Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Geba > CART 1690 (1967/69) > O A. Marques Lopes em 1967, com duas beldades locais. Em 21 de Agosto de 1967, seria ferido com gravidade na estrada de Geba para Banjara na sequência da explosão de uma mina A/C e, uma semana depois, evacuado para o HMP, em Lisboa. Voltou ao CTIG , em Maio de 1968, para acabar a sua comissão, tendo sido colocado então CCAÇ 3, em Barro.
Fez ontem mais um aninho, já fizemos um oferenda ao irã do poilão da nossa tabanca para que ele o proteja e o ajude conservar-se entre nós por mais uns aninhos, pelo menos até aos 100, que é uma idade bonita para a gente arrumar as botas e... o computador (!) e fazer as pazes com o mundo.(*)
Homem da escrita, publicou com grande sucesso um livro notável com as suas memórias da juventude. Satisfaz-nos saber que já chegou ao Brasil: "Cabra-cega: do seminário para a guerra colonial", foi publicado em 2015, sob a chancela da Chiado Editora (hoje Chiado Books), e sob o pseudónimo João Gaspar Carrasqueira. Tem 582 pp., que se devoram num ápice.
Já lhe mandámos os parabéns e um abraço fraterno, com votos de melhoras: como muitos de nós, lá vai lidando com as suas mazelas (fez uma cirurgia ao estômago, de que está recuperar), mas garantiu-me, ao telefone, que tem ganas de chegar aos 100. Continua a trabalhar as suas memórias da Guiné, terra que o continua a fascinar.
A propósito corre-nos relembrar a história da professora de Samba Culo. O nosso amigo e camarada A. Marques Lopes, alf mil da CART 1690 (Geba, 1967/68) estava no sítio errado, em Samba Culo, em 7 de julho de 1967, uma sexta-feira. Tal como a jovem professora, da "barraca" de Samba Culo. que morreu nesse dia com uma rajada de G3.
(...) Na Op Inquietar II conseguiu-se o objectivo: a base de Samba Culo foi mesmo destruída... Mas há coisas que não vêm relatadas: diz o relator que "junto à base de patrulhas pelas 14h20, um grupo IN que seguia em coluna por um trilho, detectou as NT abrindo fogo e tendo ferido um soldado, pondo-se em fuga pela reacção das NT. Pelas 14h45 saiu um grupo de combate em patrulhamento ao longo do Rio Canjambari e regressou sem contacto".
2. Ontem também foi dia de fazer "prova de vida" (**)...O mesmo é dizer, de lembrar e de saudar o aniversariante, agora mais ausente do nosso blogye. Como ele faz sempre anos no Dia Internacional da Mulher, a 8 de março, também não podíamos deixar de evocar esta efeméride...
Com discrição, mas não sem emoção, temos falado aqui sobre o papel da mulher, na Guiné e na nossa terra, no tempo da guerra do ultramar / guerra colonial. Honra-nos a presença, na Tabanca Grande, de alguns dessas mulheres, camaradas, muito poucas, e companheiras e amigas, algumas mais.
Muito em particular, não podemos deixar de evocar o papel pioneiro das nossas camaradas enfermeiras paraquedistas, para quem temos sempre uma dívida de enorme gratidão. Na realidade, foram as as únicas camaradas de armas, no feminino, que tivemos. (Isto, sem esquecer as outras umlheres, "paisanas", que ficaram na nossa retaguarda e que nos apoiaram, de uma maneira ou de outra: mães, esposas, noivas, irmãs, amigas, namoradas, colegas, madrinhas de guerra e, por que não ?!, senhoras do Movimento Nacional Feminino).
Mas, no caso do inimigo de há meio século atrás, também não podemos deixar de lembrar aquelas que foram não só enfermeiras, como também professoras e até combatentes nas suas fileiras. Do lado do PAIGC, houve por certo mulheres que lutaram, mataram e morreram nesta guerra. Não sabemos quantas, não temos estatísticas,
A propósito corre-nos relembrar a história da professora de Samba Culo. O nosso amigo e camarada A. Marques Lopes, alf mil da CART 1690 (Geba, 1967/68) estava no sítio errado, em Samba Culo, em 7 de julho de 1967, uma sexta-feira. Tal como a jovem professora, da "barraca" de Samba Culo. que morreu nesse dia com uma rajada de G3.
Foi um duelo de morte, coisa que era raro acontecer naquela guerra de guerrilha e contraguerrilha. O A. Marques Lopes foi mais rápido a puxar pelo gatilho. Mas a morte da professora marcou-o, para o resto da vida, como ele nos confessou, aqui no blogue (***). E como transparece no seu livro de memórias, em que conta a história de vida do seu "alter ego", o António Aiveca. Essa pungente história de Samba Culo pode ser lida nas páginas 391 e ss. (os nomes são fictícios):
(...) Quando avançaram todos rapidamente, quase em corrifa, Aiveca e os seus entraram de rompante na barraca. Os do Lindolfo, do outrro lado, já tinham começado às rajadas. Viu logo que era uma escola. Uma rapariga que estava ao pé do quadro, tirava uma kalashnikov que estava lá pendurada . Levantou a mão esquerda ao alto para ninguém disparar.
- "Tá quieta! Firma lá!", gritou-lhe.
Mas ela não. Com a arma já empunhada meteu o dedo no gatilho. Disparou instintivamente. Ela caiu para trás e as balas da kalash furaram o capim do tecto.
Ficou extático de olhos esbugalhados fixados nela. A cabeça escaldava-lhe e o coração parecia querer soltar-se. Os soldados puseram-se à volta dela a observar e comentar. A sua rajada acertara-lhe na barriga e no peito. Era bonita e devia ter vinte e poucos anos.
(...) Veio a si quando ouviu a confusão ao lado. Os soldados à volta da rapariga morta, uns riam-se desabridamente, outros gritavam. Levantou-se e chegou-se a eles. O que viu quase lhe fez sair os olhos das órbitas. O Cosme estva em cima da rapariga puxando-lhe a saia para cima e com a mão já nas cuecas. Atirou-se a ele.
- "Eu dou cabo de ti, grande cabrão!" (...)
(...) (pp. 391/393).
Capa do livro "Cabra-cega: do seminário para a guerra colonial", de João Gaspar Carrasqueira (pseudónimo do nosso camarada A. Marques Lopes) (Lisboa, Chiado Editora, 2015, 582 pp. ISBN: 978-989-51-3510-3, Colecção: Bíos, Género: Biografia).
3. Trinta anos depois, em 2008, o A. Marques Lopes (cor inf ref, DFA) voltou lá, a Samba Culo, na margem esquerda do Rio Canjambari, no antigo regulado de Banjara, para fazer contas com os fantasmas do passado. E deixa-nos, em prosa poética, um texto que é revelador dos valores e princípios de um grande ser humano e de um militar português com sentido de honra e consciência moral.
Há muito que elegemos esta história como uma das melhores, já aqui publicadas, no nosso blogue. A maioria dos nossos leitores, mais recentes, não a conhece, nomeadamente nesta versão em prosa poética (***). Não voltamos a reproduzi-la, mas a título de prova de vida do seu autor, vamos recordar as circunstâncias em que decorreu o "duelo de morte" entre o A. Marques Lopes (que comandava um Gr Comb da CART 1690, no decurso da Op Inquietar II, 4-7 de julho de 1967) e a professora de Samba Culo.
(...) Na Op Inquietar II conseguiu-se o objectivo: a base de Samba Culo foi mesmo destruída... Mas há coisas que não vêm relatadas: diz o relator que "junto à base de patrulhas pelas 14h20, um grupo IN que seguia em coluna por um trilho, detectou as NT abrindo fogo e tendo ferido um soldado, pondo-se em fuga pela reacção das NT. Pelas 14h45 saiu um grupo de combate em patrulhamento ao longo do Rio Canjambari e regressou sem contacto".
Não foi assim. O que sucedeu foi o seguinte: o IN encostou-nos ao Rio Camjambari, não podendo nós cambá-lo, porque era muito fundo, nem podendo dali sair porque estávamos cercados. O comandante da operação disse-me:
- Ó Lopes, a minha companhia já está aqui instalada, por isso, você, que tem um grupo autónomo, vá ver se consegue furar o cerco.
E lá fui, não só uma mas duas vezes, sem sucesso. Na segunda vez, fiquei sob fogo cruzado do PAIGC e da companhia do comandante, tendo um soldado meu levado um tiro nas costas, dado pelos dos nossos.
Quando o comandante me disse, pela terceira vez, para tentar furar o cerco, disse-lhe que não ia. Que chamasse os T6, o que ele acabou por fazer, e foi assim que dali saímos. Mas o que mais me impressionou nesta operação foi o seguinte: Samba Culo tinha uma escola; quando lá chegámos, vi escrito no quadro preto, em perfeito português: "Um vaso de flores". Tinha desenhado, a giz, por baixo, um vaso de flores.
E o que nunca mais esquecerei na minha vida: quando atacámos a base, uma jovem dos seus 18 anos ficou com a barriga aberta por uma rajada de G3. E mais (coisas terríveis desta guerra!): o "Bigodes", o Armindo Correia Paulino (que foi, depois, feito prisioneiro pelo PAIGC e que acabou por morrer em Conacri), quis saltar para cima dela. Tive que lhe bater.
Quando o comandante me disse, pela terceira vez, para tentar furar o cerco, disse-lhe que não ia. Que chamasse os T6, o que ele acabou por fazer, e foi assim que dali saímos. Mas o que mais me impressionou nesta operação foi o seguinte: Samba Culo tinha uma escola; quando lá chegámos, vi escrito no quadro preto, em perfeito português: "Um vaso de flores". Tinha desenhado, a giz, por baixo, um vaso de flores.
E o que nunca mais esquecerei na minha vida: quando atacámos a base, uma jovem dos seus 18 anos ficou com a barriga aberta por uma rajada de G3. E mais (coisas terríveis desta guerra!): o "Bigodes", o Armindo Correia Paulino (que foi, depois, feito prisioneiro pelo PAIGC e que acabou por morrer em Conacri), quis saltar para cima dela. Tive que lhe bater.
Esta é uma situação que nunca me sai do pensamento... e da minha consciência. Tinham muitos livros em português, que era o que estavam a ensinar aos alunos (miúdos ou graúdos?). Trouxemos também (imaginem!) uns paramentos completos de um padre católico! Lembranças que se me pegaram para toda a vida. (...) (****)
[Seleção / Revisão e fixação de texto / Itálicos / Negritos: LG]
Guiné > Região do Oio > Carta de Farim (1954) (Escala 1/50 mil) > Detalhe > Posição relativa de Samba Culo, na margem esquerda do Rio Canjambari, a sudoeste de Canjambari, afluente do rio Farim, e aonde havia, em 1967, uma "barraca" do PAIGC, com uma escola.
Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2023)
____________
Notas do editor:
(*) Vd. poste de 8 de março de 2023 > Guiné 61/74 - P24127: Parabéns a você (2150): Cor Art DFA Ref António Marques Lopes, ex-Alf Mil Art da CART 1690/BART 1914 (Geba, Banjara e Cantacunda, 1967/69)
(**) Último poste a série > 15 de novembro de 2022 > Guiné 61/74 - P23785: Prova de vida (6): Nem todos os balantas eram... "turras" (Manuel Joaquim, ex-fur mil arm pes inf, CCAÇ 1419, Bissau, Bissorã e Mansabá, 1965/67)
(***) Vd,. postes de:
8 de março de 2013 > Guiné 63/74 - P11215: Blogpoesia (327): In Memoriam: A professora de Samba Culo, morta em 7/7/1967, de Kalash na mão (A. Marques Lopes)
29 de novembro de 2005 > Guiné 63/74 - P301: A professora de Samba Culo (A. Marques Lopes)
(****) Vd. poste de 7 de junho de 2005 > Guiné 63/74 - P49: Samba Culo II (Marques Lopes)
5 comentários:
Um caso de necrofilia,o comportamento do "Cosme" da história de Samba Culo ?
Necrofilia (do grego νεκρός [nekrós], "morto", "cadáver", e φιλία [filía], "amor") é uma parafilia caracterizada pela excitação sexual decorrente da visão ou do contato com um cadáver. O termo foi criado pelo médico belga Joseph Guislain, em 1850.(...) A motivação mais comum para a necrofilia é a posse de um parceiro que não oferece resistência nem rejeição.(...)
https://pt.wikipedia.org/wiki/Necrofilia
Parafilia (do grego παρά, para, "fora de",e φιλία, philia, "amor") é um padrão de comportamento sexual no qual, em geral, a fonte predominante de prazer não se encontra na cópula, mas em alguma outra atividade. São considerados também parafilias os padrões de comportamento em que o desvio se dá não no ato, mas no objeto do desejo sexual, ou seja, no tipo de parceiro.
Em determinadas situações, o comportamento sexual parafílico pode ser considerado perversão ou anormalidade.
As parafilias podem ser consideradas inofensivas e, de acordo com algumas teorias psicológicas, são parte integral da psiquê normal — salvo quando estão dirigidas a um objeto potencialmente perigoso, danoso para o sujeito ou para outros (trazendo prejuízos para a saúde ou segurança, por exemplo), ou quando impedem o funcionamento sexual normal, sendo classificadas como distorções da preferência sexual na CID-10 na classe F65.(...)
https://pt.wikipedia.org/wiki/Parafilia
Temos que ouvir os "psis"... sobre o assunto (LG)
MANUAL MSD - Versão Saúde para a Família
https://www.msdmanuals.com/pt-pt/casa/
Considerações gerais sobre parafilias e transtornos parafílicos
Por George R. Brown , MD, East Tennessee State University
Avaliação/revisão completa abr 2021
Parafilias são fantasias ou comportamentos frequentes, intensos e sexualmente estimulantes que envolvem objetos inanimados, crianças ou adultos sem consentimento, ou o sofrimento ou humilhação de si próprio ou do parceiro. Transtornos parafílicos são parafilias que causam angústia ou problemas com o desempenho de funções da pessoa com parafilia ou que prejudicam ou podem prejudicar outra pessoa.
Existem muitas parafilias. O foco da parafilia pode ser uma variedade de objetos, situações, animais ou pessoas (como crianças ou adultos que não deram consentimento). A excitação sexual pode depender do uso ou presença desse foco. Quando se estabelecem estes padrões de excitação, habitualmente no final da infância ou perto da puberdade, eles tendem a durar por toda a vida.
É frequente algum grau de variação nas relações sexuais e nas fantasias de adultos saudáveis. Quando as pessoas concordam mutuamente em praticá-los, os comportamentos sexuais pouco habituais que não causam prejuízo podem integrar uma relação amorosa e carinhosa. No entanto, quando os comportamentos sexuais causam angústia ou são prejudiciais ou interferem com a capacidade da pessoa de desempenhar funções em atividades rotineiras, eles são considerados um transtorno parafílico. A angústia pode resultar das reações de outras pessoas ou da culpa da pessoa por fazer algo socialmente inaceitável.
Os transtornos parafílicos podem comprometer seriamente a capacidade de atividade sexual afetuosa e recíproca. Os parceiros das pessoas com um transtorno parafílico podem sentir-se como um objeto ou como se fossem elementos sem importância ou desnecessários na relação sexual.(...)
https://www.msdmanuals.com/pt-pt/casa/dist%C3%BArbios-de-sa%C3%BAde-mental/parafilias-e-transtornos-paraf%C3%ADlicos/considera%C3%A7%C3%B5es-gerais-sobre-parafilias-e-transtornos-paraf%C3%ADlicos
"Duelos de morte"... Contam-se pelos dedos as situações aqui descritas, no nosso blogue, em que dois combatentes, um de cada lado, se encontraram, armados, frente a frente... Naquela guerra, era uma situação muito pouco frequente... A não ser em golpes de mão, operações helitransportadas, emboscadas no mato...
Recorde-se uma outra situação de "duelo de morte":
25 DE MAIO DE 2022
Guiné 61/74 - P23291: Efemérides (368): 25 de maio de 1972, há 50 anos: o duelo fatal na Ponta Varela, Xime, em que o apontador da HK 21, da CCAÇ 12, Braima Sané, matou em combate o Mário Mendes, comandante de bigrupo do PAIGC, pelo que foi louvado pelo CAOP2, ele, a sua equipa e o seu comandante de secção, o fur mil José Domingues, natural de Águeda (António Duarte / Luis Graça)
https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/2022/05/guine-6174-p23250-efemerides-368-25-de.html
Outra situção de me lembro, a do roqueteiro Malan Mané apanhado pelos páras:
8 DE SETEMBRO DE 2010
Guiné 63/74 - P6953: Estórias avulsas (41): A captura do incaracterístico guerrilheiro Malan Mané, no decurso da Op Nada Consta (Salvador Nogueira)
https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/2010/09/guine-6374-p6953-estorias-avulsas-94.html
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