Cartum: O "per diem"
Fonte: LG + ChatGPT (imagem gerada pela IA,
sob instruções de LG)
Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2025)
1. Recorde-se que cada militar, do soldado ao general, tinha direito no nosso tempo, no CTIG, a um "per diem" de 24$50 (=4,10 €, a preços de hoje). Para se alimentar.
O Estado pagava a "ração diária" dos seus soldados em géneros.
(*) Vd. poste de 6 de fevereiro de 2020 > Guiné 61/74 - P20626: (Ex)citações (362): O ventre e o patacão da guerra, segundo duas preciosas listas de junho de 1974, guardadas pelo Zé Saúde... Cada um de nós tinha direito a um "per diem" de 24$50 para comer, o equivalente na época a um dúzia de ovos da Intendência (, a preços de hoje, 4,10 euros)
Nunca vi isso escrito em parte nenhuma, o valor da verba para a alimentação diária. Nem com a ajuda da "Sabe-Tudo"... Mas recordo-me que, no meu tempo (1969/71), um soldado da CCAÇ 12, do recrutamento local, uma praça de 2ª classe (!) ganhava 600 escudos por mês, mais o tal "per diem" de 24$50.
Por ser "desarranchado": os nossos camaradas guineenses comiam a sua "bianda" na tabanca (havia duas em Bambadinca, uma a mais antiga, entre o quartel e o rio Geba; e outra, um reordenamento, a oeste, a Bambadincazinho; ou seja, eles viviam com as suas famílias fora do perímetro de arame farpado...).
Quando iam para o mato, em operações, também não tinham direito a ração de combate, por serem "desarranchados": levavam um lenço atado com um mão cheia de arroz cozido e nozes de cola para aliviar a fome e a sede...
De resto, o exército (ou o serviço de intendência) não tinha rações de combate para os soldados portugueses muçulmanos (pelo menos no meu tempo).
Em suma, um soldado guineense de 2ª classe recebia em média 1300 escudos ("pesos"), o que para um tabanqueiro guineense era "manga de patacão" naquele tempo. Era quanto ganhava um 1º cabo de transmissões, metropolitano.
Vejamos: 1300$00 em 1969 seria equivalente a 466,00 euros, a preços de hoje, dava para comprar dois sacos de arroz, 200 kg, na loja do Rendeiro, em Bambadinca, e ter duas mulheres.
O vagomestre com esses 24$50 do "per diem" (não sei se a tropa usava esat expressão latina, que quer dizer "por dia"...) tinha que nos dar de comer e beber, a nós, metropolitanos: pequeno-almoço, almoço e jantar. Não havia lanche nem ceia...
Os petiscos, o leitão, o cabrito, o vinho verde, a cerveja, o uísque, etc., isso era tudo por conta do "freguês". A tropa não pagava esses luxos. "Tainadas e berlaitadas o nosso primeiro que não pagava" (dizia, com graça, o nosso 2o. sargento, o saudoso José Manuel Rosado Piça, a exercer funções de primeiro).
Parece que também tínhamos direito a uma dose....de bagaço. Mas eu nunca o vi nem o cheirei em parte nenhuma.
Em 17 de junho de 1974, na CCS/BART 6523/73 (Nova Lamego, 1973/74), segundo a relação dos víveres existentes (*), o "per diem" dava para "comprar" o equivalente a uma dúzia... de ovos (=24$30) (importados da metrópole, custavam tanto como uma garrafa de vinho verde de marca!)...
(iii) o preço de um litro de vinho, em Nova Lamego, era de 11$60 (o equivalente hoje a 1,94 euros);
(iv) o quarto de litro ficava, portanto, por 2$90 (=0,485 euros);
(v) se considerarmos o valor mais provável da ração diária de vinho, no ultramar, no fim da guerra, que seria os 0,4 l (1 copo de 2 dl a cada refeição principal), terias gasto 4$60 do teu "per diem" (à volta de um 1 euro, sobravam-te 3,1 euros para o conduto...).
3. Não te assustes: em 1969/71, a verba para a alimentação diária da rapaziada do Exércita já era insuficiente...No relatório anual do Comando-Chefe referente a 1971 já se pede a atualização da verba de alimentação diária para os 33$00 (!). Claro, no Terreiro do Paço devem ter-lhe feito orelhas moucas ou mandado apertar o cinto.
Mas pergunto-te: quantas vezes passaste sede ? quantas vezes deixaste de beber a tua pinga ? e porquê ?
Mas alguém terá ficado no bolso com os teus tostões, os teus cêntimos, do teu mísero "per diem"...
4. Sabemos que a 3ª Cart / BART 6523 tinha, em 18/6/1974, na despensa da CCS, à sua guarda, um stock de vinho na ordem dos 1145 litros... Se multiplicares por 11$60, dava a bonita soma de 13 contos e mais uns trocos: 13.282$00 (= 2593,00 euros, a preços de hoje).
Essa 3ª Companhia deveria ter uns 160 homens, mais coisa, menos coisa... Famintos, sequiosos...Se todos bebessem (e não houvesse coluna de reabastecimento), só teriam vinho para menos de um mês:
(i) 29 dias, se a ração diária de vinho fosse de 0,25 l (2 copos pequenos);
(ii) 18 dias, se a ração diária fosse de 0,40 l (2 copos de 2 dl cada, como nos parece mais provável, até de acordo com o volume do copo da tropa que nos foi distribuído com o cantil).
De qualquer modo, havia apenas vinho para menos de um mês... A menos que fosse "batizado"... coisa que o Aníbal Silva, em Nova Sintra, desmente categoricamente.
Falando, por telemóvel com o Aníbal Silva, o ex-fur mil vagomestre, da CCAV 2483 / BCAV 2867 (Nova Sintra e Tite, 1969/70), um rapaz do meu tempo, dizia-me ele que a malta, em Nova Sintra "estafava" um barril de 100 litros em menos de 3 dias.
Noutros sítios, a malta queixava-se que às vezes o raio do vinho oxidava--se, envinagrava-se, estragava-se... Ou então evaporava-se, sumia-se, e ninguém sabia como... "Obra de profissionais" ? Para quê se não havia "mercado local" ou "regional" ? !...
Em 17 de junho de 1974, na CCS/BART 6523/73 (Nova Lamego, 1973/74), segundo a relação dos víveres existentes (*), o "per diem" dava para "comprar" o equivalente a uma dúzia... de ovos (=24$30) (importados da metrópole, custavam tanto como uma garrafa de vinho verde de marca!)...
Era, pois, um luxo fazer uma generosa omeleta (que tinha que dar.... para 3 refeições)!...Já não dava para juntar umas rodelas de chouriço (1 kg = 64$80, ou 10,85 euros, a preços de hoje).
E se quisesses beber um copo ? Quanto representava a tua ração diára de vinho no "per diem" ?
2. Façamos as contas:
(i) tinhas direito a dois copos de vinho por dia (tinto, mais frequentemente, branco às vezes, e oxidado), o equivalente a 0,25 dl em junho de 1974;
E se quisesses beber um copo ? Quanto representava a tua ração diára de vinho no "per diem" ?
2. Façamos as contas:
(i) tinhas direito a dois copos de vinho por dia (tinto, mais frequentemente, branco às vezes, e oxidado), o equivalente a 0,25 dl em junho de 1974;
(ii) valor, de resto, que ainda está por confirmar: um ano depois, a ração diária de vinho, em Lisboa, era de 0,40 l, para qualquer militar dos 3 ramos das Forças Armadas); (**)
(iii) o preço de um litro de vinho, em Nova Lamego, era de 11$60 (o equivalente hoje a 1,94 euros);
(iv) o quarto de litro ficava, portanto, por 2$90 (=0,485 euros);
(v) se considerarmos o valor mais provável da ração diária de vinho, no ultramar, no fim da guerra, que seria os 0,4 l (1 copo de 2 dl a cada refeição principal), terias gasto 4$60 do teu "per diem" (à volta de um 1 euro, sobravam-te 3,1 euros para o conduto...).
3. Não te assustes: em 1969/71, a verba para a alimentação diária da rapaziada do Exércita já era insuficiente...No relatório anual do Comando-Chefe referente a 1971 já se pede a atualização da verba de alimentação diária para os 33$00 (!). Claro, no Terreiro do Paço devem ter-lhe feito orelhas moucas ou mandado apertar o cinto.
Com certeza que o gen António Spínola não estava a fazer "humor de caserna", como nós aqui, no blogue...
De facto, a inflação , galopante, desde o início da década de 1970 (e que se vai agravar em finais de 1973) (**), já estava a baralhar as contas do vagomestre, do 1º sargento, do capitão e por ai fora até ao governador e comandante-chefe ,o gen António Spínola, em Bissau, e no topo da cadeia o ministro das Finanças, em Lisboa (que já ninguém sabe quem era) ...
Pois é, camaradas, é a economia (e o moral das tropas...) que faz ganhar ou perder guerras... É como na política, "o pão e o circo" é que fazem ganhar ou perder eleições...
E tu, camarada Zé Saúde (que foste vagomestre por um mês, se bem percebi) (***), com um "per diem" de 24$50, já lerpavas... em Nova Lamego, nessa altura. De larica, galga, fomeca. (Não sabemos, nem isso agora é relevante, se, em junho de 1974, a verba para a alimentação da tropa no CTIG ainda eram os desgraçados 24$50 diários "per capita", para o soldado e para o general, para o branco e para o preto, o "tuga" e o "nharro"...).
O que vale é que já estavas de abalada para Lisboa... (Recorde-se que o teu batalhão "comandou e coordenou a execução do plano de retracção do dispositivo e a desactivação e entrega dos aquartelamentos ao PAIGC, sucessivamente efectuadas nos subsectores de Madina Mandinga e Cabuca, em 20ag074, e de Piche, em 29ag074", e que em 7 de setembro já estavas, em Lisboa, a caminho de Beja para comeres as tuas saudosas migas...
Mas pergunto-te: quantas vezes passaste sede ? quantas vezes deixaste de beber a tua pinga ? e porquê ?
Nunca se davam explicações na tropa. Especulava-se: atrasou-se o barco, ou foi atacado em Mato Cão, acabou-se ou estragou-se o vinho que havia no barril de 100 litros, ou no bidão metálico de 200/210 litros, etc... (Estes bidões metálicos são do teu tempo, Zé Saúde, não são do meu, enfim "modernices" da Intendência, ou então já indícios da crise dos tanoeiros.)
E não havia Jesus Cristo para fazer milagres, ele que não chegava para todas as encomendas e nunca parou (nem reparou) em Nova Lamego, para fazer o milagre da conversão da água em vinho e da multiplicação dos pães!...
Mas alguém terá ficado no bolso com os teus tostões, os teus cêntimos, do teu mísero "per diem"...
4. Sabemos que a 3ª Cart / BART 6523 tinha, em 18/6/1974, na despensa da CCS, à sua guarda, um stock de vinho na ordem dos 1145 litros... Se multiplicares por 11$60, dava a bonita soma de 13 contos e mais uns trocos: 13.282$00 (= 2593,00 euros, a preços de hoje).
Essa 3ª Companhia deveria ter uns 160 homens, mais coisa, menos coisa... Famintos, sequiosos...Se todos bebessem (e não houvesse coluna de reabastecimento), só teriam vinho para menos de um mês:
(i) 29 dias, se a ração diária de vinho fosse de 0,25 l (2 copos pequenos);
(ii) 18 dias, se a ração diária fosse de 0,40 l (2 copos de 2 dl cada, como nos parece mais provável, até de acordo com o volume do copo da tropa que nos foi distribuído com o cantil).
De qualquer modo, havia apenas vinho para menos de um mês... A menos que fosse "batizado"... coisa que o Aníbal Silva, em Nova Sintra, desmente categoricamente.
Enfim, era mais um quebra-cabeças logístico:
- tinha-se que ir buscá-lo, ao vinho, a Bambadinca, onde havia o destacamento da Intendência mais próximo, noutra ponta da zona leste (a estrada já era alcatroada, passando por Bafatá, ao menos isso);
- pensando em termos de recipientes, 1145 litros de vinho eram 5 bidões metálicos de 200 litros + 1 barril de 100 litros e uns tantos garrafões de 5 litros ( parece que em 1969/71 já não se viam garrafões de 10 l)...
![]() |
Aníbal Silva |
Não seria para revender à população, que os de Nova Lamego, por exemplo, não podiam beber "água de Lisboa", por serem muçulmanos... E em Nova Sintra não havia população. Muitas vezes era "pró petisco" dos "tugas" (sendo o cozinheiro sempre convidado)...
De qualquer modo, nada como falar com números ! (***). E sobretudo ouvir as histórias dos nossos tão bravos quão pacientes vagomestres, como o Aníbal Silva, que é catedrático nestas matérias...
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Notas do editor LG:
(...) "Intendência
(i) Pessoal
A actual organização do Serviço de Intendência do CTIG é manifestamente deficiente. OS QO carecem de actualização, conforme proposta já apresentada por aquele Comando.
É premente a necessidade de montar no TO um Apoio Avançado eficiente, com níveis adequados, por forma a descentralizar o apoio logístico do serviço, descongestionando os órgãos-base. Para isso reconhece- se a necessidade, já há muito apresentada, de um reforço dos órgãos do Serviço de Intendência do CTIG.
(ii) Víveres
Ao longo do ano verificou-se uma melhoria do reabastecimento de víveres frescos às Unidades do TO pela utilização do sistema de reabastecimento aéreo com o lançamento em paraquedas.
Verificou-se também uma melhoria nos meios de frio nos órgãos-base avançados e Unidades, que permitiu que o reabastecimento de frescos às Unidades se processasse em condições mais eficientes.
(ii) Verba de alimentação
Em resultado do aumento do custo de géneros de 1a necessidade e ainda do aumento do custo dos transportes da Metrópole para a Província, tem--se vindo a agravar o custo da alimentação. Nesta conformidade e com vista a não baixar o nível de alimentação das tropas, toma-se necessário actualizar a verba diária actual para um valor da ordem dos 33$00" (...)
Fonte: Excerto de: Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 6.º Volume; Aspectos da Actividade Operacional; Tomo II; Guiné; Livro III; 1.ª Edição; Lisboa (2015), pp. 59.
(***) Vd,. poste de 18 de outubro de 2025 > Guiné 61/74 - P27328: O vinho... pró branco de 2ª e pró tinto de 1ª (2): qual era a ração diária em campanha , no Ultramar ? Um copo à refeição, 2,5 dl por dia ? Se sim, uma companhia no mato (=160 homens) tinha um consumo médio mensal de 240 garrafões de 5 l... (Mas a capitação diária da ração de vinho, para os 3 ramos das Forças Armadas, foi fixada em 0,4 l, em 1975.)


17 comentários:
E que saudades eu tinha, em 1969, de uma boa omeleta!...Nas tabancas fulas em autodefesa lá conseguia desencantar, de vez em quando, uns míseros ovos para fazer uma omeleta. Para mim e para o meu "secretário", o saudoso Zé Carlos Suleimane Baldé...
Metaforicamente falando, podemos dizer que na guerra, naquela guerra, na Guiné, todos nós fizemos omeletas sem ovos...
Á boa maneira portuguesa, o vagomestre na Guiné tornou-se o bode expiatório das nossas frustrações.
Se só se comia feijão e massa, a culpa era do vagomestre.
Se não havia ovos para fazer omeletas para 160 galfarros, a culpa era do vagomestre.
Ainda hoje há malta que não pára de bater no desgraçado do vagomestre.
Pelo que ter aqui, na Tabanca Grande, um grande senhor vagomestre como o Aníbal Silva com quem se pode falar, é um privilégio!
Afinal, a malta tinha direito a meia litrada de vinho!
O Aníbal Silva descobriu isso no seu "missal" dos vagomestres!
O,2 dl ao almoço e 0,3 dl ao jantar!
Vou explorar melhor as páginas digitalizadas que me mandou.
Essa ração diária de vinho põe um problema: se todos bebessem, o consumo diário de uma companhia seria de 80 litros!
Ao fim do mês eram 12 bidões de 200 litros ou 24 barris de 100 litros. O que é obra!
O reabastecimento era mensal.
Estranho muito o que se passou na C.Caç.12, onde os soldados africanos, da mesma estavam inibidos da ração de combate, porque estavam desanrachados?
Que grande 1º.Sargento e vagomestre, na minha C.Cart.11/C.Caç.11, tinham direito a ração de combate e um pão como os brancos, quando iamos para o mato, e durante 14 meses,acreditem que foram imensas. Existia um menu diferente, nas racões de combate, para os africanos muçulmaanos, sem carne de porco.Que injustica!
Abílio Duarte- C.C.CART.11- Guiné 69/70.
Abílio, é a ideia que eu tenho. Posso estar equivocado.Também acho que era uma crueldade. Eu costumava dar a minha ração de combate ao pessoal da secção.
Na Guiné o vinho não estava interado no preço da ração diária.
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