Queridos amigos,
Na fase final da vida deste Conselho Legislativo é apreciável a mudança de estilo, a conceção de interesse público que norteava Schulz ou Spínola é patente nos seus discursos, Schulz era de uma enorme reserva, utilizava sempre a prudência financeira, Spínola irá utilizar o Conselho como mais um altifalante para chegar aos guineenses e a Lisboa. Veja-se o primeiro discurso de Spínola ao Conselho, independentemente de em reuniões posteriores ter apreciado matérias rotineiras, caso da conceção de um novo empréstimo aos CTT para melhoramento das telecomunicações, isto no mesmo dia em que fez discurso político com pompa e circunstância. Em 23 de outubro de 1968, pouco depois da tomada de posse de Marcello Caetano, Spínola vem a Lisboa, quem preside ao Conselho é o Encarregado de Governo e que dá a notícia de que a publicação do novo Estatuto Político-Administrativo criara um Conselho Legislativo com mais ampla representação de todos os setores da vida da Província. Alguém deplorará que o atual Conselho vive normalmente alheio à maior parte da legislação que estava a ser promulgada. Em 12 de dezembro há a locução de Spínola com participação pública, a 30 de dezembro de 1968 é aprovado o orçamento da Província para o ano seguinte. E em 14 de abril reúne o Conselho presidido por Marcello Caetano, haverá discursos, como veremos mais adiante.
Um abraço do
Mário
Atas de Conselho do Governo da Colónia/Província da Guiné:
Uma fonte documental que não se deve ignorar (9)
Mário Beja Santos
Pode julgar-se à partida que estas reuniões em que se discutiam requerimentos, taxas e emolumentos, em que funcionários da administração se pronunciavam sobre salários e infraestruturas, num órgão consultivo em que compareciam chefes de serviços, comerciantes, profissionais liberais, em reuniões presididas pelo Governador, ou pelo Governador Interino, ou pelo Encarregado do Governo, eram suficientemente enfadonhas para não acicatar quem anda à procura de outros ângulos do prisma que nos ajudam a formar uma visão mais abrangente da História da Guiné. Muitas vezes sem interesse para o historiador/investigador, atrevo-me a dizer, mas há ali casos de tomadas de posição ou declarações que nos ajudam a melhor entender a mentalidade, as iniciativas seguramente generosas que ali se formularam e que não tiveram seguimento, ou mesmo o aproveitamento daquele palco para que um Governador tecesse, em forma de sumário, o que se procurava fazer durante o seu mandato.
Caminhando para as últimas atas deste Conselho Legislativo, permito-me pedir a atenção do leitor para dois factos: um, a inexistência de um número impressionante de atas neste acervo da Biblioteca da Sociedade de Geografia, o que dificulta enormemente encontrar-se um fio condutor (se é caso que ele existe) que desse oportunidade a uma apreciação ideológica ao longo do tempo; e verificar, com a chegada de António de Spínola, e passagem do Conselho Legislativo a órgão que admitia a participação pública, há a sua utilização a canal mediático, o governador passa a falar mais para os média, utilizando as reuniões como caixa de ressonância.
Vimos como na reunião de 29 de dezembro de 1964 o governador Schulz refletia sobre o orçamento da Província para 1965 e lembrava aos conselheiros que o Plano de Fomento impunha a necessidade do seu uso prudente, o plano fazia-se de empréstimos, havia os juros, a asfixia financeira era o que menos se podia desejar para a Guiné, e na circunstância o governador analisava três soluções, mas sempre dando ênfase ao aumento das receitas ou à diminuição das despesas; em 27 de abril do ano seguinte o Conselho regozija-se pela promoção do generalato do brigadeiro Schulz; em 10 de junho, procede-se à eleição dos representantes do Conselho Legislativo da Província que iriam participar no Colégio Eleitoral para a eleição do Presidente da República; em 13 de setembro, dá-se o aval aos empreendimentos a realizar em 1966 com verbas do Plano Intercalar de Fomento, e alguém comentou que não havia até ao presente qualquer benefício resultante da aplicação das primeiras fases do plano, havia necessidade de se obter maiores prazos de amortização e um juro mais baixo. “Sem isto, estaremos a gastar dinheiro na quase certeza de não poder pagar”. E o próprio governador observou que a rede de celeiros não tinha sido aproveitada “em virtude da atual situação da Província”. E concluía dizendo que esperava que a Guiné viesse a ter o mesmo tratamento de Cabo-Verde e Timor que recebem verbas dos Planos de Fomento sem pagamento de juros. Por essa época já se incrementava a sementeira do caju.
É uma reunião em que se discute o plano de mecanização da agricultora, propunha-se ao governador uma reformulação dos serviços e a adoção de um diploma legislativo para a conceção de benefícios pautais para carburantes e lubrificantes utilizados no desbravamento ou arroteamento de florestas, em obras de captação e distribuição de água, de defesa contra inundações e trabalhos de enxugo, lavoura e gradagens, amanhos culturais, transporte de fertilizantes e de colheita, etc. O governador informou que se estava a ponderar a criação de uma Caixa de Crédito Agrícola, bem como a construção de dois postos de sanidade pecuária. Votou-se a construção de um cais acostável em Bambadinca e obras nos portos de Binta e Buba. Em 26 de outubro, o Conselho reúne para a cerimónia da entrega de uma medalha de prata de serviços distintos ao Chefe dos Serviços da Fazenda, Tomás Joaquim da Cunha Alves, no texto a louvor é referido explicitamente que logo que a Província entrara na situação de turbulência que ainda se vivia o respetivo funcionário, correndo riscos de vida, percorreu o território para zelar pelo erário público. E no dia seguinte o Conselho voltou a reunir para apreciação o Regulamento dos Serviços de Saúde e Assistência. E não há mais atas da governação de Arnaldo Schulz.
Estamos agora em 22 de julho de 1968, preside António de Spínola, mudou o discurso, a sua alocução não ficará em circuito fechado, será transmitida pelos meios de comunicação social e chegará a Lisboa, é um discurso de Estado:
“Após 5 meses de observação, completada com muitas horas de meditação, creio ter adquirido consciência da real situação da Província. Estudados os problemas básicos respeitantes ao dispositivo de defesa da Província e ao desenvolvimento económico-social, imediatamente se evidenciou a necessidade de reforçar os meios de defesa e de procurar obter um substancial apoio financeiro. Desloquei-me a Lisboa para apresentar ao Governo Central, com todo o realismo, a situação efetiva da Província. Regressei a Bissau confortado com as adequadas e oportunas decisões tomadas pelo Governo Central. Além de um reforço efetivo de meios militares, que me permitem melhorar a estrutura de defesa das populações, foi concedido ao Governo da Província significativo apoio financeiro”.
E pronuncia-se sobre tais medidas e enfatiza o que prevê serem as melhores condições de vida de quem labuta na Guiné: conceção de um subsídio de custo de vida a todos os funcionários da Província; aumento para 100% na contagem de tempo de serviço a todos os funcionários em serviço na Província; aumento do salário mínimo dos trabalhadores pagos pelo orçamento da Província; revisão da tabela de salários mínimos; atribuição de um vencimento fixo aos régulos da Província; assegurar o fornecimento de energia elétrica a Bissau; construção e reapetrechamento da Imprensa Nacional; execução de um plano de melhoramentos públicos a desenvolver no interior da Província, abastecimento de água, saneamento, construção de residências para as autoridades tradicionais, criação de um fundo destinado a subsidiar a população suburbana de forma a permitir a melhoria das suas habitações. Iriam ser potenciados os recursos provenientes do III Plano de Fomento através de empreendimentos em curso ou a iniciar no ano seguinte: construção de estradas, prevendo-se que o asfalto chegasse a Nova Lamego e ao Pelundo, abertura da frente Mansabá-Farim, construção do Centro Materno Infantil e Maternidade de Bissau, etc., etc.
E concluía o governador dizendo que “Este substancial incremento dado ao desenvolvimento da província só foi possível devido à excecional compreensão do Governo Central em relação aos problemas da Guiné. Conto, para levar a cabo tão árdua e complexa missão, com a colaboração efetiva de todos os que trabalham em prol da causa pública, na esperança de que saibam corresponder – com austeridade de conduta e integral dedicação ao trabalho – ao esforço que o governo da Província continuará despendendo no sentido de construir uma Guiné melhor”.
O Conselho Legislativo voltará a reunir com pompa a circunstância sob a presidência de Marcello Caetano, em 14 de abril de 1969. Iremos ouvir o discurso de ambos, já estamos infinitamente longe daqueles tempos e que as reuniões decorriam numa estreita intimidade e onde estava ausente a representação da política.
(continua)
General Arnaldo Schulz
1 Escudo da Guiné, 1946
Chegada do Brigadeiro António de Spínola à Guiné, maio de 1968
Visita de António de Spínola ao Comando da Defesa Marítima da Guiné, junho de 1968
O porto de Bissau em 2021, imagem retirada de Mercados Africanos, com a devida vénia
____________Nota do editor:
Último poste da série de 8 DE FEVEREIRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24048: Historiografia da presença portuguesa em África (354): Actas do Conselho do Governo da Colónia/Província da Guiné: Uma fonte documental que não se deve ignorar (8) (Mário Beja Santos)
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