1. Continuação da publicação das memórias do Amadu Djaló (Bafatá, 1940-Lisboa, 2015), a partir do manuscrito, digitalizado, do seu livro "Guineense, Comando, Português: I Volume: Comandos Africanos, 1964 - 1974" (Lisboa, Associação de Comandos, 2010, 229 pp, + fotos, edição esgotada) (*).
O nosso camarada e amigo Virgínio Briote, o editor literário ou "copydesk" desta obra, facultou-nos uma cópia digital. O Amadu Djaló, membro da Tabanca Grande, desde 2010, tem mais de nove dezenas de referências no nosso blogue. Tinha um 2º volume em preparação, que a doença e a morte não lhe permitaram ultimar.
O autor, em Bafatá, sua terra natal, por volta de meados de 1966. (Foto reproduzida no livro, na pág. 149) |
(i) o autor, nascido em Bafatá, de pais oriundos da Guiné-Conacri, começou a recruta, como voluntário, em 4 de janeiro de 1962, no Centro de Instrução Militar (CIM) de Bolama;
(ii) esteve depois no CICA/BAC, em Bissau, onde tirou a especialidade de soldado condutor autorrodas;
(iv) regressou entretanto à CCS/QG, e alistou-se no Gr Cmds "Os Fantasmas", comandado pelo alf mil 'cmd' Maurício Saraiva, de outubro de 1964 a maio de 1965;
(v) em junho de 1965, fez a escola de cabos em Bissau, foi promovido a 1º cabo condutor, em 2 de janeiro de 1966;
(vi) voltou aos Comandos do CTIG, integrando-se desta vez no Gr Cmds "Os Centuriões", do alf mil 'cmd' Luís Rainha e do 1º cabo 'cmd' Júlio Costa Abreu (que vive atualmente em Amesterdão);
(vii) depois da última saída do Grupo, Op Virgínia, 24/25 de abril de 1966, na fronteira do Senegal, Amadu foi transferido, a seu pedido, por razões familitares, para Bafatá, sua terra natal, para o BCAV 757;
(viii) ficou em Bafatá até final de 1969, altura em que foi selecionado para integrar a 1ª CCmds Africanos, que será comandada pelo seu amigo João Bacar Djaló (Cacine, Catió, 1929 - Tite, 1971)
(ix) depois da formação da companhia (que terminou em meados de 1970), o Amadu Djaló, com 30 anos, integra uma das unidades de elite do CTIG; a 1ª CCmds Africanos, em julho, vai para a região de Gabu, Bajocunda e Pirada, fazendo incursões no Senegal e em setembro anda por Paunca: aqui ouve as previsões agoirentas de um adivinho;
(x) em finais de outubro de 1970, começam os preparativos da invasão anfíbia de Conacri (Op Mar Verde, 22 de novembro de 1970), na qual ele participaçou, com toda 1ª CCmds, sob o comando do cap graduado comando João Bacar Jaló (pp. 168-183);
(xi) a narrativa é retomada depois do regresso de Conacri, por pouco tempo, a Fá Mandinga, em dezembro de 1970; a companhia é destacada para Cacine [3 pelotões para reforço temporário das guarnições de Gandembel e Guileje, entre dez 1970 e jan 1971]; Amadu Djaló estava de licença de casamento (15 dias), para logo a seguir ser ferido em Jababá Biafada, sector de Tite, em fevereiro de 1971;
(xii) supersticioso, ouve a "profecia" de um velho adivinho que tem "um recado de Deus (...) para dar ao capitão João Bacar Jaló"; este sonha com a sua própria morte, que vai ocorrer no sector de Tite, perto da tabanca de Jufá, em 16 de abril de 1971 (versão contada ao autor pelo soldado 'comando' Abdulai Djaló Cula, texto em itálico no livro, pp.192-195) ,
(xiii) é entretanto transferido para a 2ª CCmds Africanos, agora em formação; 1ª fase de instrução, em Fá Mandinga , sector L1, de 24 de abril a fins de julho de 1971.
(xiv) o final da instrução realizou.se no subsector do Xitole, regulado do Corunal, cim uma incursão ao mítico Galo Corubal.
(xv) com a 2ª CCmds, comandada por Zacarias Saiegh, participa, em outubro e novembro de 1971, participa em duas acções, uma na zona de Bissum Naga e outra na área de Farim;
Morreu em combate o Braima Djaló, da 3ª C/BCmds, meu irmão
O Braima,
meu irmão mais novo, frequentou o curso de comandos de 1972, em Fá Mandinga.
Estivemos
juntos nos Comandos, quase perto de um ano. Uma vez, íamos efetuar um assalto
com helicópteros a oeste de Madina do Boé. O assalto era para ser desencadeado
depois do bombardeamento da aviação. Quando era assim, tínhamos que sair dos
helicópteros com o dedo no gatilho.
Calhou o meu
irmão ir no meu grupo e, quando chegámos à BA 12, em Bissalanca eu só tinha olhos para o meu irmão. Cada vez
que levantava a cara só o via a ele. Então, pedi ao capitão Folques para mandar
o meu irmão para outro grupo, para que ele fosse numa situação menos perigosa.
O capitão aceitou o pedido e trocou-o.
Realizámos o
assalto, sem problemas do nosso lado. O bombardeamento causou vítimas ao PAIGC,
apoderámo-nos de vários materiais e regressámos a Bissau, de helicóptero
também.
Depois, em 5 de junho de 1973, eu e mais oito oficiais fomos transferidos para a CCaç 21. A nossa companhia ficou com sede em Bambadinca e passámos a atuar na zona leste.
Em setembro
estávamos em Piche. A coluna regressava nesse dia, vinha trazer géneros. Eu
estava sentado no posto da administração, a conversar com os funcionários,
quando chegou um soldado europeu.
- Meu
alferes, o nosso tenente-coronel
mandou-o chamar.
No caminho,
o militar perguntou-me se eu tinha algum irmão nos Comandos. Sim, tenho,
respondi.
- Morreu!
Mas o meu alferes não diga nada ao nosso tenente-coronel.
Fiquei sem
ter nada para dizer. Quando cheguei, à sala de operações, o tenente-coronel (##) disse-me:
- Djaló, o
teu irmão morreu (#). A coluna já partiu para Bambadinca, mas tens aí uma viatura
para te levar e depois a viatura regressa com a coluna.
Não esperei
mais nada. Tomei o lugar no carro, rumo a Bafatá.
Quando
cheguei a minha casa, encontrei lá muita gente. O condutor parou, dei-lhe
dinheiro para almoçar no restaurante, e disse-lhe que aguardasse, ao pé da
estrada, pela coluna de regresso.
O meu irmão,
Braima Djaló, morreu na Caboiana, numa operação da 3ª Companhia de Comandos.
Nesse dia perdi o meu irmão mais amigo.
Um tio meu
disse-me que eu já tinha mais de onze anos de serviço militar. Que, com a morte
do meu irmão, a família achava que eu devia deixar a tropa ou então deixar de
ser operacional. Insistiram muito, tanto que eu contactei o major Folques
quando me desloquei a Bissau para recolher a bagagem do meu irmão. Coloquei-lhe
a questão, ele ouviu-me atentamente e respondeu-me:
- Na próxima
4ª feira vamos encontrar-nos no CAOP do Gabu, CAOP2, e vamos falar com o nosso
coronel.
Na 4ª feira
seguinte aluguei uma carrinha em Bafatá para transportar a minha mãe e
desloquei-me na minha motorizada. Mas o major não apareceu. O coronel ainda me
disse para aguardar, mas soubemos que o major Folques estava impossibilitado de
sair de Bissau.
O coronel
perguntou-me de que assunto se tratava. E eu disse-lhe qual era. Perguntou-me
se eu, deixando de ser operacional, concordava em ser desgraduado para 1.º sargento.
Uma proposta
injusta, foi o que lhe respondi. Há onze anos, praticamente seguidos, sempre a
percorrer o território e vir agora ser tratado assim numa secretaria do Gabu!
Acabei por
lhe dizer, sabe Deus como, que concordava e perguntei-lhe se também podia sair
da tropa e passar à disponibilidade.
-
E, se passares à disponibilidade, como é
que vais viver?
- Há muita
gente que está a viver e nunca foi tropa - foi assim que respondi.
- Onde vais
viver?
- Meu
coronel, já cumpri serviço durante mais de onze anos! Posso viver em qualquer
parte do mundo.
- Mas como?
Para onde?
As perguntas
não acabavam e as minhas respostas eram sempre as mesmas, tinha cumprido muito
mais que a minha obrigação e se quisesse sair podia ir ou ficar no lugar que eu
encontrar-se para viver, Bafatá, Senegal, Gâmbia, Guiné-Conacri.
- Está bem,
a gente vai tratar disso - rematou.
Quinze dias
depois, um soldado de Bambadinca veio à minha procura dizendo que um tenente
responsável pelas informações do batalhão de Bambadinca queria falar comigo.
Era meu
conhecido e encontrei-o num gabinete do batalhão, com um placard na porta
“informações”. Passou-me o meu processo para as mãos e pediu-me para ir para
junto da janela, abrir bem os olhos e só depois assinar.
Era um dossiê.
Li apenas a primeira página.
- Eu, meu tenente, não assino este documento. Quem vai tratar deste assunto vai ser o major Folques, que é o meu comandante.
_____________
Nota do editor LG:
(#) Tenho indicação que a morte em combate terá ocorrido nesta acção:
Ver. CECA (2015):
Acção - 24 a 27Set73
As 1ªe 3ª/BCmds da Guiné levaram a efeito missões de patrulhamento e montagem de emboscadas na região de Caboiana, 06. Na área de S. Domingos, as NT sofreram 3 mortos, 5 feridos e 6 desaparecidos em vários contactos pelo fogo. O inimigo sofreu 1 morto e outras baixas prováveis.
8 comentários:
Grande dignidade, a do Amadu, ao responder ao tenente-coronel de Piche que havia mais vida para além da tropa e da guerra...
Caros amigos,
O mais que triste depoimento do soldado CMD Amadu Bailo Djaló sobre as desrespeitosas palavras e indecentes propostas do Tenente Coronel do Batalhão de Gabu, apetece-me dizer que havia soldados guineenses que lutavam do lado do exército português que, por muitas e variadas razões, deveriam lutar d'outro lado e,talvez, muitos que se encontravam d'outro lado, deveriam lutar do lado português, pelo menos aqueles que conspiraram para matar o seu líder, ACabral. Os últimos anos do Amadu Djaló devem ser de uma grande amargura e de arrependimento. Mas, a verdade seja dita, quem é que não está de entre os antigos combatentes que levante os braços!
Cordialmente,
Cherno Baldé
"...havia mais vida para além da tropa e da guerra..."
Isso é verdade, mas naqueles tempos não sei não, devido à guerra e principal emprego era ser tropa.
Valdemar Queiroz
Esta operação à Caboiana terá ocorrido a 24 de Setembro de 1973, data histórica para o PAIGC e que também não esqueço: nesse dia vim de férias, depois de nos 6 messes anteriores, ter patrulhado as matas da região do Churo, entre o rio Costa (península do Balanguerez) e o rio Caboi, a norte do Burné e próximo Ponta Costa, junto da Caboiana, com o tarrafo a separar as matas.
Esta operação terá sido a primeira e a última, naquela mata e Base do PAIGC, ocorrida no ano de 1973. Consta que a esse tempo, a dotação dos efetivos dessa Base IN, era de 4 bi-grupos de infantaria, 1 bi-grupo de fuzileiros e 2 baterias de artilharia.
Bem testemunhei a atividade da guerrilha do lado de lá do tarrafo, quando patrulhava junto a Burné, ouvindo os tiros, que mais me pareciam de instrução em carreira de tiro. Um dia, em que aí estávamos instalados, enquanto do Bachil era disparado o obús para a Caboiana, ouvi de perto uma rajada, talvez para denunciarmos a nossa presença, o que não aconteceu. Saímos dali sem dar um tiro.
Ainda não compreendi, porque o Com.Chefe permitia a existência daquela Base IN, naquela mata do interior, rodeada de tarrafo e rios, confrontando a norte com o rio Cacheu.
Com tanta tropa ao redor, parecia-me que seria possível a sua extinção ou impedimento do seu abastecimento de armamento, víveres e deslocações.
Um dia, talvez em finais de Agosto ou já em Setembro, num dos patrulhamentos de reconhecimento ofensivo, vim a encontrar junto ao rio Caboi, próximo de Ponta Costa, camuflado debaixo de uma grande e frondosa árvore, o que seria um local de pernoita dos guerrilheiros, equipado com beliches feitos com paus, e esteiras como colchões. Na beira dos rio, existia uma pequena árvore inclinada para o seu leito, que servia de ancoradouro das canoas.Estava bem visível no tronco, as marcas das cordas de ancoragem.
Penso hoje, que esse local servia de porto, para o movimento fluvial, entre a Caboiana e o Senegal, via rio pequeno de S.Domingos, travessia do rio Cacheu, e entrada no rio Caboi, até aí.
E o Cacheu ali tão perto e com um Destacamento de Fuzileiros Navais, sem nada verem, sem nada impedirem.
Segundo informação de um irmão de Zacarias Saiegh, também ele Comando na Guiné, a residir em Portugal, nessa operação de 30 de setembro de 1973, terão morrido, além do Braima Djaló, entre outros, o Furriel Quintino Rodrigues. vário feridos não mencionados e o aprisionamento de vários elementos dos Comandos, entre eles o Comandante da 3@ Companhia, Tenente António Jaiba Gomes, os Cabos Albino Tuna, Eusébio Fodé Bamba, entre outros.
Não compreendo como foi preparada esta operação, pelas trágicas consequências! O que se esperava em Bissau? Que a base da Caboiana estivesse desativada ou sem capacidade de defesa?
Desnorte dos senhores de Bissau, que não conheciam a realidade mato... Pai Natal.
Não terá sido por acaso que o PAIGC escolheu no dia 24 de setembro de 1973 para declarare "urbi et orbe" a independência unilateral da Guiné Bissau... Uma jogada de mestre, aproveitando o "vazio de poder" em Bissau. Não foi decidido de véspera, com toda a certeza. Espanta é que as "secretas" não tenham sa bidonville de nada... Mas pelo seguro, e ainda na época das chuvas (em que a região do Boé é intransitavel), a cerimónia terá sido feita na "fronteira" para "sueco ver" (foram eles, os suecos, que pagaram a boda e fizeram o único filme de que há registo..).
No penúltimo parágrafo do meu comentário supra, a data da operação em 30 de 1973, está errada. Como escrevi no primeiro parágrafo, a operação ocorreu em 24 de setembro de 1973.
Nem sei o que me levou ao lapso de escrever o dia 30. Talvez por ter sido esse o dia do meu casamento, 6 dias após ter vindo de férias. Uma data tantas vezes repetida me induziu no erro de escrita. As minhas desculpas.
Abraços natalícios
JLFernandes
O coronel não era operacional, como aliás a maioria dos quadros permanentes do exército.
Comandavam operações a partir dum PVC, isto antes dos Strella, enquanto os milicianos largavam a pele no terreno.
Pergunto eu!!
Alguém terá sugerido ao senhor, a sua despromoção a uma patente inferior por esse facto?
Boas festas e abraço fraterno
Eduardo Estrela
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