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terça-feira, 9 de novembro de 2021

Guiné 61/74 - P22699: (De)Caras (182): os dois "ponteiros" de Bambadinca, o velho Brandão (da Ponta Brandão) e o histórico Inácio Semedo, de quem o Amílcar Cabral foi padrinho de casamento - II (e última) Parte


Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Bambadinca > Bairro Joli > Novembro de 2010 > "
A casa no Bairro Joli, perto de Santa Helena, onde estou a viver. Foi erguida por Inácio Semedo, que pertenceu ao PAIGC,  e que por isso foi obrigado a viver em Angola durante 7 anos. Um dos seus filhos, o Eng.º Fernando Semedo, procura pôr de pé o sonho do seu pai, dar vida ao projecto agro-industrial." (*)

Fotos (e legenda): © Mário Beja Santos  (2010). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné > Região de Bafatá > Carta de Bambadinca (1955) > Escala 1/50 mil > Posição relativa da Ponta Nova, junto ao Bairro Joli e a Santa Helena, e  Ponta Brandão,  entre Bambadinca e Fá Mandinga. 

 Eram as duas pontas com destilaria de aguardente de cana  que  restavam ao tempo do BART 2917 (Bambadinca, 1970/72).

Mas, antes da guerra,  havia outras pontas e outras destilarias, em Bambadinca. Explorando a carta de Bambadinca de 1955, encontramos mais pontas para além da Ponta Brandão e da Ponta Nova: por exemplo, Ponta Barbosa, a sudoeste de Fá Mandinga, Ponta Cabarande e Ponta Amaro (acima de Bissaque), mais a norte, na margem esquerda do Rio Geba Estreito... Mas também Ponta Gregório Mendonça, a nordeste de Bambadincazinho, e Ponta Mamadu, a sul...Havia ainda a Ponta Romão, a sul do campo de aviação de Bambadinca... Havia outra Ponta, sem nome, do outro lado do rio, a oeste da Ponta Amaro... Enfim, "manga de pontas", que havia à volta de Bambadinca antes do início da guerra... Quem seriam estes "ponteiros" ? O que lhes aconteceu ? 

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2021).


1. Diz a  história do BART 2917 (Bambadinca, 1970/72), que em Bambadinca restavam só duas destilarias de aguardente de cana (**).  

Uma delas era a da Ponta Brandão (***), sabemos nós de ciência certa. A outra pertencia a outro ponteiro, Inácio Semedo Sénior: foi o próprio filho Inácio Semedo Júnior que mo disse, em 2008. Mas só ontem localizámos na carta de Bambadinca a Ponta Nova, ao reler as crónicas do Mário Beja Santos, que revisitou Bambadinca e os seus arredores em novembro de 2010, crónicas a que deu nome "Operação Tangomau"(*).

A Ponta Nova e a sua destilaria pertenciam à família do Inácio Semedo, um histórico nacionalista, proprietário, de quem o Amílcar Cabral foi padrinho de casamento, 
numa cerimónia que se realizou justamente em Bambadinca,  no início dos anos 50, segundo informação do historiador e nosso saudoso amigo Leopoldo Amado (1960-2021).

Inácio Semedo, agricultor, proprietário, foi um nacionalista da primeira hora, que andou a conspirar com o Amílcar Cabral e outros históricos do PAIGC, e que como tal caiu nas malhas da PIDE. Condenado a dois anos de prisão, acabou por sair da Guiné e ir para Angola, onde viveu 7 anos (, segundo imformação do Beja Santos). 

O velho Semedo era pai do Inácio Semedo Júnior, que aderiu à guerrilha em 1964, tendo combatido no sul, e mais tarde, a seguir à independência, formou-se em engenharia na Hungria, onde se doutorou em ciências. Conheci-o em Lisboa, em 2008, estando afastado da vida política.  Disse-lhe que era uma pena se não escrevesse as suas memórias. Foi embaixador do seu país em Portugal e na Suécia. (****)

Falando, ao telefone, em 15 de outubro de 2008,   com ex-guerrilheiro e quadro do PAIGC, e ex-embaixador aposentado, apurei o seguinte:

(i) na altura, ele estava com 65 anos de idade, devendo  ter nascido, portanto, por volta de 1943;

(ii) era natural de Bambadinca;

(iii) era filho de Inácio Semedo Sénior, um histórico do PAIGC;

(iv) a família tinha propriedades na região; nomeadamente o pai tinha uma destilaria de aguardente de cana, tendo o costume de comprar arroz aos Brandão, de Catió, para alimentar os seus trabalhadores balantas de Bambadinca (possivelmente oriundos de Samba Silate, Nhabijões, Mero, Bairro Joli,  Santa Helena...);

(v) trocava-se, naquele tempo, aguardente por arroz, sendo o arroz do sul, o celeiro da Guiné, o melhor;

(vi) a Guiné era pequena e todo o mundo se conhecia antes da guerra;

(vii) disse-me ainda que estava então, em 2008, a ver se ainda recuperava parte do património da família em Bambadinca...

2. Sobre o Inácio Semedo, sénior, ver aqui a sua evocação pelo embaixador Carlos Frota (que em 2013 era x-embaixador de Portugal nas Coreias, ASEAN e Indonésia, docente da Universidade de S. José, Macau; passou três anos na Guiné-Bissau). (*****)

O Carlos Frota foi visitar o velho Semedo, à sua ponta, no Bairro Joli, nas imediações de Bambadinca, já depois da independênca. Ia acompanhado, dos dois filhos do velho Inácio Semedo, o mais velho, Júlio Semedo, na altura ministro dos negócios estrangeiros e um dos dirigentes históricos do PAIGC, e Inácio Semedo Jr, embaixador em Washington.

" (...) Revisitando a 'minha' Guiné, lembro com saudade muitas pessoas, algumas já desaparecidas,como José Baptista, jovem diplomata do Protocolo do MNE guineense, e passados poucos anos embaixador em Lisboa. (...)

Lembro-me também com respeitosa saudade de Inácio Semedo, sénior, nos seus setenta e muitos anos naquela época que nos recebeu, num domingo, para o almoço, na sua casa de Bambadinca, com a dignidade de um grande senhor que era.

Homem seco, de uma disciplina pessoal e frugalidade extremas, era proprietário agrícola e habituado por isso a exercer autoridade sobre quem estava sobre as suas ordens, fazendo-o de forma quase paternal. E todos lhe retribuíam com afectuoso respeito essa maneira de estar na vida."

Reunimo-nos à mesa, cheia de acepipes mais coloridos e bem cheirosos uns do que outros, com a família alargada, incluindo naturalmente o Júlio, ministro dos Negócios Estrangeiros, e o Inácio Junior, embaixador em Washington. E isto, entre as brincadeiras da criançada e ordens da dona da casa directamente para a cozinha.

Foi uma reunião de família, a qual fomos associados com a informalidade que só os africanos e poucos outros (nos portugueses incluídos) sabem ter.

E falou-se de tudo entre família, desaparecendo, logo à entrada da porta, o meu estatuto de diplomata português, para dar lugar, simplesmente e para meu grande prazer, ao do amigo. Meus filhos foram imediatamente “adoptados” também como os netos mais recentes.

E durante a conversa, ininterrupta, houve referências, naturalmente, à luta do PAIGC pela independência. Mas, dos casos relatados, não transparecia nenhum ódio, nem mesmo animosidade, para com o antigo inimigo.

Havia resignação sofredora, uma como que fatalidade pelo que acontecera, mas transposto “isso” (um “isso” que implicou, infelizmente, milhares de mortos, de ambos os lados) ressurgiram os afectos entre muitos, para além das barreiras da cor da pele e do estatuto social.

Tive aliás o ensejo de testemunhar essa estranha camaradagem entre velhos inimigos quando, como Encarregado de Negócios, fui anfitrião da primeira delegação militar portuguesa que se deslocou à Guiné depois de 1975-76.

Para minha estupefacção, e durante todo um jantar que ofereci a militares portugueses e seus interlocutores guineenses, eles trocaram entre si anedotas de “tugas” e “turras”, acabando tudo em risadas e abraços! Magnífico efeito da paz!

Nós éramos vizinhos do ministro Júlio Semedo. Estivemos na festa de baptizado da sua filha, como vizinhos normais que éramos. A única anormalidade foi que, durante um bailarico improvisado, dançámos numa sala onde havia um militar armado até aos dentes em cada canto, “apenas” porque entre nós estava também…o camarada presidente Nino Vieira…E entre bom vinho português, garrafas de cerveja Cicer (muito gostosa, de fabrico local) e galinha de churrasco, nas várias mesas dispersas pela sala e abundantemente providas, lá via de repente o olho de uma Kalashnikov apontada…a ninguém!

Estranha confraternização, realmente! (...)".


3. A família Brandão, de Catió, também deu pelo menos um militante do PAIGC, que ele, Inácio Semedo Júnior, irá conhecer na luta de guerrilha, no sul. Seria o Brandão Mané, de que já aqui falámos em tempo ? (******)

A família Brandão de Bambadinca  seria também aparentada com os Semedo,  se bem percebi na mibha coversa ao telefone com o Inácio Semedo Júnior em 15 de outubro de 2008.

Disse-me ainda que, aos 16/17 anos [, por volta de 1959/60,] veio estudar para Portugal, onde fez o liceu. Deve ter aderido ao PAIGC  e/ou saído de Portugal nessa época.  

Em 1964 [, com c. 21 anos,] vamos encontrá-lo, ao Inácio Semedo Jr, na guerrilha, no sul, sob as ordens do comandante Manuel Saturnino da Costa, irmão do Vitorino Costa, morto pela CCAÇ 153, do cap u«inf José Curto, em meados de 1962. 

Garantiu-me que nunca andou na guerrilha, na sua terra natal, Bambadinca, na zona leste. A orientação do PAIGC era, compreensivelmente, pôr os guerrilheiros em regiões diferentes daquelas onde tinham nascido e vivido, e tinham família, vizinhos e amigos.

Mais tarde (não percebi quando, exactamente) o jovem Inácio Semedo foi para a Hungria, onde tirou então o curso de engenharia e e doutorou-se. A seguir à independência trabalhou no Ministério das Obras Públicas, cujo titular da pasta era o Arquitecto Alberto Lima Gomes, mais conhecido por Tino, e que viria a morrer, mais tarde, num acidente de caça, actividade de lazer de que era um apaixonado.

Inácio Semedo Jr. vivia, em 2008, em Portugal, retirado da vida pública do seu país. Tinha um filho bancário. Confessou que não conhecia o nosso blogue, por não estar muito familiarizado com a Internet. Tinha endereço de e-mail mas era o filho que o ajudava a gerir a caixa de correio.

Continuava ligado ao seu partido de sempre, o PAIGC. Prometemo-nos voltar a contactar (, o que nunca mais voltou a acontecer, imfelizmente), quando houvesse maior disponibilidade, de parte a parte. Para falarmos da nossa Bambadinca ("hoje tão decadente, tão triste, tão morta"...), do nosso Geba Estreito ("onde já não circulam os barcos que lhe deram vida, cor e movimento"...), enfim, da "nossa Guiné" (onde o Inácio Semedo continuava a ir regularmente...).

Pergnto-me: o que será feito dele ?
 ___________

Notas do editor:

(*) Vd. postes de:

10 de dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7417: Operação Tangomau (Mário Beja Santos) (4): 20 de Novembro, de Bambadinca para o Bairro Joli

(...) Tangomau tem paciência. Já cumprimentou meio mundo, como não tem o caderno à mão não fixou nomes que se irão tornar tão comuns como Braima, Madjo, Aliu, Fatu ou Nhalim. Calilo no que resta de uma Renault Express leva-o até ao Bairro Joli, é em casa da família Semedo que se vai aboletar. É melhor ficar por aqui. É que muito há a dizer sobre o Bairro Joli e esta quinta que Inácio Semedo ergueu com tanto amor, muito antes da guerra. O importante é saber que a bola de fogo paira sobre os palmares de Finete quando ele é acolhido no Bairro Joli. E por hoje, ponto final. (...) 


15 de dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7440: Operação Tangomau (Mário Beja Santos) (5): Do Bambadincazinho para Ponta Varela

(...) A partir de Bambadinca, chega-se num ápice ao Bairro Joli, contíguo de Santa Helena. Por aqui andei no passado longínquo em missões pacíficas e em nomadizações hostis. Durante a guerra, comprava-se aqui gado, muito útil para os problemas de intendência de Missirá, os dois cabritos que Jobo Baldé ali assou no Natal de 1968, daqui vieram, seguiram pela bolanha de Finete num Unimog 411 e finaram-se na véspera de Natal, para gáudio de quem combatia e vivia naquele ponto do Cuor. Estes caminhos do Bairro Joli eram espiolhados devido à incontestável conivência de alguma população com os inimigos de Madina/Belel. Era o drama das relações de sangue de quem tinha optado pela luta ou ficado à sombra da bandeira portuguesa.

Em Santa Helena, Fá Balanta e Mero viviam comunidades balantas onde se acoitavam, à sorrelfa, civis e militares do mato, que procuravam informações, compravam tabaco ou sal, abasteciam-se de gado, traziam esteiras e produtos das suas hortas. Atravessavam o Geba estreito entre as bolanhas de Finete e Ponta Nova. Aparecíamos ao amanhecer em missões pouco conciliatórias e às vezes com inquirições duras. A verdade é que a comunicação, mesmo com mortes e feridos de permeio, nunca se interrompeu completamente. Ora é acima de Ponta Nova que eu vou habitar. Aqui se devotou Inácio Semedo a construir casa, destilaria e horta. A casa, basta ver a fotografia, é bem semelhante àquelas que se podiam ver em Malandim, Saliquinhé ou São Belchior, até mesmo no Enxalé, ao tempo. (..)



(****) Vd. postes de:


26 de outubro de  2008  > Guiné 63/74 - P3359: Em busca de ... (46): Inácio Semedo, agricultor de Bambadinca, um histórico do nacionalismo guineense (Pepito)

(...) Luís: Conheço muito bem o Inácio Semedo Jr.. É um bom amigo meu e pessoa por quem tenho muita consideração. Combatente da Libertação da Guiné-Bissau, sempre foi um Homem de Estado, com uma postura digna. (...)

Nada de estranho quando se é filho do já falecido Inácio Semedo, agricultor que, com o meu pai[ Artur Augusto Silva,] (...), fez parte de um grupo que nos idos de 50 pugnou pelo desenvolvimento do associativismo rural na então Guiné Portuguesa.

Quase 40 anos depois, tive a honra de o convidar a presidir às primeiras jornadas sobre o Associativismo Agricola na Guiné-Bissau. Fui a casa dele em Bambadinca para o efeito. Não estava lá, mas antes na sua propriedade agrícola onde o fui encontrar, já muito velhote, numa cadeira de rodas, a orientar os trabalhos. Uma verdadeira lição que nunca esquecerei.

Quando contactares o filho, ficarás rendido à sua simplicidade e maneira de ser. (...)

segunda-feira, 8 de novembro de 2021

Guiné 61/74 - P22696: (De)Caras (181): os dois "ponteiros" de Bambadinca, o velho Brandão (da Ponta Brandão) e o histórico Inácio Semedo, de quem o Amílcar Cabral foi padrinho de casamento - Parte I



Guiné > Região de Bafatá > Bambadinca (Sector L1 > Ponta Brandão, fevereiro de 1970: major Cunha Ribeiro (2.º cmdt do BCAÇ 2852, Bambadinca, 1968/70, de alcunha, o "major elétrico") na  ação psicossocial. Havia aqui uma destilaria, de cana de acúcar... Repare-se que a morança tem uma placa, no meio da parede, com "número de polícia": GU 23 (ou 27). A população parece ser balanta.


Guiné > Região de Bafatá > Bambadinca (Sector L1) > Ponta Brandão, uma "ponta" (exploração agrícola, com destilaria de cana de açúcar) que ficava nas imediações de Bambadinca, a caminho de Bafatá, na margem esquerda do Rio Geba Estreito... Na foto, o alf mil cav Jaime Machado (*).

Fotos (e legendas): © Jaime Machado (2015). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Ponta Brandão > 1970 > Dois velhos balantas,  um deles vestido apenas de um rudimentar tapa-sexo. Arquivo pessoal de Humberto Reis (ex-furriel miliciano de operações especiais, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71).

Foto: © Humberto Reis (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné > Região de Bafatá > Carta de Bambadinca (1955) > Escala 1/50 mil > Posição relativa de Nhabijões, Mero, Santa Helena, Fá Balanta e Ponta Brandão, núcleos populacionais consideradas, desde o início da guerra, como estando "sob duplo controlo", ou seja, com população (maioritariamente balanta) que tinha parentes no "mato" (zona controlada pelo PAIGC)... Em Finete, Missirá e Fá Mandinga havia destacamentos nossos: milícias e/ou Pel Caç Nat (52, 63)... Entre Bambadinca e Fá Mandinga ficava Ponta Brandão. Havia aqui uma destilaria, de cana de acúcar... O "ponteiro" era o velho Brandão.

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2014).


1. A Ponta Brandão veio,  de novo, à baila com a republicação  recente de mais uma das deliciosas  "estórias cabralianas" (**)... Oficial e cavalheiro, o "alfero Cabral", comandante do Pel Caç Nat 63 (Fá Mandinga e Missirá, 1969/71) conta-nos, com a sua inimitável e inefável  brejeirice, as peripécias da 
inesperada visita ao destacamento de Fá Mandinga de "tres alferes de Bambadinca, acompanhados de duas raparigas", uma, a "filha do Senhor Brandão [, da ponta Brandão]" e a outra,  "uma amiga de Bissau, cabo-verdiana".

Não sabemos a razão de ser da visita: por motivos de segurança, só se podia viajar, sem escolta,  à volta de Bambadinca. Fá Mandinga ficava ali à mão, a cerca de 5 km. Ia-se (e vinha-se),;de jipe, nas calmas. Por outro lado, em Fá Mandinga tinha sido uma antiga estação agronómica por onde se dizia ter passado, nos anos 50, o Engº Agrónomo Amílcar Cabral, licenciado pelo ISA- Instituto Superior de Agronomia, de Lisboa... O que parece não corresponder à verdade, mas, provavelmente, as "duas raparigas" eram simpatisantes do PAIGC e queriam ver, com os seus olhos,  o que restava dessas instalações onde o "pai da Pátria" alegadamente trabalhara vinte anos antes ...Ou então os três jovens e galantes alferes de Bambadinca (quem teriam sido eles? ) devem-lhes vendido essa patranha...

Havia uma outra ponta, em Bambadinca (diz a história do BART 2917) (***), mas eu nunca soube onde ficava exatamente . Presumo que essa pertencesse ao outra "ponteiro", Inácio Semedo, de que falaremos num próximo poste. Antes da guerra, teria havido outras mais pontas. 

Os balantas adoravam aguardente de cana. Por outro lado, os comerciamtes também trocavam aguardente de cana por arroz aos balantas, que eram grande orizicultores. Era natural que a guerrilha do PAIGC (ou os seus elementos locais, nomeadamente em Nhabijões, Mero e Santa Helena) viessem aqui, a Ponta Brandão, abastecer-se. A aguardente de cana era o uísque dos pobres. E sem álcool  ou droga ninguém faz guerras.

O Jorge Cabral conhecia, melhor do que eu, a Ponta Brandão (a escassos  quilómetros de Bambadinca, à esquerda da estrada para Bafatá, e a meio caminho de Fá Mandinga; ia-se lá por causa da aguardente de cana, dos leitoes, da fruta tropical e de .... uma certa bajuda, que devia ser filha ou mais provavelmente neta do velho Brandão).
 
2. Recorde-se que na Guiné o vocábulo "ponta" quer dizer propriedade agrícola, exploração agrícola, horta, em geral junto a um curso de água, na margem de um rio, e o nome estava muitas vezes associado ao seu proprietário, cabo-verdiano ou "tuga": por exemplo, Ponta do Inglês, Ponta João da Silva, Ponta Luís Dias, Ponta Nova, no Rio Corubal.. Mas havia muito mais pontas pelo interior da Guiné: por exemplo, pela Carta de Farim, verifica-se que havia diversas pontas ao longo do curso do Rio Farim:

Ponta Caeiro
Ponta Fernandes
Ponta Paulo Cumba
Ponta Camilo
Ponta Pinto
Ponta Manuel Rodrigues
Ponta Boa Esperança
Ponta Cabral
Ponta Francisco Monteiro
Ponta Simão, etc.

Com o início da guerra, grande parte destas explorações agrícolas foram abandonadas...

Está, de resto, por fazer a história das pontas na Guiné (****)... Na carta de Cacheu / São Domingos, fui encontrar o topónimo, Ponta Salvador Barreto... Em Bambadinca, havia a Ponta Brandão... Fui lá algumas vezes... No Xime, a Ponta Coli, a Ponta Varela...

Há muitas histórias, ligadas às Pontas, que estão por contar... Mas a nossa curiosidade ficará, em muitos casos, por satisfazer: afinal, quem era o Varela ? E o Inglês ? E o Salvador Barreto ?

Mesmo em relação a Ponta Brandão... Q
uem era o velho Brandão?  A sua origem, a sua historia?... Seria também um desterrado? ... Não temos bnenhuma foto dele, só do sítio (e de parte da sua destilaria). Mas na Ponta Brandão haveria mais população, e nomeadamente balanta, gente que no passado trabalhava o arame ele, na ponta e na destilaria...
Enfim, do velho  Brandão, sabemos pouco, embora a malta de Bambadinca, do meu tempo (1969/71), lá fosse com alguma frequência... Afinal, era um vizinho.

Eis aqui alguns testemunhos, já em tempos aqui publicados (*****):

(i) Torcato Mendonça (1943-2021) (, o nosso saudaso amigo e camarada passou por Fá Mandinga, antes da da sua CART 2339, 1968/69, ter sido colocada em Mansambo):

(...)  Não sei se a Ponta Brandão de que falas, se refere a uma quinta, algures entre Fá e Bambadinca, e pertencente a um português há muito radicado na Guiné. Creio que por razões de ordem politica.

Tenho disso uma recordação muito fraca. O vagomestre parece que ia lá comprar vegetais. Passei lá uma ou duas vezes. O Velhote tinha quatro ou cinco filhos, já homens e mulheres, mais velhos que nós. Falei com, pelo menos, um dos filhos. Contou-me que, antes da guerra certamente, caçavam no Geba jacarés e outro tipo de caça naquela zona, etc.

O Velhote tinha uma destilaria. Estando a fazer aguardente de cana,quando por lá passei, agarrou num copo em bambú, encheu e bebeu a aguardente de um trago. Como quem bebe água fresca. Depois, noutro copo, deitou aguardente e deu-me a beber. Foi o liquido mais forte que bebi... deslizava e queimava... e ele olhava... respirei fundo e soprei forte. Fiquei desinfectado. O fulano sorrindo disse ter-me portado bem. 

A minha memória dessa destilaria é fraquissima. Há outro pormenor mas é com a "inteligência" de Bambadinca. O Jorge Cabral e outros militares que passaram por Fá, certamente lembram-se desta família. Será Brandão? Não sei.


(ii) Luís Graça:


(...) Também lá fui uma ou outra vez. Ponta quer dizer quinta. Logo havia lá criação (leitões, por exemplo), horta e fruta (abecaxis, por exemplo). Julgo ter lá ido algumas vezes quando algum de nós estava de sargento de dia à messe (ou sargento de mês, mais exactamente)... 

O Jaime  (Soares Santos), o nosso vaguemestre (da CCAÇ 12), batia região à cata de matéria-prima para satisfazer o apetite voraz da messe de Bambadinca (as meses de sargentos e de oficiais eram separadas, mas a cozinha era a mesma)...

O Jorge Cabral também conhecia a Ponta Brandão, que de resto ficava perto de Fá... Mas tudo aquilo, a começar pela casa, tinha um ar decadente...

Já não posso jurar se a família era de origem metropolitana, ou cabo-verdiana... Sei que a família Brandão de Bambadinca era aparentada com os Brandão de Catió... Uns e outros tinham fama de ter gente no PAIGC. Já os Semedos tinham fortes ligações ao PAIGC (...)

(iii) António Rosinha:

Quando se fala nestas figuras de comerciantes ou agricultores, neste caso com o nome de Brandão, que na Guiné é um dos nomes de colonos históricos, noutras ex-colónias há outros nomes também com história, estamos a falar dos verdadeiros colonizadores "à lá portuguesa".  

Estes homens, sem disso terem consciência, chegaram e abriram caminho e serviram de intérpretes, a missionários católicos e outros, a chefes de posto e administradores e militares.

Estes comerciantes raramente foram alvo de um estudo, que analizasse as suas grandezas e misérias. Mas todos os governantes, desde o Diogo Cão até ao Gen Spínola, secundarizaram estas pessoas, quando devia ter sido o contrário.

Os africanos (indígenas) davam mais importância a um comerciante do que a um governador geral ou a um missionário ou chefe de posto.

Em relação à guerra, tiveram um papel tão importante, para o bem ou para o mal, que podemos dizer que os milhares de Brandões na África portuguesa, foram os pais e os avós da maioria dos teóricos fundadores, do MPLA, PAIGC e FRELIMO, movimentos que secaram outros em volta, e com isso, talvez ainda sobre alguma coisa no fim de isto tudo.

Estes comerciantes, a maioria analfabetos, ou quase, chegavam a falar um dialeto ou mais que um, continuarão a ser olhados de soslaio por qualquer militar que, ao fim de 24 meses, não chegava a comprender aquela africanização, para não dizer outros nomes.

Estes portugueses de Áfricas e Brasis foram a história mais importante da diáspora portuguesa. Em geral viajaram com passagem paga por eles. Muitos netos dessa gente veio para o meio de nós em pontes aéreas. (*****)

(iv) Jorge Cabral:

Confirmo. Fui visita assídua do Senhor Brandão, principalmente durante as férias da filha que trabalhava em Bissau. Era natural de Viana do Castelo ou da Póvoa de Varzim, já não me recordo bem. Teria na altura quase 80 anos, mais de 40 de Guiné e muitos filhos. (******)

A aguardente de cana era fogo... mas matava qualquer bicho, mesmo os imaginários...

(Continua)
___________



(***) Vd. poste de 16 de junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6601: Elementos para a caracterização sociodemográfica e político-militar do Sector L1 (6): Povoações sob controlo IN; Recursos; Clima e meteorologia; Dispositivo e actuação da guerrilha (Benjamim Durães / J. Armando F. Almeida / Luís Graça)