O Fur Mil Enf António Carvalho em Mampatá
1. Em mensagem do dia 20 de Fevereiro de 2024, o nosso camarada António Carvalho (ex-Fur Mil Enfermeiro da CART 6250/72, (Mampatá, 1972/74), conta-nos a estória de um furriel enfermeiro que não quis ser vagomestre substituto:
O Enfermestre
Havia quartéis onde se comia melhor, noutros pior ou muito pior, mas todos os militares recebiam o mesmo para a alimentação, pelo que é óbvio poder-se considerar que a honestidade entre quem geria não era uma virtude distribuída de forma homogénea.
A gestão dos bens alimentares estava a cargo de três pessoas, respectivamente o Capitão, o Sargento da Secretaria e o Vagomestre, mas era este último que detinha a função específica de fazer chegar aos cozinheiros os géneros alimentícios, pelo que, quando vinha de férias, era quase imperativo o Capitão convidar um Furriel de outra especialidade para o substituir na função.
No caso que me foi contado, ocorrido a pouco mais de trinta quilómetros de Mampatá, lembrou-se, segundo me contaram, o capitão dessa companhia de convidar o Furriel Enfermeiro, para substituir o Vagomestre quando este se ausentou em gozo de férias. Que lhe custava muito aceitar tal função, porque se não queria tirar dela qualquer proveito, tão-pouco suportaria essa fama que sabia impender sobre o titular do cargo. Respondeu-lhe então o Capitão em jeito de o meter entre a espada e a parede: Se não aceita substituir o Vagomestre vou dar a função ao Cabo Enfermeiro Silva, mas fica a saber que passa a alinhar para o mato sempre que o grupo dele saia. O Furriel Enfermeiro, apesar de ser muito "alérgico" a sair para o mato, respondeu-lhe que entre os dois males, optava por sair mais vezes para o mato.
Contou-me ainda o tal Furriel Enfermeiro que, no decurso desse mês de férias do Vagomestre, o Enfermestre recebeu o "agrement" do 1.º Sargento para vender um bidão de vinho ao pessoal da Engenharia, sossegando-o de seguida sobre o modo de resolver a falta dele, como se lhe desvendasse o segredo do ovo de colombo: em vez duas barras de gelo dentro do balde deveria passar a pôr quatro.
Um grande abraço, para os administradores do blog e para todos os combatentes.
Carvalho de Mapatá
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Nota do editor
Último poste da série de 26 DE DEZEMBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P25004: Os Nossos Enfermeiros (17) : Dois meninos, dois amigos, dois destinos... (António Reis, ex-1º cabo aux enf, HM 241, Bissau, 1966/68, novo tabanqueiro, nº 882)
5 comentários:
E pensava eu que só os políticos é que se locupletavam com cargos e cabedais. Santa ingenuidade. Com quem teriam eles aprendido.
Pois o fur. Enf. da CCaç 14, o saudoso camarada Ilídio Vaz, mais conhecido entre a malta como o Zé Vaz, nunca foi convidado para vague mestre e alinhava no mato como um operacional, tendo ele próprio estabelecido uma escala de saídas relativamente ao militares que comandava.
Abraço fraterno
Eduardo Estrela
No Saltinho,ao tempo da CCaç 2701,comia-se bem atendendo às circunstâncias em que se vivia naquelas paragens.Havia um cercado,junto do quartel,onde,por vezes,se encontravam bovinos comprados aos "djilas" que por ali passavam.Bifes,não eram novidade,e todos comiam igual,do Soldado ao Oficial.Boa administração,sempre houve lucro,e no final da comissão ainda deu para oferecer a todos os militares da Comp. um estojo "parker" com caneta e esferográfica.
A CCaç 2701,terminado o tempo de comissão foi substituída pela 3490,e tudo se agravou.
Deixando para trás a tragédia do Quirafo,vamos ao rancho.Passou a comer-se mal,com a agravante de haver diferenças entre Soldados e Graduados.Umas ementas estranhas.Esta Comp.era comandada por um Cap Mil (proveta) a 2701 era por um Cap QP.
Numa manhã de fins de Maio/72,chega um heli com Spínola,Carlos Fabião e ajudante de campo do General,Cap Ayala Botto.No quartel,de oficiais apenas se encontrava um AlfMil da 3490,já que eu era adido,mas foi a mim que o Cap.Fabião,conhecia-me da instrução das Milícias, se
dirigiu,trazendo na mão uma carta,escrita por Soldados queixando-se da comida.Confirmei a queixa.
O General passou em todos os abrigos e ouviu a mesma queixa..."quando estiveram em sobreposição com a 2701 o rancho era bom,depois tornou-se mau"
Seguiu-se o Vagomestre,a quem pediu a listagem das ementas."Não percebe nada disto"disse o Gen.que de seguida interroga o Primeiro Sarg..."diga-me como é possível comer-se mal e já ter um prejuízo de 70 contos ao fim de dois meses?" Resposta do Prim.Sarg..."meu General o nosso Capitão,ainda na viagem para a Guiné disse-me que o rancho era com ele e com o Fur.Vagomestre,não era comigo"
O Capitão estava de férias,o Cap.Ayala Botto,tomou nota do dia do regresso para ser chamado ao ComChefe.
Terminou a visita,ordenando ao Alf para arranjar um Fur Atirador para substituir o Vagomestre indo este para o lugar daquele.
Caro António Carvalho
Foi interessante saber dessa tua "aventura".
Realmente, as questões alimentares foram, e são, recorrentemente motivo de queixas.
E muito justamente.
E também, muito justamente, são apontadas responsabilidades à "gestão" que era feita, sendo que quase sempre se atribuiu aos diferentes "gerentes" essas malfeitorias.
Claro que as situações eram mais que diversas e podemos sempre encontrar, aqui e ali, casos nem sucedidos e casos de autêntica imoralidade desbragada.
Enquanto estive em Piche não me posso queixar por aí além. Mas, em verdade, as refeições das classes de sargentos e de oficiais decorriam num espaço, com cozinha própria e a dos praças noutro local com outra cozinha e, por tal, não comparei "in loco" pessoalmente, mas também é verdade que não me recordo de grandes queixas.
Em verdade, lembro-me de que em geral a alimentação era fraca em vegetais.
Já em Bissau, por ter mais facilidade de escolha, recordo que na messe de sargentos em Santa Luzia a comida não era do meu agrado, principalmente daquela parte do arroz de acompanhamento, que ora era "amarelo" (caril), ora "vermelho" (tomate), "branco" (de margarina), "verde" (com ervilhas, etc.) e a "ajudar" a base do prato.... filetes, bifes (quantas vezes do lado do corno do animal), estilhaços de carne, pedaços de frango, etc.
Essa da "ameaça" do "vais p´ro mato" era bem recorrente....
Hélder Sousa
António, ainda bem que aceitaste o meu repto para publicar este teu conto (i)moral...
Muitos de nós sabiamos histórias semelhantes, pouco ou nada dignificantes da nossa tropa...
Não sei se sabiamos, na maior dos casos éramos uns ingénuos; alguns de nós pelo menos suspeitavam destas maroscas...
Mas nas ditaduras o cinismo (e o nacional-porreirismo) acaba por embotar o espirito crítico...
Aceitava-se com aparente naturalidade que o vinho a que os militares tinham direito fosse batizado como nas bodas de Canã...
Afinal, a "contabilidade criativa", "a bem da Nação" (sic), já tem longa tradição entre nós...
Na minha CART11 havia uma grande "ciumeira" entre o 1º. sarg. e o fur.mil vagomestre Ferreira.
O Ferreira fazia as compras sem passar cartão ao 1º. sargento que apenas lhe pedia o patacão para ir ao civil comprar, principalmente, a carne.
O rancho que era igual para toda a gente, desde o capitão ao soldado, não era mau de todo, mas o 1º. sargento sempre ia dizendo para o Ferreira 'você com estas contas, qualquer dia, o melhor é atirar-se ao Geba'.
Valdemar Queiroz
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