quinta-feira, 16 de fevereiro de 2023

Guiné 61/74 - P24071: In Memoriam (468): Historiador Armando Tavares da Silva (5/5/1939 - 1/2/2023), Professor Catedrático Aposentado da Universidade de Coimbra (Mário Beja Santos)

IN MEMORIAM

Armando Tavares da Silva (5/5/1939 - 1/2/2023)

Mário Beja Santos

Conheci Armando Tavares da Silva quando um dia, inopinadamente (sem prévio aviso) me abriu a porta do meu gabinete de trabalho, onde eu fazia voluntariado, na Praça Duque de Saldanha, estávamos em 2016, vinha ajoujado de um cartapácio, apresentou-se, fiquei a saber que era professor catedrático reformado, presidente da secção Luís de Camões da Sociedade de Geografia de Lisboa, que andara aturadamente no Arquivo Histórico Ultramarino, fora desperto pelos assuntos guineenses graças a um avô marinheiro que andara na guerra do Churo, em 1904, trouxera muitas memórias, decidiu-se por aprofundar, documento puxa documento e escreveu uma obra de referência “A Presença Portuguesa na Guiné, História Política e Militar, 1878-1926”, obra recheada de imagens e cartografia, viria este tão prodigioso esforço a ser premiado pela Gulbenkian.

São centenas e centenas de páginas que começam na transformação da Guiné em província independente de Cabo Verde, meticulosamente vão sendo reveladas as atividades dos primeiros governadores, é o caso da guerra do Forreá, os incidentes do Casamansa, a delimitação de fronteiras (depois da convenção luso-francesa de maio de 1886), as intermináveis rebeliões, a indisciplina dos Papéis de Bissau, as tentativas de pacificação, com destaque para a governação de Oliveira Muzanty, as campanhas de Teixeira Pinto e o processo de Abdul Indjai, a governação de Vellez Caroço, o drama de heróis insurretos como Graça Falcão, a monopolização do comércio pela Casa Gouveia.

Não me cansei de louvar este levantamento monumental, uma singularidade na historiografia da Guiné colonial, tivemos a nossa querela a propósito das suas considerações finais quanto a legadas divisões em permanência entre militares e comerciantes, e mantive como mantenho sérias dúvidas quanto a todas as benevolências que ele atribui à campanha de Teixeira Pinto em Bissau, conducente à chamada pacificação definitiva de 1915. São arrufos entre estudiosos, mal ficaríamos se não houvesse divergências quanto ao olhar da sociedade e da política num certo período em análise.

A Guiné perde um investigador histórico de gabarito, foi colaborador do nosso blogue, deixou obra em várias instituições como a Sociedade de Geografia de Lisboa, o Instituto Português de Heráldica e a Sociedade Histórica da Independência de Portugal.

Curvo-me respeitosamente pela sua memória, pela companhia que nos trouxe e pelo acervo admirável que deixou sobre um importante período da nossa presença na Guiné.


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- Os editores e a tertúlia do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, lamentam a morte do insigne Historiador, Professor Armando Tavares da Silva, nosso confrade, endereçando aos seus familiares as mais sentidas condolências.

O Prof Armando Tavares da Silva deixa uma prestimosa colaboração neste Blogue, onde tem 52 referências, dando-nos a conhecer, no seu último livro publicado, a história política e militar da presença portuguesa na Guiné no período compreendido entre 1878-1926.

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Nota do editor

Último poste da série de 30 DE JANEIRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24022: In Memoriam (467): Francisco Justino Silva (1948-2023), médico, ortopedista, ex-alf mil, CART 3492 / BART 3873, Xitole, e Pel Caç Nat 51, Jumbembem (1971/73) cerimónias fúnebres, hoje, em Porto Salvo, na igreja local, com velório a partir das 16h00; missa de corpo presente às 14h00 de 3.ª feira, seguindo o funeral para o cemitério de Carnaxide

6 comentários:

Gil disse...

Grato ao Mário Bejka Santos por esta referência ao Prof. Tavares da Silva.

V. Briote
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Cherno Baldé disse...

Caros amigos,

Lamento muito, que a alma do nosso amigo Professor Armando da Silva possa repousar em paz. As minhas condolencias a familia, parentes e amigos proximos.

Cherno Baldé

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Fico triste. Era um dos nossos. Não como camarada, mas como amigo da Guiné. Era um apaixonado pela história da nossa presença histórica na Guiné. Era uma pessoa afável, prestável, discreta.

Trocámos algumas dezenas de mails e ele publicou bastantes textos seus no nosso blogue.

Estive com ele apenas duas vezes, a primeira no lançamento do livro do Beja Santos, História(s) da Guiné-Bissau, em 6/12/2016, no Auditório da Associação Nacional de Farmácias, altura em que o convidei a integrar o nosso blogue, e a última numa visita à Sociedade de Geografia de Lisboa, em data posterior. Convidou-me para almoçar com ele e com o nosso amigo comum, o arquiteto José António Paradela, natural de Ílhavo (infelizmente a passar, neste momento, por uma grave crise de saúde). O meu "mano" Zé Antómio e o Armando conheciam-se das "tertúlias" da Costa Nova...Para uma bela manhã em que o Armando nos fez uma visita guiada à "casa" que era a dele nos últimos anos...Por coincidência lá encontrámos, nesse dia, o nosso "rato de biblioteca",o Beja Santos.

Deixei de ter notícias dele a partir do verão de 2020... Depois meteu-se o raio da pandemia... No último mail, de 12/7/2022, ele mandou-me para publicação um ficheiro Excel com a relação de tratados realizados entre as autoridades portuguesas e vários chefes da Guiné (entre 1828 e 1918).

E justificou o interesse desse documento nestes termos:

Armando Tavares da Silva
Anexos
12/07/2020, 23:42

Caro Luís,

Já várias vezes que tenho visto no blogue a afirmação que pouco se conhecia (e conhece) sobre a Guiné. Esta falta de conhecimento poderá levar-nos a interpretações ou juízos errados ou precipitados, os quais podem surgir dentro dos mais variados contextos, e que levem a concluir “que precisamos de mais e melhor investigação historiográfica sobre pontos de contacto comuns entre nós, Portugal e a Guiné”.

Ora, os Tratados e Convenções que no decorrer dos tempos foram firmados entre as autoridades portuguesas e os representantes dos povos da Guiné inserem-se precisamente naqueles “pontos de contacto”. E é para melhor conhecimento daqueles contactos e melhor conhecimento da evolução histórica da relação estabelecida, que elaborei uma lista (que considero exaustiva) daqueles “Tratados e Convenções“. São 76 no total e tiveram lugar durante quase um Século (entre 1828 e 1918). Segue em baixo a respectiva relação. Os seus textos estão disponíveis em referências conhecidas, e que poderão ser consultadas por quem se interessar por aprofundar aquele conhecimento.

Com um abraço

Armando Tavares da Silva


Tabanca Grande Luís Graça disse...

A Universidade de Coimbra deu a notícia nestes termos (Reprodução com a devia vénia):

https://www.uc.pt/fctuc/deq/noticias/falecimento-professor-doutor-armando-tavares-da-silva/

Academia: Falecimento Professor Doutor Armando Tavares da Silva

07 fevereiro, 2023

Faleceu o Professor Doutor Armando Tavares da Silva, Professor Catedrático aposentado do Departamento de Engenharia Química da Universidade de Coimbra. O Professor Armando Tavares da Silva foi o responsável pela criação e implementação do curso e do Departamento de Engenharia Química na Universidade de Coimbra.

Após a publicação, em 1972, do DL que criou os cursos de engenharia na Universidade de Coimbra, o Professor Armando Tavares da Silva, doutorado pela Universidade de Cambridge, Inglaterra, em 1967, e então jovem professor do Instituto Superior Técnico, foi convidado para criar o curso de Engenharia Química na Universidade de Coimbra, o qual funcionou pela primeira vez no ano lectivo 1972/73.

Propôs na altura um plano de estudos inovador para a época, contando já com uma forte componente computacional e de modelação e com uma disciplina de projecto de processo em Engenharia Química. Foi também com ele que se iniciou, logo em 1972, a investigação nesta área científica na Universidade de Coimbra, com financiamento do Instituto de Alta Cultura.

Em 1975, coordenou a mudança do departamento de Engenharia Química para o Laboratorio Chimico no Pólo I da Universidade de Coimbra, garantindo a continuação da sua autonomia. Entre outras iniciativas em que esteve envolvido após a criação do Departamento de Engenharia Química, destaca-se a preocupação com a inserção no ambiente internacional para o que contribuiram as visitas a Coimbra do Professor Dankwerts da Universidade de Cambridge e Fellow of the Royal Society, logo em 1973, e também do Dr. David Cresswell, da Universidade de Edimburgo, em 1974.

Incentivou e preparou também, em 1975, a primeira mobilidade internacional de alunos do primeiro curso de Engenharia Química da Universidade de Coimbra, no âmbito do programa IAESTE. Foi também graças aos seus contactos internacionais que vários docentes, na altura assistentes do Departamento de Engenharia Química, tiveram oportunidade de realizar investigação em várias reputadas universidades inglesas, com vista ao seu doutoramento.

O Professor Armando Tavares da Silva continuou a desempenhar a sua actividade como Professor de Engenharia Química na Universidade Coimbra até 2001, ano da sua aposentação da carreira docente, tendo, no entanto, continuado a manter sempre uma forte ligação ao Departamento de Engenharia Química.

Após a aposentação, o Professor Armando Tavares da Silva enveredou por uma forte componente de pesquisa/investigação na área da história, tendo publicado 3 livros e tendo-se tornado membro da Sociedade Geografia de Lisboa onde foi Presidente da Secção Luís de Camões. Destaca-se o seu último livro, “A Presença Portuguesa na Guiné - História Política e Militar 1878-1926”, pelo qual foi distinguido, em 2017, com o prémio Fundação Calouste Gulbenkian – Academia Portuguesa de História. O Professor Armando Tavares da Silva era também membro (Fellow) da Cambridge Philosophical Society.

A sua obra e percurso na Universidade de Coimbra torna-o indissociável da marca do Departamento de Engenharia Química no passado, presente e futuro. (...)

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Era o nº grã-tabanqueiro nº 734... Na apresentação da sua pessoa à Tabanca Grande, em 25/1/2017, o Armando Tavares da Silva disse o seguinte:

Prezado Professor Luís Graça, demais Editores do blogue e caros Grã-Tabanqueiros

É para mim uma grande honra e prazer pertencer a esta grande comunidade, aceitando o convite que me foi dirigido. Honra que é acrescida pelo facto de considerar este blogue do máximo interesse e importância por documentar, pela voz dos próprios interventores, grande parte do que foi a luta na Guiné durante os anos 1961-1974. Quem quiser, assim, fazer a história dos acontecimentos deste importante período, não poderá prescindir do manancial de informação que ele contém. É este um motivo do agradecimento que deve ser feito aos promotores deste blogue e a todos os que nele colaboram.

Eu não estive na Guiné, mas não é difícil de imaginar que, tendo durante cerca de uma dezena de anos feito uma extensa investigação sobre o que foi a presença portuguesa neste antigo território ultramarino português (agora a República da Guiné-Bissau) entre os anos 1878-1926, siga com grande interesse e apreço tudo o que respeita a este território, sua história presente e passada.

Devo começar por esclarecer que o meu interesse pela história do território resultou do facto de um avô meu, como aspirante de marinha, ter participado, em 1904, na chamada guerra do Churo, uma das operações militares ditas de “pacificação” da Guiné. O Churo era uma região de povos da etnia papel ao sul de Cacheu, os quais amiudadas vezes atacavam esta praça causando mortos entre os seus habitantes.

Aquele interesse foi acrescido por se ter dado a coincidência de o chefe-do-estado-maior na altura (major Lapa Valente) ser casado em segundas núpcias com a minha avó materna. Lapa Valente serviu na Guiné durante 7 anos – uma das mais longas presenças de militares – e durante este período foi por 3 vezes governador interino e uma vez encarregado do governo, tendo participado nas expedições ao Jufunco em 1901, ao Nhacre e ao Oio em 1902, ao Arame em 1903 e ao Churo em 1904.

Foi por verificar quão escassa era a historiografia portuguesa relativa à Guiné que decidi empreender a morosa tarefa de mostrar quais foram os problemas – militares a administrativos – que as autoridades portuguesas tiveram de defrontar para o estabelecimento de uma efectiva administração num território onde Portugal dispunha de várias praças, presídios e feitorias, a qual se tornou premente na sequência das resoluções da Conferência de Berlim de 1885.(...)


(Continua)


25 DE JANEIRO DE 2017
Guiné 61/74 - P16987: Tabanca Grande (424): Armando Tavares da Silva, nosso grã-tabanqueiro nº 734, autor de “A Presença Portuguesa na Guiné, História Política e Militar (1878-1926)” (Caminhos Romanos, 2016), livro galardoado com o prémio "Fundação Calouste Gulbenkian, História da Presença de Portugal no Mundo"

https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/2017/01/guine-6174-p16987-tabanca-grande-424.html

Tabanca Grande Luís Graça disse...

(Continuação)

O trabalho empreendido levou à publicação em 2016 do livro “A Presença Portuguesa na Guiné, História Política e Militar (1878-1926)” (Caminhos Romanos, ISBN 978-989-8379-44-3). Foi abrangido o período de quase 50 anos que se seguiu à separação administrativa da Guiné relativamente a Cabo Verde em 1879, período em que se verificou a quase totalidade das operações militares no território após a delimitação de fronteiras com a França em 1886.

Com a realização deste trabalho fiquei a compreender a razão por que o partido independentista criado nos finais dos anos 1950 dizia respeito não apenas à Guiné, mas simultaneamente também a Cabo Verde. E fiquei ainda a compreender a particular composição do grupo dos seus promotores e principais dirigentes.

Nesta perspectiva, aquele livro lança-nos luz sobre os antecedentes da luta travada para expulsão dos portugueses daquele território entre 1961 e 1974, e permite-nos compreender melhor o seu real significado, bem como os desenvolvimentos que têm ocorrido na Guiné-Bissau até aos nossos dias.

A este propósito tem interesse transcrever o Prefácio que o Almirante Nuno Vieira Matias, que comandou na Guiné de 1968 a 1970 um destacamento de fuzileiros especiais, elaborou para o livro. (...)


25 DE JANEIRO DE 2017
Guiné 61/74 - P16987: Tabanca Grande (424): Armando Tavares da Silva, nosso grã-tabanqueiro nº 734, autor de “A Presença Portuguesa na Guiné, História Política e Militar (1878-1926)” (Caminhos Romanos, 2016), livro galardoado com o prémio "Fundação Calouste Gulbenkian, História da Presença de Portugal no Mundo"

https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/2017/01/guine-6174-p16987-tabanca-grande-424.html