recorte de imprensa", que reproduzimos abaixo. Trata-se de uma entrevista dada pelo então presidente da República do Senegal (o primeiro, entre 1960-1980), poeta, teórico da negritude, panafricanista e profundamente francófono Léopold Sédar Senghor (1906-2001) ao influente jornal "Jeune Afrique", n.º 701, de 15 de junho de 1974, traduzida e reproduzida no Boletim do MFA, Bissau, n.º 2, de 17 de junho de 1974, ou seja, dois dias depois.
O jornalista, que entrevista o Leopoldo Senghor, é Jean-Pierre N' Diaye. Em 13 de março de 1975, Senghor (apelido paterno, para uns corruptela da palavra portuguesa "Senhor", para outros um apelido sererê, veja-se a o artigo em inglês na Wikipedia), filho de pai sererê, rico comerciante de amendoim, e filho de mãe de origem fula (a terceira esposa do pai), é agraciado, em Portugal, com o Grande Colar da Ordem Militar de Santiago da Espada. E em 1980 iria receber o Doutoramento Honoris Causa da Universidade de Évora.
Destaque:
(...) É preciso nunca desesperar dos homens e jamais confundir o povo com o seu governo. Eu tive sempre um grande afecto e admiração pelo povo português. Sabe que o meu nome é português, que provavelmente tenho uma gota de sangue português, que os meus antepassados eram da Guiné-Bissau; e é a razão pela qual estive sempre atento a tudo o que era português. (...)
(...) Penso que é do interesse do povo português e do interesse dos povos da Guiné-Bissau, Angola e Moçambique, guardar laços com Portugal depois da sua independência. (...)
Entrevista do presidente da República do Senegal, Leopoldo Sédar Senghor, ao semanário "Jeune Afrique", n.º 701, de 15 de junho de 1974, traduzido e reproduzido no Boletim do MFA, Bissau, n.º 2, de 17 de junho de 1974 (dois dias depois).
Vamos associar este documento à celebração do 18º aniversário do nosso blogue (nascido em 23 de abril de 2004) (**). Obrigado, Victor Costa,___________
Notas do editor:
(*) Vd. poste de 6 de maio de 2022 > Guiné 61/74 - P23234: (In)citações (205): O general Spínola, a guerra e a paz (Victor Costa, ex-fur mil, at inf, CCAÇ 4541/72, Safim, 1974)
(**) Último poste da série > 4 de maio de 2022 > Guiné 61/74 - P23226: 18º aniversário do nosso blogue (11): O enviado especial do "Diário de Lisboa", Avelino Rodrigues, em julho de 1972, no CTIG: uma "crónica imperfeita" em quatro artigos - IV (e última) Parte: 31 de agosto de 1972: "Spínola: Infelizmente ainda tenho que dar tiros, mas a guerra não se ganha aos tiros"... Mas o pior será quando a guerra acabar, conclui o Avelino Rodrigues...
9 comentários:
Caros amigos,
Quando o Senghor diz, na sua entrevista: "Mas em vez de me contentar em fazer declaraçoes para vituperar o imperialismo, o colonialismo e o neocolonialismo, experimentei dar conselhos uteis aos movimentos de libertaçao ..." estaria a referir-se ao Presidente da vizinha Guiné-Conacry, Ahmed Sékou Touré, com o qual nunca tinha conseguido conciliar sua visao da politica, do mundo e do que deveria ser a Africa récem-independente.
Na nossa sub-regiao, nos anos 50/60, no limiar das independencias africanas das colonias inglesas e francesas, tivemos quatro figuras importantes que marcaram profunda e duravelmente a historia da sub-regiao durante o periodo em que estes paises acederam a independencia e foram, depois, confrontados com a situaçao suis-generis das colonias portuguesas que seriam obrigadas a pegar em armas para lutar para a sua auto-determinaçao.
O primeiro é Modibo Keita, primeiro presidente do Mali (1960-1968) e antigo PM da Confederaçao do Mali conjuntamente com o senegal, que durou pouco tempo. Produto da escola colonial William Ponty (Dakar) e do movimento estudantil de orientaçao marxista dos anos 50/60. Homem politico da esquerda e do chamado Socialismo africano, era um politico discreto, mas muito influente entre seus pares.
O segundo é o Félix Houphouet Boigny, primeiro Presidente da Costa de Marfim (1960-1993), também ele produto da escola William Ponty, depois sindicalista e politico considerado moderado e que sera, mais tarde, o homem da França e elo forte do sistema designado por "Françafrique" e amigo de Jacques Foccart nos Governos de de Gaulle e Pompidou, com os quais modelou a configuraçao que se conhece da Comunidade Francofona d'Africa até hoje, sabotando todas as iniciativas que visavam a separaçao desses paises da tutela francesa.
O terceiro é o Ahmed Sékou, primeiro Presidente da Guiné-Conakry (1958-1984) que, fraudulentamente, apropriou-se do titulo de neto do imperador Almame Samory Touré. Rebelde e conspirador politico inato, ainda no colégio, aos 15 anos ja era contestatario e, rapidamente, vai subir os escaloes da hierarquia sindical com a sua eloquencia e verbo facil. Nunca terminou nenhuma formaçao escolar digno desse nome e sera depois recrutado como funcionario, operador dos correios e telecomuniçoes (PPT-Post-Telecom-Telephone) no seu pais, tendo de seguida integrado a Confederaçao Geral dos Trabalhadores Franceses dominado pelo Confederaçao francesa do Trabalho de orientaçao comunista.
Politico controverso e tanto ou quanto radical na sua visao e pratica politica, teve uma contribuiçao importante no auxilio aos movimentos de libertaçao no continente africano inclusive na luta contra o Apartheid na Africa do Sul, sem falar da luta pela libertaçao das colonias portuguesas, mas no interior do seu pais é frequentemente acusado de uma deriva ditatorial que custou a vida a milhares de pessoas, entre adversarios politicos e dissidentes do seu proprio partido.
Com um abraço amigo,
Cherno Baldé
PS/
O quarto e ultimo é o nosso Léopold S. Senghor, escritor, poeta e fino politico. Foi um intelectual no verdadeiro sentido do termo, formado pela Sorbonne depois de terminar o colégio Louis-le-Grand, em França.
O Senghor foi o primeiro africano eleito membro da prestigiada Academia Francesa e um dos mais destacados intelectuais africanos do séc. XX.
Mas, como nao ha bela sem senao, também ele cometeu alguns erros, talvez poucos saibam, mas em meados de 1976/77 teria assinado um acordo com o Presidente guineense Luis Cabral, para o repatriamento, sem motivos validos, dos guineenses, supostos rebeldes, radicados no Senegal com a contrapartida de diereitos de pesca no nosso mar. Imperdoavel para a sua aura e o seu prestigio de intelectual.
Teve o mérito de ser dos poucos dirigentes africanos moderados a nivel do continente e, ainda, de ter tido a honradez , outros dizem, a lucidez, de abandonar o poder "antes de o barco afundar" como dizem pos seus detratores.
Cherno Baldé
Era curioso a ideia formada e inculcada na cabeça dos jovens guineenses, pelos dirigentes e ministros do PAIGC, que bom mesmo era Sekou Toure, ao contrário de Senghor que era um pau mandado da França.
Aliás, segundo Amílcar Cabral, era preciso não aceitar o jugo do tal "neocolonialismo" o que para eles, Sekou Toure era exemplo a seguir ao contrário de Senghor-
Foi na capital de Sekou Toure que Amilcar viu o fim dos seus dias, e foi no fim de uma visita de Sekou a Bissau que Luís Cabral viu o fim do seu reinado na Guiné Bissau.
Tinha sido mais tranquilo para os guineenses, aqueles dois heróis do PAIGC terem-se virado para o visinho do norte, embora aqueles tempos já tivessem ditado o fim de um tempo em África.
Então o Mário Beja Santos não explicou, recentemente aqui no blogue, que o Amílcar Cabral foi um génio? Um génio, a tropeçar nos atacadores dos sapatos.
Abraço,
António Graça de Abreu
Cherno, a acusação que é feita ao Sengor de ter entregue à Guiné-Bissau de Luís Cabral os desgraçados dos refugiados (antigos "colaboracionistas" da tropa colonial, antigos camaradas nossos, afinal...) em troca de direitos de pesca, é grave, e não pode ser feita de ânimo leve. Tens alguma fonte credível ?
António, isso já é "cyberbullying", a tua obsessão com o que escreve ou não escreve o teu/nosso camarada António Beja Santos...sobre o Amílcar Cabral (que de resto já morreu, como tantas outras figuras "revolucionárias" que foram ícones para muitos jovens da nossa geração...). E há guineenses e cabo-verdianos que ainda o admiram e respeitam... É como o Spínola, que também já morreu... Falemos dos mortos com alguma elevação, se não te importas... LG
Caro Luis Graça,
O acordo existe, não foi secreto, infelizmente eu não o tenho, mas a quem interessar e quiser investigar não será digicil encontrar. Mais que o documento em si são as testemunhas ainda vivas que relatam os horrores da massa de pessoas deportadas em camiões e abandonados em prisões de localidades na fronteira Norte (Farim, Ingoré, entre outros) onde morreram de fome e de asfixia em prisões sem condições e superlotadas. E o pior é que, na sua maioria, nem eram refugiados, mas sim jovens camponeses de etnia fula que se tinham deslocado ao Senegal para a campanha sazonal de colecta do amendoim (mancarra) como era hábito havia muitos anos. Era uma forma de angariar alguns recursos financeiros para sustento fam8liar e outras necessidades, numa altura em que já não havia o serviço militar e o Pré de soldados.
Aqueles que fizeram o serviço queriam mostrar numeros para convencer e não houve nem critérios de seleção nem tempo para investigação e muito menos preocuação com o destino dos mesmos, foram metidos em camiões e recambiados nos postos fronteiriços, isso toda a gente o sabe.
Conta-se um episódio em que o Francisco Mendes, na altura PM do país, que se teria deslocado à Farim, nessa altura, e tendo-se defrontado com essa realidade no quartel ocupado pelos guerrilheiros (guardas fronteiriços) teria exigido a sua libertação imediata, pelo que logo após a sua saida do local deram ordens para os retirarem dali e os eliminarem a todos antes que a situação se complicasse. Certamente nessas localidades não faltarão, por enquanto, pessoas que possam testemunhar tamanha barbaridade.
E nos arquivos da presidência do Senegal, certamente que este acordo deverá existir sem que seja, necessáriamente, lifado a actos de crime contra a humanidade.
Com um abraço amigo,
Cherno Baldé
PS: Para além deste acordo, ainda nesse mesmo periodo ou no ano seguinte (1977/78) teriam assinado o acordo de assistência mútua em caso de agressão externa ou golpe de estado ao abrigo do qual o Nino Vieira vai solicitar a intervenção das tropas do Senegal e da Guiné-Conacry, durante o conflito de 7 de Junho (1998/99).
Na Guiné-Bissau nada fica em "segredo de estado" mais que 24 horas nem precisa de jornais para divulgar rapidamente ou rádio ou televisão.
O boca a boca, oralmente portanto, em Bissau, desde que se pratique o crioulo, dispensa qualquer outro meio de comunicação.
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