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segunda-feira, 22 de janeiro de 2024

Guiné 61/74 - P25098: Historiografia da presença portuguesa em África (405): voyeurismo, exotismo, sexismo e racismo na exposição colonial do Porto de 1934: uma reportagem do jornalista de "O Comércio do Porto", Hugo Rocha (1907-1993), publicada no "Boletim da Sociedade Luso-Africana do Rio de Janeiro"


Porto > Exposição Colonial Portuguesa > 1934 > O Palácio de Cristal renomeado Palácio das Colónias.


(Cortesia da Hemeroteca Digital de Lisboa / Câmara Municipal de Lisboa)

Título da reportagem de Hugo Rocha, sobre a Exposição Colonial do Porto, publicada possivelmente  no "Ultramar . Órgão Oficial d I Exposição Colonail", e depois reproduzida no Boletim da Sociedade Luso-Africana do Rio de Janeiro, n.º 9, Abril a Julho de 1934. Número Especial comemorativo da Primeira Exposição Colonial realizada no Porto, 1934, pp. 153-155


1. A Exposição Colonial Portuguesa, que decorreu no Porto, no  Palácio de Cristal (renomeado para o efeito "Palácio das Colónias"), no verão de 1934 (de 16 de junho de a 30 de setembro). Teve como comissário Henrique Galvão. E foi talvez a primeira grande realização mediática do Estado Novo, com a apologia do império colonial português. (*)

Teve grande destaque a "representação" da Guiné: a figura de régulo Mamadu Sissé, "um dos heróis das campanhas de pacificação", colaborador próximo do capitão Teixeira Pinto (o "capitão-diabo") (de que o pintor Eduardo Malta fez um soberbo retrato, a ele e ao seu filho, Abdullah); e a figura da Rosinha, balanta, imortalizada pelo fotógrafo Domingos Alvão.

Temos no nosso blogue dez referências a este evento que, de resto,  seguiu o paradigma de outras exposições congéneres, realizadas  por outras potências coloniais da época, em cidades como  Marselha (1922), Antuérpia (1930) e Paris (1931).

(...) "No recinto da exposição reproduziram-se aldeias indígenas das várias colónias, construiu-se um parque zoológico com animais exóticos, edificaram-se réplicas de monumentos ultramarinos, divulgou-se a gastronomia, enquanto centenas de expositores da metrópole e das colónias atestavam o dinamismo empresarial do Império." (...) (Fonte: Hemeroteca Municipal de Lisboa >  Exposição Colonial Portuguesa).

2. Sobre a peça, que selecionámos hoje, assinada por Hugo Rocha (**)... O título e subtítulo, extensíssimos, dizem tudo: "Antes de abrir a Exposição...Da Guiné a Timor, sem sair do Palácio de Cristal: sessenta e três pretos e pretas da mais próxima e nove pardos da mais afastada das colónias de Portugal já dão ao recinto do grande certame o tom colorido e exótico da vida tropical"

Hugo Rocha (1907-1993)  foi um jornalista e escritor do Porto: entrou aos 18 anos para a redação de  "O Comércio do Porto" (fundado em 1854, extinto em 2005), e do o qual será diretor durante muitos anos. Já antes, em 1933, escrevera uams crónicas sobre o ultramar português. 

Fez parte do corpo redatorial do quinzenário "Ultrarmar - Ógão Oficial da I Exposição Colonial", de que se publicaram 18 números,entre 1 de fevereiro e 15 de outubro de 1934, números1 , O direteor da publiação era o Henrique Galvão.

Teve, talvez por isso,  o privilégio de ser um dos primeiros a visitar a exposição, na fase ainda do seu "making of", antes da sua abertura oficial. O texto que escreveu, há 90 anos merece ser lido ou relido com atenção e precaução. Tem observações e expressões que hoje nos chocam. Tem de ser contextualizado. Estamos nos anos 20/30,  a época da consagração do racismo nas suas diversas vertentes (biológico, cultural, etc.) e da subida ao poder dos nazifascismos e demais ditaduras. (Em boa verdade também não sabemos  como daqui a 90 anos os nossos vindouros irão  ler o que aqui escrevemos, e olhar para as nossas fotos...)

Repescámos, da reportagem do Hugo Rocha, alguns destes "estereótipos sociais" de que é feito o racismo, de ontem  e de hoje, e o desconhecimento do outro, da sua cultura, da sua história, da sua terra. (Estranhamente o jornalista não chegou a pôr os olhos na Rosinha, balanta, "o  animal mais belo daquele zoo humano"... e que se virá   a tornar a coqueluche da exposição. )

  • Ontem, a meio da tarde, para matar saudades, fui ao Palácio para ver os pretos (...)
  • A aldeia da Guiné, que é a mais típica do certame , porque é lacustre, como grande  parte das aldeias da Guiné (...)
  • Vinte negros - dezoito homens e duas mulheres . da raça fula (..:)
  • Arde  uma fogueira no centro da sanzala (..:)
  • Não sabe o que é ciúme, sior (...)
  • Algarávia gentílica em todas as bocas (...)
  • O cheiro é perfeitmente colonial (...)
  • A preguiça equatorial domina todos os repentes (...)
  • Henrique Galvão (...) não quer que os indígenas da Guiné estejam ociosos (...)
  • (...) aqueles corpos nus e besuntados (...)
  • Olha, aquilo é o cheiro da carne preta
  • E o leão, enquanto as negras não lhe desaparecem da vista, parece devorá-las com os olhos (...)
  • Pretos da Guiné. Pardos de Timor. Portugueses de outras cores e doutras raças (...)  (Citações de Hugo Rocha)

 





(Seleção, recortes,  introdução: LG)


__________

Notas do editor:


(**) Hugo Rocha, de seu nome completo Hugo Amílcar de Freitas Rocha (Porto, 11 de novembro de 1906 - Porto, 24 de fevereiro de 1993) foi  jornalista e escritor (e também espirita).

(...) Fez os estudos na sua cidade-natal. Empregou-se numa firma comercial, ao mesmo tempo que exercia o professorado no ensino livre. A sua vocação, porém, havia de orientá-lo para o jornalismo e assim, aos 18 anos de idade, principia a colaborar na edição de "O Comércio do Porto" (1924).

Em 1929 ingressou definitivamente para o quadro redactorial daquele diário portuense, e anos depois foi escolhido para chefe de redacção, lugar que ocupava em 1952.

Em paralelo ao trabalho absorvente no jornal, desenvolve projetos próprios, como o demonstram as diversas obras literárias que deixou, tendo ganho vários prémios literários e jornalísticos.

De 1949 a 1951 foi o diretor do "Actualidade", jornal semanal cultural e associativo, de propriedade da Associação dos Jornalistas e Homens de Letras do Porto. (...)

Apaixonado pela Música, dirigiu durante anos o mensário de canto coral "Orfeu" e foi crítico musical de "O Comércio do Porto". (...) (Fonte: Wikipedia)

(...) Em 1933 publicou seu primeiro livro, de crónicas africanas, intitulado Bayete,  e um volume de poemas intitulado Rapsódia Africana. Logo no ano seguinte publicou um ensaio intitulado Espiritualismo e a novela O homem que morreu no deserto.

Ao longo das décadas seguintes publicou numerosas obras, incluindo relatos de viagens de carácter impressionista aos Açores, à ilha da Madeira, à Índia Portuguesa e à Galiza. Também publicou alguns romances e várias obres sobre temas do esoterismo (...)  e do espiritismo.

A sua obra de viagens mais notável é um relato de um périplo pela Galiza, intituladas Itinerário na Galiza, obra complementada em 1961 e 1963 com os dois volumes intitulados Encontros da Galiza. A obra mereceu excelente colhimento à época. (...) (Fonte: Wikipedia)