quarta-feira, 24 de janeiro de 2024

Guiné 61/74 - P25104: Casos: a verdade sobre... (42): O "making of" do livro do Amadu Djaló (1940 - 2015), "Guineense. Comando, Português" (Lisboa, Associação de Comandos, 2010, 229 pp, il.) (Virgínio Briote)



Leiria > Monte Real > Ortigosa > Quinta do Paul > IV Encontro Nacional da Tabanca Grande > 20 de Junho de 2009 > Em primeiro plano, o Virgínio Briote e o Amadu Djaló, um e outro muito acarinhados por todos. Não sei o que é o que Virgínio, um homem sábio, europeu, estava a pensar, mas possivelmente estava a organizar a sua resposta à questão, pertinente, levantada pelo Amadúnico,    outro homem sábio, africano: 

"Os portugueses, a alguns povos, deram-lhes novos nomes e apelidos, livros para estudar e consideraram-nos civilizados. Desta civilização não precisávamos, mas faltava-nos a cultura, porque a cultura, de onde sai não acaba e de onde entra não enche. E no nosso Alcorão está tudo, moral, comportamento cívico e civilização e nós não precisávamos de ser civilizados, o que nos faltava era escola para aumentar os nossos conhecimentos"...




Projecto de capa do livro do Amadu Djaló, membro da nossa Tabanca Grande, já entretanto alterado... Finalmente, e depois de um longo calvário, chegam ao fim os árduos trabalhos do "making of"  do livro, da história de vida do Amadu que teve, no Virgínio Briote, mais do que 'copy desk', um editor literário, um amigo, um camarada, um confidente, um cúmplice, um advogado de defesa, um verdadeiro defensor dos seus interesses, editoriais, morais  e materiais. (...Na edição do 1º volume, que esteve cargo da Associação de Comandos, estava-se então, em fevereiro de 2010,  na fase final de revisão de provas tipográficas. O Virgínio referiu nessa altura a excelente colaboração de dois camaradas nossos, o Carlos Silva e o Manuel Lema Santos. (...)  (LG) (*)


Lisboa >  Museu Militar >  15 de Abril de 2010 > Lançamento do livro do Amadú Bailo Djaló,  membro da nossa Tabanca Grande, "Comando, Guineense, Português" (Lisboa: Associação dos Comandos, 2010, 229 pp., 150 fotos, preço de capa: 25 €). 

O Amadu e a seu lado a filha (e o neto, que não se vê na foto)...  Foi pena que, entretanto,  não tenha saído em vida o 2º volume, com as aventuras e desvanturas do autor, a seguir à independência do seu pais. Vivia então em Portugal, na Amadora. Acabou a sua carreira militar como alf comando graduado, na CCAÇ 21, comandada pelo ten cmd grad Jamanca, um dos primeiros camaradas guineenses a ser fuzilado pelo PAIGC.


Lisboa > Museu Militar > 15 de Abril de 2010 > Lançamento do livro do Amadu Bailo Djaló, membro da nossa Tabanca Grande, aqui na foto com o presidente da Associação de Comandos, dr. José Lobo do Amaral... 

Nas suas palavras de abertura, Lobo do Amaral  fez questão de, em nome da associação,  agradecer "ao sócio comando Virgínio António Moreira da Silva Briote a disponibilidade, competência e dedicação com que acompanhou esta Memória, sem a qual não teria sido poossível esta edição"... 

No final, também nos agradeceu a divulgação dada pelo nosso blogue e manifestou o seu regozijo pela entusiasmo com que foi recebida o 1º volume das memórias do Amadu bem pelo pluralismo das abordagens dos oradores.

Fotos (e legendas): © Luis Graça (2010). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].


1. Comentário de Virgínio Briote ao poste P25087 (**):

O Amadu depois do fim do Gr Cmds  "Fantasmas",  do Maurício  Saraiva, voltou para o QG e foi o Luís Rainha que, sentindo que o seu grupo tinha poucos guineenses experientes, o foi lá buscar e trouxe também o Kassimo. 

O Amadu distinguia-se pelas maturidade e pelo bom senso na análise das situações.

Quando o reencontrei em Lisboa, aí por 2005 (o meu anos da reforma), falou-me das recordações que tinha da sua Guiné, da sua família. Pouco tempo depois o Presidente da Assocaição de Comandos  telefonou-me, convidando-me a visitar as instalações na Duque d'Ávila. 

No contacto que tivemos pediu-me um artigo sobre os Gr Cmds do CTIG dos anos 1965/66. Foi pouco depois da publicação do artigo que me voltou a telefonar para novo encontro na Associação. E foi nesse encontro que me falou dos dois maços de folhas A4, que eram uma espécie de diário do Amadu Jaló. 

E depois, foi a leitura ou tentativa de leitura porque havia muitas partes ilegíveis para mim, o reencontro com o Amadú, a visita a casa dele, e o programa que estabelecemos para o esboço do livro. 

Seguiu-se o trabalho, encontros em minha casa, almoçávamos juntos, esclarecíamos dúvidas e andávamos para a frente. Ele fazia questão do livro ser "exactamente" o que tinha escrito, sem nenhum desvio. Foi um trabalho muito longo, por vezes ele adoecia ou tinha alguém em casa doente ou visita da Guiné, o que fez com que dessemos o trabalho pronto para entrega, quase um anos depois. 

O que se passou depois foram divergências, talvez o acordo entre as partes não tenha ficado bem claro, o que levou o Amadú a ficar um tanto queixoso da Associação de Comandos..

Amadu Djaló
Ficou no meu espírito a ideia que era um Homem. Adorava a sua Família e a sua Guiné. E estava numa fase de grande tristeza pela falta de rumo da vida política na sua Terra. Nos últimos meses da sua vida as dificuldades respiratórias acentuaram-se. Levei-o várias vezes ao Hospital Amadora-Sintra, deram-lhe alta e não havia ninguém para o ir buscar. Era inverno, peguei no sobretudo e fui buscá-lo ao hospital para o levar para casa. Não tinha roupa, deixei-o ficar em casa bem agasalhado.

Tempos depois foi novamente internado no Hospital de Belém e lá encontrei o cor Raul Folques em visita a um familiar muito chegado e lhe disse que ia visitar o Amadú. 

Vários episódios se repetiram até que ele queria escrever outro livro, eu disse-lhe que não contasse com a minha ajuda por motivos facilmente compreensíveis.  Ofereceu-me um molhe de folhas A4 e disse para eu fazer o que quisesse com elas. Morreu dias depois e, conforme nos tinha pedido, queria ser enterrado em Bafatá junto aos Pais.

Para finalizar este comentário que já vai longo, o Amadu Djaló, amava a sua Família, a Guiné e Portugal.
V Briote

Nota: este comentário vai sem revisão. Desculpem.


2. Comentário adicional de Joaquim Luis Fernandes ao poste P25087 (**)

Não sei porquê, mas ao acabar de ler o comentário do camarada Virgínio Briote, fui acometido por um sentimento de profunda dor, que me arrasou os olhos de água.

A dor e os dramas que a guerra tece! Quem nela andou e sofreu jamais os esquece.

Para o Amadu Djaló que partiu, que descanse em paz. Para todos nós ainda vivos, que não nos falte a paz.

Que saibamos optar sempre pela concórdia e pela paz E a exemplo dos Maiores, amar a Família e a Pátria Mesmo sentindo que algumas vezes nos é ingrata.

Abraços Fraternos
JLFernandes


3. Em complemento deste importante esclarecimento feito pelo Virgínio Briote, e que editamos na série "Casos: a verdade sobre..." (***): comentário do editor LG ao blogue criado em dezembro de 2010 pelo filho do Amadu Djaló, que vivia em Londres, Idriça Djaló, e que infelizmente não teve continuidade, embora ainda se mantenha "on line" (****)


Meu camarigo (camarada e amigo) Amadu:

Soube pelo teu mano Briote que estavas agora em Londres, ao pé dos teus filhos. Nós estamos bem onde estão os nossos entes queridos. Desejo-te boa estadia e boa saúde. Esse clima não é o melhor para os teus problemas respiratórios. 

Em contrapartida, tens o carinho e o amor da tua família. Na vida nunca temos tudo. Sei também do teu desejo de ainda voltar à tua terra, à nossa querida Guiné. Vamos manter acesa a chama da esperança. Isso vai concretizar-se, esse teu sonho. 

Até lá ficamos também a aguardar a publicação do teu 2º livro de memórias. É importante que o completes. Confia no Briote, que tem sido mais do que teu amigo e irmão. E confia em nós, os membros do blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, onde tens muita gente que te estima, admira e leu o livro. (...) . 

Parabéns por este blogue que te abriu o teu filho Adriça. Mas é preciso alimentá-lo... Prometemos vir cá de vez em quando... 

Um Alfa Bravo (ABraço). Mantenhas para toda a família. Luís Graça
 
______________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 25 de fevereiro de  2010 > Guiné 63/74 - P5883: Biliografia de uma guerra (55): Lançamento, previsto para fins de Março, do livro do Amadu Djaló, Guineense, Comando, Português: 1º Volume: Comandos Africanos, 1964-1974 (Virgínio Briote)


(***) Último poste desta série > 17 de janeiro de 2024 > Guiné 61/74 - P25079: Casos: a verdade sobre... (41): "Canquelifá era o seu nome" - Uma batalha de há 50 anos (José Peixoto, ex-1º cabo radiotelegrafista, CCAÇ 3545 / BCAÇ 3883, 1972/74) - IV (e última) Parte: O nosso batismo de fogo, na bolanha do Macaco-Cão, em 29 de agosto de 1973

(****) Vd. poste de 6 de dezembro de  2010 > Guiné 63/74 - P7391: Blogues da nossa blogosfera (40): Amadu Bailo Djaló, agora em Londres: Guineense, Comando, Português (Idriça Djaló)

5 comentários:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Tenho ideia, das conversas com o Virginio na época, que o Amadu tinha expectativas mais altas relativamente ao "bolo" dos direitos de autor...

Não sei o que foi acordado com o editor, a Associação de Comandos. Ele a mim disse-me (se bem me lembro) que recebia 2 euros por cada livro vendido. O preço de capa era de 25 euros. Desconheço a tiragem: mil exemplares?

Dois mil euros (que poderá ter recebido, ilíquidos...) não resolviam os seus problemas de pobreza, solidão e abandono...

Julgo que não tinha direito a nenhuma pensão como "antigo combatente"...como de resto todos os demais, a não os DFA...

A história de abandono (institucional) do Amadu e dos outros antigos combatentes guineenses envergonham os sucessivos portugueses do pós-25 de Abril.

E todos nós assobiámos para o lado... Mas é facto que temos de assumir e integrar na nossa História.

Que não venham agora as virgens púdicas desfraldar a bandeira da demagogia, do populismo e do revanchismo... Ainda não usavam fraldas quando um milhão de combatentes andavam, por teatros de operações de África, a dar o seu melhor, uns a vida, muitos outros a saúde e a juventude...Por favor, "não se colem"!...

Joaquim Luis Fernandes disse...

A situação de pobreza, de solidão e abandono em que caiu o camarada Amadu Djaló, comum a tantos outros, deveria envergonhar-nos a todos e não só aos sucessivos governos.

O que fizeram as várias Associações, que deveriam zelar para que isto não acontecesse?
O que diz sobre o assunto a Associação de Comandos?
E a Associação 25 de Abril, não se sente incomodada por este caso e outros similares?

Será que não há mesmo mais nada a fazer de forma coletiva e organizada?

Haja consciência e compaixão.
JLFernandes

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Joaquim, não posso estar mais de acordo... As "nossas associações", as que representam os "veteranos", os "antigos combatentes", todos nós, afinal, também devíamos ter sido mais proativos, no devido tempo... Hoje é tarde demais para o Amadu Djaló, para os outros guinenses que foram perseguidos e assassinados, para os meus soldados que já morreram, de miséria, solidão, abandono, etc.

Cherno Baldé disse...

Caros amigos,

Sim, "pobreza, solidão e abandono" e podemos ainda acrescentar "amargura e sofrimento" que são as suas consequências lógicas. Porque não ?!...

Não devemos ter medo das palavras que se impõem e se justificam, acho eu. E, no livro do Amadu Bailo Djaló, co-editado por V. Briote, dois homens grandes em fim de caminhada nessa picada da vida, cultos e resignados a sua sorte e destinos, pode-se pressentir, apenas e mansamente em algumas palavras, os sussurros em jeito de protestos e lamentos implícitos, mas que nunca são apresentados como tais.

Todavia, o Amadu Djaló e todos que serviram um certo Portugal e em idênticas condições, surpreendidos pela imprevisibilidade do curso da história, só se podem queixar a si mesmos, porque não foram capazes de precaver e preparar-se para o futuro.

Isto, porque o africano tradicional do século XX, preso nas malhas do colonialismo e suas taras, assemelhava-se a um cão, rafeiro, seguidor fiel o quanto baste, mas incapaz de vislumbrar, no horizonte mais próximo, as ameaças e desafios que teria que enfrentar no futuro. Nenhum deles estava preparado e, certamente, ninguém os preparou para um cenário de desfecho menos favorável no conflito que se prolongava e prolongava ad infinitum. Eram simples máquinas de fazer guerra, matar e morrer.

Hoje, no século XXI, em ambientes de guerras e de paz relativa, a situação mudou um pouco, apenas um pouco, porque, infelizmente, as forças do mal ainda continuam a prevalecer no nosso mundo e não há lugar para a paz e compaixão que almejamos.

Se alguém me perguntar, eu direi sim que ele morreu velho, mas amargurado e com muito sofrimento na sua alma.

Muito cordialmente,

Cherno Baldé


João Carlos Abreu dos Santos disse...

... inconfidências...
Em 04Jul-04Out2009 prestei desinteressadamente o meu modesto contributo destinado à rigorosa consolidação historiográfica das memórias do saudoso Amadu Bailo Djaló, às quais tive então privilegiado acesso em formato *.doc, por especial deferência do nosso amigo cmd Virgínio António Moreira da Silva Briote que, a meu pedido, me as cedeu, sob condição de a minha pessoa ser omitida na edição final, gesto que agradeci, porquanto em causa estava - e está! - o autor.
Quando da apresentação pública da obra, tive grato ensejo de o conhecer e cumprimentar.
Honra e Glória, ao Amadu Bailo Djaló (10Nov1940-15Fev2015).