Guiné > Zona Leste > Sector L1 (Bambadinca) > Brasão da CART 2339 (Fá Mandinga e
Mansambo, 1968/79)
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Carlos Marques Santos (2005). Direitos reservados.
Guiné > Zona leste > Sector L1 > Bambadinca > Mansambo > CART 2339 > 1968 > O terceiro e penúltimo Comandante da Companhia (um Capitão do QP, de artilharia, com o seu metro e oitenta e tal de altura, assinalado com um círculo a amarelo). Atrás de si, o comandante do Batalhão 2852, Tenente-Coronel Pimentel Bastos, também conhecido por Pimbas. Ao todo, a CART 2339 teve seis comandantes, sendo três capitães, um miliciano e dois do QP, um tenente do QP graduado em capitão, e ainda dois alferes milicianos, nos interregnos... (LG)
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Torcato Mendonça (2006) . Direitos reservados
Início de mais uma série de estórias do Torcato Mendonça que foi Alf Mil da
CART 2339, Mansambo, 1968/69. Vamos chamar-lhe estórias de Mansambo, aquartelamento construído heroicamente, de raíz, pelo pessoal da CART 2339 (1).
Começo então pela…
Dança dos Capitães. Uso as iniciais dos nomes. O nome completo será enviado ao Luís Graça, no fim de cada estória. Não é medo. Creio que muitos estão vivos e, devido a um texto recente, achei preferível fazer assim. Assunto a resolver quando do envio. Assumo tudo o que escrevo e, uma vez enviado, deixa de ser meu. Ou seja, o Luís Graça publica ou não da forma que entender.
Conto, procurando ser o mais fiel possível, a experiência vivida por mim e pela minha Companhia há 40 anos.
A Companhia Independente de Artilharia 2339, foi formada em Setembro de 1967. A Unidade mobilizadora foi o RAL 3 de Évora. Na mesma data, para não ficar só, teve uma irmã gémea, a CART 2338. Ambas foram para a Guiné e para o Leste. Nós, CART 2339, dependentes de Bambadinca (sede do Sector L1) e de Bafatá (sede do Agrupamento nº 2959), eles para a zona de Nova Lamego (Gabu).
Em Évora, eram comandadas, aquando da formação, por Capitães Milicianos.
O primeiro capitão, miliciano e arquitecto...
O meu comandante teria cerca de trinta anos ou um pouco mais, arquitecto de profissão, casado. Era o Capitão Mil M. de C. Não pretendia ter grande
profissionalismo militar. Procurava o convívio aberto, próprio de quem era uma excelente pessoa na vida civil. Sentia-se que, o
ser militar não lhe agradava. Também não tinha grande apreço, estou a ser leve, pelo regime. Nem eu. Soube-o, porque nas escolhas dos nomes para a companhia sugeriram, Centuriões ou Pretorianos. Influências dos livros de Jean Laterguy, sobre as guerras na Indochina e Argélia. O Capitão M. de C. disse-me:
- Olhe que isso tem a ver com Roma mas também com Mussolini.
Falava-se com cuidado. O assunto também seria tratado do mesmo modo. Procurou-se outro nome. Surgiu, sabe-se lá como, o nome do Chefe
Guerrilheiro Lusitano Viriato. Ficou a Companhia com o nome
Os Viriatos. Como diria Bocage, foi pior a emenda que o soneto. Os portugueses que ajudaram Franco tinham esse nome (2).
Um dia o Capitão informou-nos:
- Devido a doença vou ser internado e, pelos exames já feitos, as doenças de pele, que é o meu caso, não se dão bem em climas tropicais...
Foi internado e não mais voltou. Ficamos assim órfãos do 1º Comandante. Pouco tempo depois ficámos sem um aspirante. Uma lesão num pé e tornozelo levou-o ao Hospital Militar Principal. Não mais regressou também.
2ª Comandante: Um tenente com uma comissão em Angola
Veio o 2º Comandante. Era um Tenente, mais tarde graduado em Capitão. Já tinha feito uma comissão em Angola. Após o regresso continuou como militar. Mais tarde, por razão que desconheço, foi mobilizado e enviado para a CART 2339.
Ainda participou connosco na instrução e fez a semana de campo. Estávamos acampados, próximo de Évora em Novembro de 1967 (2), quando das grandes cheias mais sentidas, principalmente na periferia de Lisboa. A imprensa
livre de então relatou bem o que se passou. País amordaçado!
O 2º Comandante da 2339, Capitão L., foi connosco para a Guiné. Por lá andou talvez até Agosto de 68. Se consultarmos o Historial da Companhia vemos que os castigos ou punições terminaram com a saída dele. Posteriormente, uma ou outra, sem intervenção directa de ninguém da Companhia.
O nosso Comandante um dia regressou à Metrópole. Veio, segundo creio, frequentar a Academia Militar. Não sei nem me interessa a carreira militar por ele seguida.
Enquanto esteve connosco, quantas operações fez? Duas ou três? Não sei. Não falo mais dele. Gostei do 1º Comandante pois era uma óptima pessoa. Deste não gostei e não me dei bem com ele.
3º Comandante: um tipo alto, com o seu metro e oitenta e tal...
Ficou a Companhia a ser comandada pelo Alferes Cardoso.
Um dia, no início de Outubro de 68, regressava eu de uma operação e, na subida para o aquartelamento de Bambadinca, sentido Rio Geba ou estrada de Bafatá para o aquartelamento, uma viatura negou-se a cumprir a missão e não subiu. Salta militar e o Unimog recua, desgovernado. Percorre curta distância, entra na valeta e pára meio virado.
Veio gente e gera-se o burburinho do costume. A situação estava controlada. No meio das tropas surge um Capitão, camuflado novo, voz forte e ordem pronta vinda do alto do seu metro e oitenta e muito. Não sabia quem ele era e achei que devia pertencer a outro filme. Dirigi-me a ele, pus-me em sentido e disparei:
- Meu capitão, sou o comandante da coluna, tenho a situação controlada e se precisar de ajuda trato disso.- A resposta veio rápida:
- Sei quem você é, já me falaram de si e esperava-o. As ordens dou-as eu. Sou o seu comandante de Companhia.
Melhor apresentação não podia ter acontecido. Se com o 2º Capitão tinha corrido mal, com o 3º prometia!
Aí estava o terceiro comandante da 2339, Capitão do Quadro Permanente (QP), quase a passar a major e a iniciar a sua terceira comissão, a primeira na Guiné, o seu nome era M. S. A apresentação não foi pacífica mas o relacionamento foi bom. Meses depois, quando o Capitão M. S. comandava a Bataria de Artilharia em Bissau, ajudou alguns militares da sua ex-companhia que continuava com a base em Mansambo.
Foi curta a passagem do 3º Comandante. A Companhia, em Outubro de 68 atravessava um período menos bom. As condições do aquartelamento em tempo de chuvas eram péssimas e a parte militar também não ia bem. O desastre da fonte (4), dois mortos e vários feridos graves, estava bem presente. Cedo o Capitão disso se apercebeu. Tentou e em parte conseguiu, melhorar as condições de vida da companhia.
Operacionalmente, cedo se apercebeu também, haverem muitas diferenças entre os dois teatros de operações – Angola/Guiné. Creio ter feito só uma operação. Bem falava dos seus feitos em Angola. A operação que fez foi ao Burontoni. Azar do Capitão. Correu mal, demasiado mal e foi abortada. Adoeceu, pouco tempo depois, com um problema doloroso e veio até Bambadinca. Assim se finou a passagem do 3º Comandante da 2339. Convenhamos que perder tanto capitão é obra.
O 4º, o último e o verdadeiro comandante da companhia
Passado algum tempo, finalmente, aparece o verdadeiro Comandante da nossa Companhia.
Recebemos, em Dezembro de 68, a visita do nosso antigo Comandante, acompanhado de um outro Capitão. Viemos a saber ser o Capitão L.H. do QP, também na sua 3ª comissão. Era mais novo, vinte e oito anos creio eu, mais baixo na estatura, mais alto na operacionalidade e não só. Um verdadeiro profissional, mesmo com alguma mazela provocada pelas duas comissões anteriores. Era o Comandante que uma Companhia com o perfil da nossa necessitava. Comandou a 2339 em cerca de metade da comissão.
A ele se deveu o elevar da moral, da auto-estima, operacionalidade e um novo ritmo na construção do aquartelamento. Melhoraram os aspectos sanitários, de saúde, alimentação. Logicamente tivemos, a partir daí, uma melhor qualidade de vida. Mesmo assim, foi-nos difícil manter aquele ritmo de operacionalidade, apoio à construção de Manssambo, autodefesas e não só.
Apesar de um melhor comando, não foi fácil. No final da comissão deixou-me saudades. Certamente aos outros militares também. Tinha menos tempo de comissão e ficou em Bissau.
O último comandante fui eu, o sexto se contarmos com o Alf Cardoso. Já a terminar a comissão, o Cardoso veio para o Hospital em Bissau. O estômago atraiçoou-o. Felizmente esperava-nos à chegada em Lisboa.
Se bem me lembro, quarenta anos depois, os acontecimentos ora relatados passaram-se assim. Claro que havia muito mais a relatar. Talvez não tenha interesse. Fica para outras estórias.
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Notas de L.G.:
(1) Vd. post de 30 de Dezembro de 2005 >
Guiné 63/74 - CDI: Mansambo, um sítio que não vinha no mapa (3): Memórias da CART 2339 (Luís Graça / Carlos Marques dos Santos)
(2) Vd. Fundação Mário Soares > Arquivo & Biblioteca >
Guerra Civil de Espanha 1936/39
(3) Na noite de 25 para 26 de Novembro de 1967 registou-se, na região de Lisboa, precipitação intensa e concentrada, tendo atingido, na estação de São Julião do Tojal, no concelho de Loures, 111 mm em apenas 5 horas (entre as 19h e as 24 h do dia 25). As estações da região de Lisboa registaram, nesta data, cerca de um quinto do total da precipitação anual. A dimensão da tragédia foi ocultada pelo regime de Salazar, através da censura: cerca de 500 pessoas perderam a vida, e cerca de 1100 ficaram desalojadas ou viram as suas casas serem seriamente danificadas, muitos quilómetros de estradas ficaram destruídos... Estimaram-se os prejuízos em mais de milhões de dólares, preços da época. Fonte: Geologia Ambiental > Cheias >
Casos de Estudo > As Cheias de Novembro de 1967 em Lisboa
(4) Sobre a fonte de Mansambo e as suas tragédias, vd. posts de:
5 de Novembro de 2006 >
Guiné 63/74 - P1248: Monteiro: apanhado à unha na fonte de Mansambo em 1968, retido pelo IN em Conacri, libertado em 1970 (Torcato Mendonça)
2 de Maio de 2006 >
Guiné 63/74 - DCCXXV: Do Porto a Bissau (12): A fonte de Mansambo (Albano Costa)
14 de Abril de 2006 >
Guiné 63/74 - DCCVIII: A emboscada na fonte de Mansambo (19 de Setembro de 1968) (Carlos Marques dos Santos)