terça-feira, 20 de agosto de 2024

Guiné 61/74 - P25860: Manuel de Pinho Brandão: entre o mito e a realidade - Parte I (Mário Dias / Armor Pires Mota)










Croquis da Op Tridente (1964),  


Infografia: © Mário Dias / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2005)



Lisboa > Forte do Bom Sucesso > 24 de setembro de 2005 > Quase 42 anos depois da Operação Tridente, alguns dos elementos que nela tomaram parte, pertencentes ao Grupo de Comandos,  fotografados a 24 de Setembro de 2005, durante o convívio dos Grupos de Comandos do CTIG  (1964/66). 

Da esquerda para a direita: 

(i) sold João Firmino Martins Correia; 

(ii) 1ºcabo Marcelino da Mata; 

(iii) 1º cabo Fernando Celestino Raimundo; 

(iv) fur mil António M. Vassalo Miranda; 

(v) fur Mário F. Roseira Dias; 

(vi) sold Joaquim Trindade Cavaco 

(Os postos, referentes a cada uma, são os que tinham à época dos acontecimentos).

Foto (e legenda): © Mário Dias (2005). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Havia, na região de Tombali, pelo menos dois Pinho Brandão, o Afonso (em Catió) e o Manuel (no Como,  e depois Catió e mais tarde em  Ganjolá). Julgamos que fossem irmãos. Seriam oriundos de Arouca, onde este apelido, Pinho Brandão, é comum.

O Afonso foi morto logo no princípio da guerra,  em 1962/1963, por balantas de Catió, que lhe queriam assaltar (e apropriar-se de) a sua casa. 


Era pai da nossa amiga, tabanqueira, Gilda Pinho Brandão (ou Gilda Brás) (foto à direita, cortesia da própria), filha de mãe fula; foi trazida para Portugal, aos 7 anos, em 1969, passando a viver   numa família de acolhimento.

O Afonso era também do engº agr. Carlos Pinho Brandão, colega, no Instituto Superior de Agronomia / Universidade Técnica de Lisboa,  do nosso grande e saudoso amigo Carlos Schwarz da Silva, 'Pepito' (1949-2014).

O Manuel de Pinho Brandão (o da ilha do Como) foi, a par do Álvaro Boaventura Camacho (Cufar) (cabo-verdiano de origem madeirense), um dos grandes proprietários agrícolas da região de Tombali, e conhecidos produtores (e comerciantes) de arroz... Enfim, seria um dos poucos colonos brancos existentes no território. Resta-nos saber a história do seu passado.

É pena, de facto,  não haver histórias de vida destes homens. Com a ocupação da ilha do Como em 1963, pelo PAIGC, o Manuel terá ido para Catió (vivia lá no tempo do J. L. Mendes Gomes, em 1964) e depois para Ganjolá (segundo o Victor Condeço, 1967). 

Aqui havia um pelotão destacado (e foi lá que morreu o meu primo José António Canoa Nogueira, o primeiro lourinhanense a morrer no CTIG, em 23 janeiro de 1965).

O Manuel terá sido desterrado para a Guiné possivelmente no final dos anos 20 ou princípíos dos anos 30 (ainda não encontrámos fonte segura que comprove este facto). De qualquer modo, naquela época a Guiné e Timor eram os piores lugares de desterro, usados tanto pela República como pela Ditadura Militar.

Há várias referências a esta figura,  o Manuel Pinho Brandão, cuja casa na ilha do Como  ficou popularizada pela Op Tridente, com a reocupação pelas NT  (em janeiro-março de 1964).  O Mário Dias (que foi para a Guiné com 14 anos, na década de 50), ainda o conheceu, pelo menos de vista,  em Bissau.

Vejamos algumas referências a este arouquense, desterrado no sul da Guiné, que era também o celeiro do território, antes do início da guerra.
 
 (i) Mário Dias [ex-fur mil 'cmd',  
Cmds do CTIG, 1963/64] (*)


(...) A designada Ilha do Como é, na realidade, constituída por 3 ilhas: Caiar, Como e Catunco mas que formam na prática um todo, já que a separação entre elas é feita por canais relativamente estreitos e apenas na maré-cheia essa separação é notória.

Na ilha não existia qualquer autoridade administrativa nem força militar pelo que o PAIGC a ocupou (não conquistou) sem qualquer dificuldade em 1963.

 As tabancas existentes são relativamente pequenas e muito dispersas. Possui numerosos arrozais, o que convinha aos guerrilheiros pois aí tinham uma bela fonte de abastecimento, acrescido do factor estratégico da proximidade com a fronteira marítima Sul e o estabelecimento de uma base num local que facilitava a penetração na península de Tombali e daí poderia ir progredindo para Norte.

Não tinha estradas. Apenas existia uma picada que ligava as instalações do comerciante de arroz, Manuel Pinho Brandão (na prática, o dono da ilha) a Cachil

A partir desta localidade o acesso ao continente (Catió) era feito de canoa ou por outra qualquer embarcação. A casa deste comerciante era, se não estou em erro, a única construída de cimento e coberta a telha.

Portugal não exercia, de facto, qualquer espécie de soberania sobre a ilha. Tornava-se imperioso a recuperação do Como. (...)

(...) A tabanca de Cauane, bem como as restantes, estava praticamente destruída assim como a casa do comerciante Brandão, ali bem próxima. 

Meses antes, já a aviação havia actuado na ilha bombardeando e destruindo todas as instalações que pudessem ser proveitosas ao IN. Recordo-me ainda de assistir no QG em Santa Luzia, onde ocasionalmente me encontrava, aos protestos do referido Brandão por lhe terem escavacado tudo quanto possuía no Como. (...)

(...) Um dos pontos que pretendíamos dominar era a picada que, partindo das imediações da casa Brandão, seguia para Norte em direcção a Cassaca e Cachil. 

Tarefa difícil pois o inimigo tinha instaladas à entrada da mata metralhadoras no enfiamento da picada. No dia 23 o grupo de comandos reforçado com uma secção da CCAV 488 e uma secção de fuzileiros dirigiu-se ao local para tentar alcançar e destruir as metralhadoras. 

Escondidos na casa Brandão, fomos progredindo de um e outro lado do ourique. Porém, ao chegarmos junto ao rio que atravessa a bolanha tínhamos que subir para o ourique e passar por umas tábuas que faziam de ponte. Como era de esperar, as metralhadoras entraram em funcionamento. Zás. Tudo a saltar de novo para o desnível do ourique. (...)
   
(...) Com a operação a chegar ao fim previsto, o Comandante das Forças Terrestres, ten cor Cavaleiro, saiu com o grupo de comandos e o pelotão de paraquedistas às 23h30 do dia 20 de março, atravessando a mata de Cauane, Cassaca e Cachil com a finalidade de verificar pessoalmente a capacidade de combate do IN.

Passagem e pequena paragem na tabanca de Cauane, troca de informações com o comandante da CCAV 488, dono da casa, e iniciámos a penetração na mata à 1 hora do dia 21, partindo da casa Brandão. 

Reacção do IN?...nenhuma. Progredimos até Cassaca que foi alcançada às 02h30. Feita uma batida cuidadosa à região, encontraram-se a Norte algumas casas de mato quase destruídas e há muito abandonadas. (...)

(...) Atingimos Cachil, na outra extremidade da ilha, que foi atravessada pacificamente de Sul para Norte sem qualquer beliscadura nem qualquer oposição à nossa presença por parte dos guerrilheiros.

Embarcados na LDM, lá fomos nós de regresso à praia. Foi a última operação da batalha do Como. (...)



Guiné > Regiáo de Tombali >  Janeiro de 1964 > Op Tridente >  Desembarque das forças do BCAV 490 na Ilha do Como... Percebse-se, por esta foto, que as praias do Como podiam mter centenas de metro de areal e tarrafo na maré-baixa.

Foto (e legenda): © Armor Pires Mota  (2013). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


(ii) Armor Pires Mota [ex-alf mil at inf, 
CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66] (**)

Como, 16 de janeiro de 1964

(...) Ali,  em Cauane, não havia um poço sequer. Só mais longe, a uns trezentos metros, junto à casa do tal Brandão, o único branco que ali vivera, há tempos, onde montara os seus negócios e fizera fortuna. 

Ele casara com a filha da rainha  dos Bijagós e vivia agora  em Catió. O filho,  que diziam ter morrido, andara com os terroristas, o Chiquinho. (...).

(...) Como, 17 de fevereiro de 1964

A missão,  naquela manhãm  era destruir o poço que fovava na tabanca junto ao caminho que já tinha uma história de lutas encarniçadas.

Saímos cedo para criar surpresa. Passámos calmamente por detrás da casa do Brandão, onde já estavam instalados os morteiros para possível apoio (...).

(Continua)

(Seleção, revisão / fixação de texto, negritos: LG)
_______________

Notas do editor:

 (*)  Vd. postes de:


16 de dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - P356: Op Tridente (Ilha do Como, 1964): II Parte (Mário Dias)

14 comentários:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Seria interessante poder consultar este documento do Arquivo Histórico Diplomático (negritos nossos)... Será que o Francisco seria o tal Chiquinho que "foi mo mato" ? O Manuel de Pinho Brandão seria o pai ou algum irmão ?

Inventário dos arquivos do Ministério do Ultramar

Código de Referência:
PT/AHD/MU/GM/GNP/RNP/0559/08865
Título:
Expulsões de Manuel de Pinho Brandão e Francisco Pinho Brandão
Data(s):
1964
Nível de descrição:
Unidade de Instalação
Dimensão e suporte:
1 U.I.; papel
Idioma:
Português
Notas:
Classificador do Arquivo do Gabinete dos Negócios Políticos: P17: Segurança Nacional: Sanções Penais aos colaboracionistas com os inimigos.
Entidade detentora:
Arquivo Histórico Diplomático

Tabanca Grande Luís Graça disse...

O Manuel de Pinho Brandão... turra ? O Luís Cabral diz raios e coriscos dele, no seu livro de memórias, quando era o "dono da ilha do Como"...

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Talvez o nosso camarada Abílio Magro, cuja família é arouquense, nos possa dar uma ajuda...

A árvore genealógica da família ~Brandão é ... uma floresta!

Família: Brandão | Índice de Nomes | #M

Há um Manuel de Pinho Brandão mas é de 1817!


Tabanca Grande Luís Graça disse...

O Manuel de Pinho Brandão já estava na Guiné em 1935 como se comprova por este documento que está no arquivo do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa (INEP), de Bissau, disponibilizado na Net pelo portal Casa Comum / Fundação Mário Soares

Casa Comum |
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa, Bissu

Pasta: 10429.230
Assunto: Conjunto de documentação relativa a reclamação, apresentada pelo comerciante Manuel de Pinho Brandão, proprietário do terreno denominado "Belém", na área da Circunscrição Civil de Fulacunda, que se insurge contra a cobrança de imposto de extracção de vinho de palma a indígenas que, com a sua autorização, praticam esta actividade na sua propriedade para consumo exclusivamente próprio.
Data: Julho de 1935 - Setembro de 1935
Fundo: C1.6 - Secretaria dos Negócios Indígenas
Tipo Documental: Documento (...)
Citação:
(1935-1935), Sem Título, Fundação Mário Soares / C1.6 - Secretaria dos Negócios Indígenas, Disponível HTTP: http://www.casacomum.org/cc/visualizador?pasta=10429.230 (2024-8-20)

Anónimo disse...

Mário António Beja Santos (by email)
20 ago 2024 | 11:38


Luís, bons dias. Penso que é inevitável pedir ajudar à Gilda Pinho de Brandão para saber mais sobre este comerciante que tinha fortes negócios na região Sul. No meu livro sobre o BNU na Guiné refere-se explicitamente, através dos relatórios da delegação de Bissau para a administração do BNU em Lisboa que a subversão levou à paralisação dos negócios do Pinho Brandão, é a única referência ao dito. Não conheço quaisquer outras referências a Pinho Brandão. Um abraço do Mário

https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/2007/05/guin-6374-p1798-regio-de-cati-famlia.html
2024 M08 20 12:05

Tabanca Grande Luís Graça disse...

A Gilda Brandão tem página no Facebook mas já deve ter desistido de procurar mais a família do lado paterno...

Anónimo disse...

Luis Graça, uma obs.: o Mário Dias, ao tempo da op no Como era FurrMil ou SgtMil.

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Tens razão, Virgínio (que o comentário, não assinado, por lapso, é teu)...Fui operado às cataratas, vejo bem, mas, com as pressas, a andar de um lado para o outro, há pequenas coisas que escapam... Vinte anos a blogar, há já muitos "automatismos"... O Mário Dias bem podia ser ser alferes 'cmd', seria um sempre um bom comandante operacional. Dá-lhe um abraço meu, amanhã, quando estiveres com ele... E não te esqueças das "tiras" de banda desenhada do Vassalo Miranda, de que te falei... (Um bravo do Como e um grande artista da nossa BD).

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Tens razão, Virgínio (que o comentário, não assinado, por lapso, é teu)...Fui operado às cataratas, vejo bem, mas, com as pressas, a andar de um lado para o outro, há pequenas coisas que escapam... Vinte anos a blogar, há já muitos "automatismos"... O Mário Dias bem podia ser ser alferes 'cmd', seria um sempre um bom comandante operacional. Dá-lhe um abraço meu, amanhã, quando estiveres com ele... E não te esqueças das "tiras" de banda desenhada do Vassalo Miranda, de que te falei... (Um bravo do Como e um grande artista da nossa BD).

José Botelho Colaço disse...

Próximo do Cais do Cachil em Janeiro de 1964 havia um esqueleto de uma casa com os restos de uma balança decimal, eu vi com estes olhos que a terra há-de comer. Colaço

Anónimo disse...

Abílio Magro )by email)
21 ago 2024 07:42


Bom dia, caro Luís.
Efectivamente na minha família Pinho Valente de Arouca, onde a minha mãe nasceu, existem muitos Pinho Brandão. Tenho lá imensos primos porque a minha mãe tinha oito irmãos. Pelo menos uma tia minha casou com um Pinho Brandão e tiveram seis filhos.
Arouca é terra de muitos Pinhos; Pinho Valente, Pinho Brandão, Pinho Dias, Pinho Noites, etc., etc..
Vou tentar saber junto dos meus primos Pinho Brandão se sabem alguma coisa sobre esse Brandão da Guiné. Talvez o pai deles soubesse, mas já morreu.
Abraço


Abílio Magro


Antº Rosinha disse...

Foi desta "massa" de comerciantes tipo Pinho´s Brandão, que verdadeiramente se fez a ocupação, colonização, exploração e miscigenação ou tudo o que se queira chamar à ação dos portugueses em África, pós descobrimentos.

É que a trás deles é que vinham tropa, chefes de posto e estradas etc.

Ainda conheci uma casa de construção definitiva,em bom estado na região de Tombali, em 1990, desocupada que se dizia que era dessa família, à beira de uma estrada numa tabanca que já não localizo muito bem na minha memória.

Exito sempre em falar destas figuras coloniais, os comerciantes do mato, que em geral são olhados muito depreciativamente, principalmente por quem a guerra colonial "não dizia nada", e até foram eles os culpados.

Fala-se aqui que um desses Brandão teria sido morto por balantas, o que parece que casos desses na Guiné, brancos assassinados por pretos, teria sido muito raro acontecer, ao contrário do que aconteceu em 1961 no norte de Angola pelos bacongo da UPA o que originou o termo "turras".

Mas atrevo-me a pronunciar-me sobre um assunto que pouco se fala, é que tanto na Guiné como nas outras colónias, poucos comerciantes e brancos e mestiços foram assassinados, como o tal caso da UPA no norte de Angola.

E até, na Guiné houve uma clara aceitação e proteção dos comerciantes no pós independência.

E aqui aparece aquela máxima de Amílcar Cabral, não é contra os portugueses...etc.

Teria sido essa uma das boas razões para poupar civis comerciantes e funcionários brancos e mestiços durante a guerra colonial nas colónias?

E sobre Amílcar, ao falar em poupar portugueses, não estaria a pensar na própria pele e dos hermons?

É que eramos todos portugueses há 500 anos, e continuamos a sê-lo.



Valdemar Silva disse...

Julgo que o abandono das casas coloniais de Bafatá, que chamamos centro histórico, com a saída de comerciantes e residentes de origem europeia e libanesa, não havendo ocupação por parte da população nativa, antes preferiram as casas da tabanca, tem a ver com um certo respeito por o que não lhes pertencia.

Valdemar Queiroz

Anónimo disse...

Abílio Magro (by email)
21 ago 2024 14:19

Caro Luís,
Consegui contactar a minha prima Rosa Maria que logo me informou que, em Arouca, existem muitos Pinho Brandão que, segundo ela, são oriundos de Roças, lugar bem conhecido na zona.
Sobre o 'famigerado' Manuel de Pinho Brandão, nada me soube dizer e quem poderia saber alguma coisa, com toda a certeza segundo ela, era o seu pai, Manuel Tavares Brandão, já falecido, que foi carteiro durante largos anos naquelas paragens.
Lamento não poder ajudar.
Sempre ao dispôr,