segunda-feira, 1 de janeiro de 2018

Guiné 61/74 - P18164: Ai, Dino, o que te fizeram!... Memórias de José Claudino da Silva, ex-1.º cabo cond auto, 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Capítulo 18: Os substitutos dos 'Capicuas' [CART 2772]


Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3ª CART / BART 6520/72 (1972/74) > A estante do quarto (, de 3 x 2 m,) dos "Mórmones de Fulacunda":  o Dino, o Omar, o Meira e o Lee.
  

Foto (e legenda): © José Claudino da Silva (2017). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Continuação da pré-publicação do próximo livro (na versão manuscrita, "Em Nome da Pátria") do nosso camarada José Claudino Silva:





Nascido em Penafiel, em 1950, criado pela avó materna, reside hoje em Amarante. Está reformado como bate-chapas. Tem o 12º ano de escolaridade. Foi um "homem que se fez a si próprio", sendo já autor de dois livros, publicados (um de poesia e outro de ficção). Tem página no Facebook. É membro nº 756 da nossa Tabanca Grande .

Sinopse:

(i) foi à inspeção em 27 de junho de 1970, e começou a fazer a recruta, no dia 3 de janeiro de 1972,no CICA 1 [Centro de Instrução de Condutores Auto-rodas], no Porto, junto ao palácio de Cristal;

(ii) escreveu a sua primeira carta em 4 de janeiro de 1972, na recruta, no Porto; foi guia ocasional, para os camaradas que vinham de fora e queriam conhecer a cidade, da Via Norte à Rua Escura.

(iii) passou pelo Regimento de Cavalaria 6, depois da recruta; promovido a 1º cabo condutor autorrodas, será colocado em Penafiel, e daqui é mobilizado para a Guiné, fazendo parte da 3ª CART / BART 6250 (Fulacunda, 1972/74);

(iv) chegada à Bissalanca, em 26/6/1972, a bordo de um Boeing dos TAM - Transportes Aéreos Militares; faz a IAO no quartel do Cumeré;

(v) no dia 2 de julho de 1972, domingo, tem licença para ir visitar Bissau,

(vi) fica mais uns tempos em Bissau para um tirar um curso de especialista em Berliet;

(vii) um mês depois, parte para Bolama onde se junta aos seus camaradas companhia; partida em duas LDM parea Fulacunda; são "praxados" pelos 'velhinhos', os 'Capicuas", da CART 2772;

(viii) Faz a primeira coluna auto até à foz do Rio Fulacunda, onde de 15 em 15 dias a companhia era abastecida por LDM ou LDP; escreve e lê as cartas e os aerogramas de muitos dos seus camaradas analfabetos;

(ix) é "promovido" pelo 1º sargento a cabo dos reabastecimentos, o que lhe dá alguns pequenos privilégio como o de aprender a datilografar... e a "ter jipe";

(x) a 'herança' dos 'velhinhos' da CART 2772, "Os Capicuas", que deixam Fulacunda; o Dino partilha um quarto de 3 x 2 m, com mais 3 camaradas, "Os Mórmones de Fulacunda".


2. Ai, Dino, o que te fizeram!... Memórias de José Claudino da Silva, ex-1.º cabo cond auto, 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Capº 18: Os substitutos  


[O autor faz questão de não corrigir os excertos que transcreve,  das cartas e aerogramas que começou a escrever na tropa e depois no CTIG à sua futura esposa. Esses excertos vêm a negrito. O livro, que tinha originalmente como título "Em Nome da Pátria", passa a chamar-se "Ai, Dino, o que te fizeram!", frase dita pela avó materna do autor, quando o viu fardado pela primeira vez. Foi ela, de resto, quem o criou. ]


18º Capítulo > OS SUBSTITUTOS


Apesar das muitas festas em honra dos soldados que iam deixar Fulacunda [, da CART 2772,], a população nativa andava triste. Os velhos iam partir.

Durante dois longos anos, os “Capicuas” tinham angariado imenso prestígio entre a população, evitando muitas vezes que corresse perigo e socorrendo, tanto com alimentação como medicamentos deles próprios algumas enfermidades que a apoquentasse. Agora que os “Capicuas” partiam, notava-se algum receio. Seria que nós, os novos, estaríamos à altura dos que fomos substituir?

Posso garantir que nos comportámos dignamente. Sendo nós os últimos militares naquela região, antes da independência da Guiné, garanto, e posso provar, que os soldados da 3ª Companhia, do Batalhão 6520 que cumpriram a sua missão entre 72/74 do século XX foram, dentro do que lhes foi humanamente possível, excedíveis no cumprimento da sua missão. Em todos os aspectos. Salvaguardando, naturalmente, e de forma patriótica, o nome de Portugal. Esse que actualmente nos repudia e desconsidera.

Falo nisto porque, inclusive na altura, escrevi que até os cães e os gatos deixaram de brincar, depois que aqueles heróis partiram.

Partiram uns, ficaram outros não menos heróicos.

A carta que escrevi em 27 de Agosto tem oito páginas, mas resumidamente digo o que eu e mais três colegas recebemos, na véspera da partida dos velhinhos, no seu regresso a casa.

Tenho lá tudo mencionado, nas folhas já amarelecidas pelo tempo.

Primeiro esclareço que os quatro fomos parar a esse local porque foi antes ocupado pelos soldados que substituímos. Um dos quatro foi, e continua a ser, um dos meus maiores amigos. Tem nome: José Leal.

Recebemos um quarto com quatro camas, estante, ventoinha e candeeiro eléctrico. Quase porta com porta, um sólido abrigo antibomba, que também servia de cozinha. Nele existia uma máquina a petróleo, um tacho, uma panela, duas cafeteiras, uma frigideira, cinco pratos e quatro copos, diversas latas e garrafas. Enfim, tudo de que necessitássemos para cozinhar, desde que conseguíssemos os ingredientes.

Os aposentos palacianos tinham as seguintes áreas: O quarto - três metros por dois; o abrigo - quatro por dois. Nunca percebi porque não dormíamos nos abrigos, como todos os meus colegas. Estes, os abrigos eram subterrâneos para a população e em cimento armado para os militares. As paredes e teto teriam cerca de um metro de grossura. Estavam colocados em pontos estratégicos ao redor da “Vila”. Pista 1. Pista do Meio. Pista 2. Buba. Brutus. Lagartos. Torre.

Cada um tinha um espaço muito reduzido. No seu interior, doze camas amontoadas. A maioria dos que lá viviam eram os soldados atiradores. Os especialistas, tal como hoje, tinham um pouquinho mais de conforto. O certo é que estávamos protegidos. Eu acreditava mesmo nisso.

O nosso “palácio” não tinha nome; baptizámo-lo com o sonante nome “Refúgio dos Mórmones”.

Os quatro "Mórmones de Fulacunda"  rapidamente, e através do Programa das Forças Armadas [PFA] da Emissora Regional da Guiné, seriam conhecidos por toda a província. Éramos o Omar, o Dino, o Meira e o Lee.

Os velhotes partiram no dia seguinte.
– Boa viagem, “Capicuas”.
– Obrigada,  3ª Companhia. Encontramo-nos na Metrópole daqui a dois anos.

(Continua) (**)

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Notas do editor:


(**) Fora da série foram já publicados dois capítulos (25º e 34º)  relativos à quadra natalícia de 1972:


22 de dezembro de 2017 > Guiné 61/74 - P18122: O meu Natal no mato (43): as mensagens natalícias de 1972, gravadas pela RTP a 23 de outubro... E se a gente morresse, entretanto ?...Como não tinha pai nem vivia com a minha mãe ou com os meus irmãos, tive de dizer “querida avó” e mais umas balelas obrigatórias... (José Claudino da Silva, ex-1º cabo cond auto, 3ª CART / BART 6520/72, Fulacunda, 1972/74)

Guiné 61/74 - P18163: Notas de leitura (1028): “Dinâmica da arte Bijagó, Guiné-Bissau – contribuição para uma antropologia da arte das sociedades africanas”, por Danielle Gallois Duquette, editado pelo Instituto de Investigação Científica e Tropical, 1983 (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 13 de Abril de 2016:

Queridos amigos,
Não é novidade para ninguém que as peças de arte dos Bijagós e dos Nalus são procuradas por museus e colecionadores particulares de todos os cantos do mundo, conferem a esta arte um elevadíssimo grau de imaginação, um sentido estético apuradíssimo e uma criatividade transbordante nas figuras antropomórficas.
A autora esteve presente no arquipélago durante vários períodos da década de 1960, gerou confiança de chefes, religiosos, artistas e procurou entender a dinâmica socio-religiosa de um povo cioso da sua autonomia e da sua vida social horizontal. O artista Bijagó (não esquecer que toda esta investigação decorreu nos anos 1960) está no centro das tensões dinâmicas, tem que cumprir à luz da exigências de quem encomenda dentro do arquipélago e é confrontado com uma procura extremada: a dos colecionadores que buscam peças muito apuradas e um mercado de consumo alargado que se satisfaz com o bom, bonito e barato.

Um abraço do
Mário


Dinâmica da arte Bijagó

Beja Santos

O livro “Dinâmica da arte Bijagó, Guiné-Bissau – contribuição para uma antropologia da arte das sociedades africanas”, por Danielle Gallois Duquette, editado pelo Instituto de Investigação Científica e Tropical, 1983, é o resultado de um trabalho de pesquisa iniciado em 1972, que se prolongou por toda a década e a elaboração do documento final foi a etapa seguinte.

A autora adquiriu os seus diplomas universitários no desenho de arte e confessa a paixão que lhe despertou toda a produção plástica Bijagó, particularmente a estatuária. Trabalho aturado, de convivência com as populações Bijagós que em certas matérias foram extremamente reservadas, há segredos que não podem ser revelados. A autora orgulha-se de ter conseguido um dossiê fotográfico contendo 300 obras observadas no terreno ou nos museus ocidentais. A par da arte Nalu, a arte Bijagó é disputada pelos mais conceituados museus etnológicos em todo o mundo. Explicando a sua investigação diz-nos que o seu trabalho de campo passou por analisar os mecanismos socio-religiosos, é um trabalho que faz apelo ao facto estético total, isto é os objetos fabricados, a indagação da cultura material, o estudo das indumentárias efémeras, o conhecimento da mímica, da dança, dos cantos, da música e da palavra. Considera-se seguidora de Claude Levi-Strauss para explicar que o estudo das máscaras induz o conhecimento dos mitos, pode-se, por comparação, concluir quanto às migrações geográficas.

Prévio ao trabalho de campo foi a elaboração de um questionário em que se procurou aprofundar o conhecimento da estatuária, ornamentos de cerimónia, organizou-se um álbum de trabalho antigos realizados no arquipélago. Como fazem os antropólogos e os etnólogos, a autora muniu-se de ferramentas de escultura que depois trocou com os artistas que lhe permitiram fotografar as suas obras durante o processo de evaporação e aceitaram responder às questões que ela lhes ia pondo.


Seguindo a estrutura da obra, temos um primeiro capítulo onde se dissecam as estruturas sociais dos Bijagós, a organização espacial e arquitetónica dos seus aldeamentos e a configuração dos objetos usuais; no segundo capítulo, procura dar-se a ideia da partilha dos poderes através do estudo dos santuários, pinturas parietais e emblemas usados pelas famílias reais; os terceiro e quarto capítulos tratam dos ritos iniciáticos masculinos e femininos que são fundamentados sobre o estudo da arte do corpo e do aparato cerimonial; o quinto capítulo mostra os aspetos essências da escultura Bijagó, no capítulo seguinte procura-se distinguir o significado da morfologia e no último capítulo compara-se a produção plástica atual com a produção tradicional.

Dissertando sobre a origem dos Bijagós, o que é dado como seguro é a sua origem nilótica, tal como os Balantas são uma sociedade horizontal em que a chefia é repartida pelo Conselho dos Anciãos (a Grandeza), os reis e os sacerdotes. São fundamentalmente animistas. Desde a independência, e com êxito relativo, o PAIGC tem procurado disciplinar o tempo do fanado, proibiu que se batesse nos jovens durante a iniciação do fanado e estipulou que os períodos de iniciação devem decorrer durante as férias escolares; procurou igualmente proibir que os mortos pudessem vir a ser enterrados nas habitações.

A habitação Bijagó, como a Balanta é construída numa elevação de terra com cerca de 30 cm e dotada de um galeria circular exterior. A autora comenta a organização interna do espaço e mostra como os espíritos da família são alvo de um tratamento especial. O utilitarismo estético é muitíssimo apurado e a autora socorre de um exemplo comezinho como são as fechaduras com tratamento decorativo. Passando para os símbolos do poder, é detalhado a simbologia do altar do santuário e a importância da disposição dos participantes nas cerimónias religiosas.


Os Bijagós continuam a prezar a sua autonomia e a imagem que deles vem do passado não é lisonjeira, tirando a bravura, os vários autores que sobre eles escreveram revelam a sua barbaridade, falando de sacrifícios em que os seres humanos eram enterrados com reis, o historiador António Carreira descreveu as reações do Governador Correia e Lança, em 1889, contra a tirania dos reis que sacrificavam crianças, metendo-as nos túmulos com os cadáveres dos dignatários que acompanhavam o falecido no outro mundo. Detalhando a organização, a autora fala sobre o Conselho dos Anciãos como um dos vetores do poder social, apresenta as principais figuras do poder religioso e do poder iniciático, com sacerdotisas, padres e mestres do fanado. Como as de mais sociedade africanas, os Bijagós prezam as classes de idade, dividem a vida do nascimento à morte, o ancião é encarado como o espalho da sabedoria. Entrando nos aspetos etnológicos e antropológicos, são referidas as apresentações dos amuletos corporais, é dito que na sociedade dos Bijagós não há circuncisão nem mutilação genital mas existe a iniciação nos segredos da vida sexual e até no conhecimento dos métodos abortivos.

Centrada agora na arte, a autora descreve os materiais escultóricos e as figuras onde primam os irãs antropomórficos. A escultura tem três direções: motivação religiosa, utilitária e iniciática. Povo hospitaleiro, os Bijagós marcam distâncias, sempre consideraram os continentais como estrangeiros. A independência suscitou ao artista Bijagó novas questões: há missões religiosas que apoiam o fomento do artesanato vendido nalguns locais das ilhas e nalgumas lojas de Bissau. Há compradores que disputam as peças elaboradas utilizadas sobretudo nas danças e rituais, há uma escultura de caráter comercial que vulgariza a arte dos bancos e dos deuses, e no final do seu trabalho a autora interroga-se até que ponto o turismo e a necessidade de sobreviver vendendo obras mais baratas e vulgares não está a afetar a genuinidade artística Bijagó. Importa saber se a arte Bijagó mereceu outros estudos complementares a este, depois da década de 1980.
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Nota do editor

Último poste da série de 29 de dezembro de 2017 > Guiné 61/74 - P18153: Notas de leitura (1027): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (15) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P18162: Manuscrito(s) (Luís Graça) (135): Bons augúrios para 2018!


Marco de Canaveses > Paredes de Viadores > Candoz > Quinta de Candoz > 30 de dezembro de 2017


Foto (e legenda): © Luís Graça (2017). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



O soneto da pitonisa: bons augúrios para 2018


Eis-nos chegados ao fim de mais um ano:
o tempo voa, agora é só memória,
morreu o fulano, nasceu o beltrano,
que nos importa quem  fica p'ra história ?!

Os amigos que já não estão entre nós,
lembrá-los só nos traz  melancolia...
Velhos e novos, netos e avós,
vamos mas é todos para a folia!

Que excitação, as dozes badaladas,
não no sino mas na televisão,
abre-se o champanhe e bebe-se às golfadas.

Deslumbra-nos o fogo de artifício,
e a pitonisa tem uma feliz visão:
o novo ano é de bom auspício!

Luís Graça

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Guiné 61/74 - P18161: Parabéns a você (1366): Margarida Peixoto, Amiga Grã-Tabanqueira

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Nota do editor

Último poste da série de 31 de Dezembro de 2017 > Guiné 61/74 - P18155: Parabéns a você (1365): Adelaide Barata Carrelo, Amiga Grã-Tabanqueira

domingo, 31 de dezembro de 2017

Guiné 61/74 - P18160: (In)citações (113): Os Sexalescentes do Século XXI, por Miriam Goldenberg (Artur Conceição)

Com a devida vénia à sua autora, Miriam Goldenberg, reproduzimos este seu artigo que nos enviou o nosso camarada Artur Conceição, um incentivo para que em 2018 continuemos activos, ocupando o corpo e a mente, por exemplo enviando para o Blogue as memórias de guerra e as fotos que "preguiçosamente" vamos guardando só para nós.


Os Sexalescentes do Século XXI

Por Miriam Goldenberg

"Se estivermos atentos, podemos notar que está surgindo uma nova faixa social, a das pessoas que estão em torno dos sessenta/setenta anos de idade, os sexalescentes é a geração que rejeita a palavra "sexagenário", porque simplesmente não está nos seus planos deixar-se envelhecer.

Trata-se de uma verdadeira novidade demográfica, parecida com a que em meados do século XX, se deu com a consciência da idade da adolescência, que deu identidade a uma massa de jovens oprimidos em corpos desenvolvidos, que até então não sabiam onde meter-se nem como vestir-se.

Este novo grupo humano, que hoje ronda os sessenta/setenta anos, teve uma vida razoavelmente satisfatória.

São homens e mulheres independentes, que trabalham há muitos anos e conseguiram mudar o significado tétrico que tantos autores deram, durante décadas, ao conceito de trabalho.

Procuraram e encontraram, há muito, a actividade de que mais gostavam e com ela ganharam a vida.

Talvez seja por isso que se sentem realizados! Alguns nem sonham em aposentar-se. E os que já se aposentaram gozam plenamente cada dia, sem medo do ócio ou solidão. Desfrutam a situação, porque depois de anos de trabalho, criação dos filhos, preocupações, fracassos e sucessos, sabem olhar para o mar sem pensar em mais nada, ou seguir o voo de um pássaro da janela de um 5.º andar...

Algumas coisas podem dar-se por adquiridas.

Por exemplo: não são pessoas que estejam paradas no tempo: a geração dos "sessenta/setenta", homens e mulheres, maneja o computador como se o tivesse feito toda a vida. Escrevem aos filhos que estão longe e até se esquecem do velho telefone fixo para contactar os amigos - mandam WhatsApp ou e-mails com as suas notícias, ideias e vivências.

De uma maneira geral estão satisfeitos com o seu estado civil, e, quando não estão, procuram mudá-lo. Raramente se desfazem em prantos sentimentais.

Ao contrário dos jovens, os sexalescentes conhecem e pesam todos os riscos. Ninguém se põe a chorar quando perde: apenas reflecte, toma nota e parte para outra...

Os homens não invejam a aparência das jovens estrelas do desporto, ou dos que ostentam um traje Armani, nem as mulheres sonham em ter as formas perfeitas de uma modelo.

Em vez disso, conhecem a importância de um olhar cúmplice, uma frase inteligente ou um sorriso iluminado pela experiência.

Hoje, as pessoas na idade dos sessenta/setenta, estão estreando uma idade que não tem nome. Antes seriam velhos e agora já não o são.

Hoje estão com boa saúde física e mental; recordam a juventude mas sem nostalgias parvas, porque a juventude, ela própria também está cheia de nostalgias e de problemas.

Celebram o sol a cada manhã e sorriem para si próprios. Talvez por alguma razão secreta, que só sabem e saberão os que chegarem aos 60/70 no século XXI"
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Nota do editor

Último poste da série de 29 de dezembro de 2017 > Guiné 61/74 - P18152: (In)citações (112): Sobre a banda "Melech Mechaya": "Não fora a vertente cultural do blogue Luis Graça & Camaradas da Guiné e eu teria perdido cerca de hora e meia de êxtase musical. Por serendipidade"... (Ernestino Caniço, médico, ex-alf mil cav, cmdt Pel Rec Daimler 2208, Mansabá, Mansoa e Bissau, 1970/71)

Guiné 61/74 - P18159: Feliz Natal 2017 e Melhor Ano Novo 2018 (17): Joseph Belo, da Suécia com amor...


Home sweet home...


Absolut vodka...


Fotos (e legendas): © José Belo (2017). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. O nosso amigo e camarada "luso-lapão" Joseph Belo , régulo da Tabanca da Lapónia, mandou-nos a seguinte mensagem, em data de 28 do corrente, e que eu entendi dever partilhar com toda a Tabanca Grande:

Assunto - E...o tempo passa
Para Ti e Família os votos de um BOM NOVO ANO!

E aqui envio a explicacäo óbvia das nossas fantásticas Auroras Boreais....

Um grande abraço desde o Círculo Polar Árctico.


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Guiné 61/74 - P18158: O que dizem os Perintreps (Nuno Rubim) (6): a emboscada que vitimou o alf inf Augusto Manuel Casimiro Gamboa, em 14/12/1967, no setor L3 (Nova Lamego)


Guiné > Região de Gabu > Setor L3 (Nova Lamego) > Canjadude > CCAÇ 5, "Os Gatos Pretos" > Aspeto geral do aquartelamento, em 1973: em primeiro plano, um dos pedregulhos ali existentes.

Foto (e legenda): © João Carvalho (2006). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Documento que nos chega a 28 do corrente, por gentileza do nosso amigo e camarada Nuno Rubim, cor art ref, e que tem a ver com a emboscada ocorrida em 14/12/1967 que vitimou o alf inf Augusto Manuel Casimiro Gamboa (*):

[ Foto à esquerda, Nuno Rubim (2007); tem duas comissões no TO da Guiné, a última no QG, já como major ("trabalhei no departamento 'mais secreto', a Cheret , onde desempenhei, como criptólogo AED - Aptidão Especial para Descriptamento, as funções de chefe da Secção de Análise e Controlo. Descriptamos  todos (!) sistemas de decifrar dos países vizinhos");


na primeira comissão comandou duas das unidades que passaram por Guileje: a CCAÇ 726 (out 1964/jul 1966) e a CCAÇ 1424 (jan 1966/dez 1966); trabalhador incansável, é também um bom amigo e um grande camarada, a que pedimos informação e conselho sobre as coisas e os feitos da Guiné; é membro da nossa Tabanca Grande desde 10 de junho de 2006]



Excerto da página 4 (de 14) do Perintrep nº 50/67, 
relativo ao setor L3 (Nova Lamego) (**)



Excerto da página 4 (de 14) do Perintrep nº 50/67, relativo ao setor L3 (Nova Lamego).

Foto (e legenda): © Nuno Rubim (2017). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

Transcrição:

f. SECTOR L3 [Nova Lamego]

(1) Em 14 de dezembro [de 1967], às 8h00, [o IN] emboscou com LGFog [RPG] e armas automáticas, durante 30 minutos, a 1 km a sul de Uelingará (14151205 E9), no itinerário Canjadude-Nova Lamego, forças do destacamento de Canjadude, causando dois mortos (1 oficial) e 1 ferido e incendiado 1 viatura GMC.

Da reação das NT, o IN sofreu 2 mortos.

Do grupo IN foram referenciados elementos de cor branca. (Fonte: BCAÇ 1933)

(2) Em 17 de dezembro, às 21h00, [o IN] flagelou com morteiro 82 mm o destacamento de Che Che, sem consequências.(Fonte: BCAÇ 1933).

A última ação contra este destacamento foi em 7 de novembro de 1967.

(3) Em 18 de dezembro, às 20h00, [o IN] roubou gado e vestuário na tabanca de Bantanto Jaia (14101210 A3). (Fonte: BCAÇ 1933).

(4) Em 19 de dezembro, foi acionado por uma Autometralhadora Fox do destacamento de Cabuca uma mina A/C no itinerário Cabuca-Nova Lamego em 14101210 B3, provocando a sua danificação. (Fonte: BCAÇ 1933).

Salienta-se que a atuação do IN nesta região caracteriza-se por uma  intensa implantação de engenhos explosivos, emboscadas nos itinerários e ações contra as populações. Estas ações são realizadas por grupos itinerantes que vêm atuando há tempo nesta região.

[ Revisão / fixação de texto: LG]
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Guiné 61/74 - P18157: Blogues da nossa blogosfera (88): Jardim das Delícias, blogue do nosso camarada Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 (7): "A caverna luminosa do poeta" e "Ao fim da tarde"


Do Blogue Jardim das Delícias, do Dr. Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547/BCAÇ 1887, (Canquelifá e Bigene, 1966/68), com a devida vénia, reproduzimos estas duas publicações da sua autoria.

A CAVERNA LUMINOSA DO POETA

ADÃO CRUZ

© Adão Cruz

Quando entraste na luminosa caverna do poeta
Fugindo à chuva, ao vento, ao frio
Tudo me dizia que eras a mesma poesia
Que hoje ilumina as águas deste rio.

Tudo me diz que és tu a mesma poesia
Deste sol da tarde, sem chuva e sem frio
Nascida do ventre de uma vertigem
Revolvendo as águas calmas de outro rio.

Assim mo diz a luz incendiada dos teus olhos
E a tímida febre dos teus lábios quentes.
Nem sempre a poesia é metáfora e falso gesto
Nem sempre o poema é de versos impotentes.

Já não crescem em mim rebentos de sol
Nem me afligem conflitos de escura tristeza.
Por isso eu sei que o sol desta caverna
Não é brilho do poeta mas luz da tua beleza.

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AO FIM DA TARDE

ADÃO CRUZ

© Adão Cruz

Ainda é dia ao fim da tarde, ainda há uma réstia de sol no horizonte.

Entre o fim do dia e a morte ainda há uma ponte onde mora o frio, mas onde o coração bate ao som das luminosas águas de um rio.


Não te posso responder a quente senão choro…o que há muito não acontece.

À margem da realidade, na magia de um sonho impossível que esmorece, nada mais consigo do que estender meu braço e tocar os dedos da tua mão firme.

Mas tudo muda e resplandece e se acende dentro de mim, no frágil redemoinho das palavras que disseste e só a alma entende.

A música sorridente do teu rosto canta bem fundo na alma nua da utopia que ilumina a ponte da tristeza e da agonia.

Não saias dos meus olhos e deixa-te estar um pouco mais sobre esta ponte do fim da tarde, em que ainda é dia e há uma réstia de sol no horizonte, deliciosa mentira de uma primavera tardia.

No castelo sideral da fantasia, ainda hoje habito entre os teus olhos e o infinito.
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Nota do editor

Último poste da série de 24 de dezembro de 2017 > Guiné 61/74 - P18135: Blogues da nossa blogosfera (87): Jardim das Delícias, blogue do nosso camarada Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 (6): "Os meus sonhos" e "Lágrima de chuva"

Guiné 61/74 - P18156: Blogpoesia (546): "Diante duma tela em branco...", "As obreiras do Natal...", "Fábrica da amizade..." e "Último dia...", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

1. Do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66) três belíssimos poemas, da sua autoria, enviados entre outros, durante a semana, ao nosso blogue, que publicamos com prazer:


Diante duma tela em branco…

Concentrado. Pincel em punho. Olhando a tela.
A mente ferve.
Não sou pintor.
O pensamento vagueia.
Mira do alto e ao longe.
Como um condor.
De repente, sob um arbusto, algo que surge.
Desfecho-lhe uma frecha.
Faço uma presa.
Se inflama a fogueira.
Há labaredas.
Sentimento a arder.
É fumo branco.
Sem fumarolas.
Bate-lhe o sol.
Muda de forma.
Muda de cor.
Figuras rupestres.
Aves canoras.
Prados lacustres.
Searas doiradas.
Medas de trigo.
Ceifeiras cantando.
Debulham sorrisos.
Carradas de grão.
Enchem celeiros.
Moinho no rio.
Mó de moleiro.
Neve macia.
Farinha de pão.
Lindo quadro,
Poema de estio,
O vento secou.

Berlim, 24 de Dezembro de 2017
13h11m
Jlmg

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As obreiras do Natal…

Quando o Natal se avizinha, uma onda de ternura, quase divina, se apodera das nossas Mães e Avós.
Vem o sonho da felicidade a construir,
Adentro das nossas famílias.
Conseguir uma árvore. O pinheirinho. E enchê-lo de cores e luzes.
Cobrir-lhes os pés com as prendinhas,
A ninguém podem faltar.
Com o nome e as dedicatórias.
De quem para quem.
Com um lacinho a enfeitar.
Tudo à volta de um presépio,
Já vem da ternura dos antepassados.
Depois, vem a cozinha.
Aquela azáfama de tachos e de panelas.
A dispensa e o frigorífico estão a abarrotar de tanta química…
Na lareira em brasa, ardem as labaredas dos cavacos, de carvalho e de sobreiro.
O forno em cima, Deus nos perdoe.
Parece mesmo um inferno.
O sacrifício do cordeiro, com travessas de batatas tostadinhas.
Que cheirinho vai por toda casa.
O fogão ao lado, em ferro ou o eléctrico, se cobrem de tachos e de panelas.
Num, as batatas e as couves que a horta deu. Noutro, o bacalhau curado da Noruega, em postas bem medidas.
No outro lado, os filhos e as filhas, ajudam as suas mães no arranjo da doçaria.
A quem, por amor, vendem os seus segredos.
As filhoses. As rabanadas. As azevias.
Os “formigos” e a aletria.
Que regalo, só de vê-los.
Depois, vem a ceia, toda a gente,
Dos grandes aos mais pequenos,
Cada um o seu lugar.
Talheres e pratos reluzentes.
Dos vinhos, isso é tarefa do pai e do avô.
E, como há sempre um artista na família, no piano ou na viola,
Vem um fundo musical,
Para iniciar aquela festa da consoada e da alegria,
Depois da reza do avô…

Ouvindo "London Pops Orchestra"
Berlim, 25 de Dezembro de 2017
9h12m
Jlmg


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Fábrica da amizade…

Não seja gramínea. Planta rasteira. Raquítica.
Cresça nos montes. Nos vales e encostas da serra.
Fervilhe nas hortas. Jardins, ao pé das açucenas.
Regada de orvalho. Lágrimas quentes das faces fidalgas e pobres.
Fermente nos rios. Sobrenade nos lagos.
Fuja dos pântanos. Da lei dos mais fortes.
Abunde nos lares. Se troque nas feiras.
Sem lucro. Moeda de troca.
Desfaça a indiferença. Do vizinho da porta.
Rache o granito e cubra a calçada.
Seja tapete onde passe o mendigo.
Abra janelas e portas cerradas pelo egoísmo feroz e voraz.
Seja o espelho e o sino de todas as horas, lugares e ausências.
Fermente ao sol e à sombra. Mate a fome e a sede da seca.
Regue as gargantas de vinho e água pura da paz.

Berlim, 30 de Dezembro de 2017
17h29m
Jlmg

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Último dia…

Começa a clarear o derradeiro dia deste ano.
Ininterrupto caminhar do tempo.
Rio extenso que nasceu nos confins.
Ninguém sabe onde vai dar.
Ora calmo e luminoso.
Ora bravo. Tumultuoso.
Como foi o que acaba.
Oxalá chegue a uma planura.
Naquele que amanhã começa.
Cheio de paz e de abundância.
Que a esperança renasça e dê muito fruto.
Renove o gosto pela vida.
Com justiça, em toda a parte.
Ilumine os governantes. Sintam que o poder que têm nas mãos deve ser exercido para bem de todos.
Que o fosso abismal entre países ricos e países pobres se arrase numa planície, de riqueza e de abundância.
A felicidade é um direito universal…

Ouvindo Rachmaninov, concerto nº 2 – por Hélène Grimaud
Berlim, 31 de Dezembro de 2017
7h32m
Jlmg
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Nota do editor

Último poste da série de 24 de dezembro de 2017 > Guiné 61/74 - P18134: Blogpoesia (545): "Ver nascer mais um dia...", "A verdade das pedras..." e "Mais um pouco e...", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

Guiné 61/74 - P18155: Parabéns a você (1365): Adelaide Barata Carrelo, Amiga Grã-Tabanqueira

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Nota do editor

Último poste da série de 27 de dezembro de 2017 > Guiné 61/74 - P18144: Parabéns a você (1364): José Pedro Neves, ex-Fur Mil Op Especiais da CCAÇ 4745/73 (Guiné, 1973/74)

sábado, 30 de dezembro de 2017

Guiné 61/74 - P18154: Memória dos lugares (367): "Guiné-Bissau e Cabo Verde", fotografia de Ulisses Rolim - Para lá do Tcheche, amor pelas gentes de Lugadjole (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 30 de Março de 2016:

Queridos amigos,

Há muito pouco a dizer para justificar estas imagens. Já numa fase adiantada da preparação do meu livro "História(s) da Guiné-Bissau" necessitei de ir consultar um livro na Biblioteca Gulbenkian. De pesquisa em pesquisa cheguei a este catálogo. Não me espanta o texto que Ulisses Rolim escreveu, é o feitiço guineense que decorreu, decorre e decorrerá deste encontro e partilha de afetos.
Interrogo-me sobre quem muda mais, nós ou os cidadãos daquela terra. Lembro-me das cartas que durante anos me chegavam da Guiné-Bissau: volta, vem visitar-nos, não te esquecemos, os nossos filhos e os filhos dos nossos filhos ouvem as histórias que lhes contamos. Por isso, não sem quem muda mais, certo é que mudámos depois de tudo o que vivemos e que fica nesta lembrança permanente.

Um abraço do
Mário




Amor pelas gentes de Lugadjole

Beja Santos

Imaginem o que é entrar na Biblioteca da Gulbenkian com o único propósito de passar um bom par de horas a ler “O Desafio do Escombro” de Moema Parente Augel, porventura o estudo mais consolidado sobre a literatura da Guiné-Bissau. A remexer nas fichas dou com a existência de alguém que fez uma exposição em Ponte de Sor, com fotografias da Guiné. Faz-se a requisição e vem o espanto, Ulisses Rolim gostou mesmo da experiência de Lugadjole, na região do Boé, onde presuntivamente se terá realizado a cerimónia da independência unilateral da Guiné-Bissau em 24 de Setembro de 1973. Para quê acrescentar mais texto? Para meu pesar, não sei a que se dedica Ulisses Rolim, se inclusivamente voltou à Guiné. Do seu amor pelo que experimentou e conheceu ficam estas duas imagens crianças, tão enternecedoras. E ponto final.


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Nota do editor

Último poste da série de 29 de setembro de 2017 > Guiné 61/74 - P17808: Memória dos lugares (366): em 1947, Canchungo ainda não se chamava Teixeira Pinto, nem a vila de Gabu era Nova Lamego... Xime e Xitole escreviam-se com "ch" e o Quebo (futura Aldeia Formosa) nem aparecia no mapa...

sexta-feira, 29 de dezembro de 2017

Guiné 61/74 - P18153: Notas de leitura (1027): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (15) (Mário Beja Santos)

Primitiva Ponte-Cais de Bolama, vendo-se à direita o Palácio do Governo (1908)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 2 de Novembro de 2017:

Queridos amigos,
Há uma visão historiográfica (que não se vê por ninguém refutada) que a campanha Teixeira Pinto em 1915 deixara a ilha de Bissau em completa pacificação. Depois dos anos difíceis da Ditadura Nacional, com pesados cortes, num contexto de depressão económica e internacional que tivera o seu rastilho na crise da bolsa de Nova Iorque em 1929, na colónia da Guiné há um pesado sentimento republicano que aguarda instruções para a sublevação. Comprova-se ter existido um sentimento republicano muito forte, mas a Ditadura Nacional já consolidara o seu poder, a sedição de Bissau e Bolama acabou na água. Evento relevante, daí ter-lhe associado o que sobre o assunto eu publiquei em 2015.

Um abraço do
Mário


Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (15)

Beja Santos

O primeiro grande acontecimento da década de 1930, que vai obrigar o gerente da filial da Bolama a escrever vezes sem conta para Lisboa, foi o movimento revolucionário de 1931. Lá chegaremos. A década será decisiva para reconhecer que os negócios de Bissau superaram esmagadoramente os de Bolama, a relação de forças entre filiais desequilibrou-se em definitivo. Aliás, do relatório da inspeção à filial de Bolama no período de 1930/1931, o inspetor escreveu que “desde princípios de 1925 que a filial de Bolama, após a saída do gerente Albuquerque ficou trabalhando em condições especiais de subordinação à agência de Bissau”. E mais adiantou: “Entre as praças de Bissau e Bolama houve sempre uma grande emulação; entre as próprias gerências das duas dependências nem sempre reinou a melhor harmonia. Para evitar conflitos entre as duas gerências foi estabelecida a zona dentro da qual cada uma poderia operar”.

Igreja Paroquial de Bolama, que em 1909, um incêndio destruiu quando utilizando fogo, pretendiam expulsar um enxame de abelhas que lá se haviam instalado (1908)

Em Abril de 1931, um conjunto de revoltosos prende Leite de Magalhães e outros responsáveis, cria-se uma Junta Governativa, que terá vida efémera logo que os revoltosos da Madeira cederam. Este movimento revolucionário de 1931 possui documentação abundante, mas o gerente da filial de Bolama produzirá um testemunho de relevo, como veremos. O que interessa é que em Bissau segue para a Praia um ofício sobre correspondência telegráfica. Um dos vogais da Junta Governativa da Guiné entregara na agência em Bissau o telegrama da agência da Praia dirigida à filial de Bolama, devidamente encriptado e cuja decifração é “Telegrafe se governador da província ainda está preso”. A entrega fora feita na agência de Bissau de que esta devia considerar o telegrama como não recebido.

A agência de Bissau conseguiu autorização para mandar um telegrama para a Praia com o seguinte teor: “Seu 22 para Bolama não podemos responder”. A Junta Governativa não consentiu na transmissão deste telegrama. Insistiram e foram autorizados a telegrafar em 24: “Seu 22 para Bolama Governador seguiu Lisboa”. A autorização tinha sido concedida por dois membros da Junta, outros opuseram-se, ficou também por transmitir este telegrama. Em 24 foi entregue novo telegrama da Praia que depois de decifrado dizia: “Telegrafe se tem… Qual alteração câmbio livre”. O telegrama foi retido pelo Comandante Militar de Bissau. O ofício que Bissau pode mandar para a Praia em 1 de Maio registava estas peripécias, terminando do seguinte modo: “Quanto ao Governador da Colónia, que foi preso em 17 do corrente, foi posto a bordo com outros oficiais da guarnição e suas famílias, do vapor da carga Maria Amélia, que de Bolama seguiu para Lisboa, onde já se deve encontrar. Juntamos um exemplar do jornal o “Comércio da Guiné”, para elucidação do que ocorreu nesta colónia”.

E o que ocorreu foi algo de inusitado que a filial de Bolama, no coração dos acontecimentos, registou para a posteridade.
Estes acontecimentos vão ser tratados com os investigadores pelo nome de a “Revolução Triunfante”. Permito-me aditar o que sobre o assunto publiquei em “História(s) da Guiné Portuguesa”, Edições Húmus, 2015:

“Nem tudo foi pacífico, como é sabido, com a implantação da Ditadura Nacional, a seguir ao 28 de Maio de 1926. A Ditadura impôs-se com um conjunto de proibições que, progressivamente, jugularam a movimentação popular. Seja como for, ao nível das Forças Armadas e da oposição política eclodiram várias revoltas, todas elas abafadas. Uma delas, teve como palcos a Madeira, os Açores e a Guiné, com bons resultados imediatos, ainda que efémeros, noutras regiões, como S. Tomé e Moçambique, foram abafadas no embrião. A sublevação veio na sequência da Revolta da Farinha, numa conjuntura extremamente negativa ditada pelas sequelas da crise iniciada em 1929.
Mário Matos e Lemos, na altura adido cultural na embaixada de Portugal na Guiné-Bissau, deu à estampa no número especial “Do Estado Novo ao 25 de Abril”, da Revista de História das Ideias, publicação anual do Instituto de História da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra (Vol. 17 – 1995), o artigo A “Revolução Triunfante”, Guiné – 1931. Questão em análise: o que se passou na Guiné, nessas três semanas revoltosas de 1931?

Quando na colónia foi conhecida a notícia da sublevação na Madeira, o Governador Leite de Magalhães, ordenou a prisão de três elementos que, em seu entender, deveriam apresentar maior grau de risco: o Capitão e Advogado Dr. Marcial Pimentel Ermitão e os Srs. Amílcar Dias e José Mota.
Acontece que os republicanos de Bissau e Bolama, alguns deles deportados por motivos políticos e eventualmente já contactados pelos revoltosos da Madeira, reuniram-se imediatamente e tomaram a decisão de se revoltarem. O Capitão e Engenheiro Júlio Lapa deslocou-se em 9 de Abril a Bissau a fim de conferenciar com o Governador Leite de Magalhães, dando conta das razões e intenções dos sublevados. O Capitão Lapa teria mesmo pedido ao Governador que, uma vez que o seu mandato praticamente terminara, entregasse o cargo, assim se evitaria a sublevação armada.

Leite Magalhães pediu uma moratória de 24 horas, a fim de telegrafar para Lisboa a solicitar indicação da pessoa a quem deveria entregar o governo. Não veio resposta e ele então pediu aos revoltosos que desencadeassem a ação para o dia 20, com o propósito de embarcar imediatamente para Lisboa. Sucede que Leite de Magalhães foi reconduzido; a revolução estalou na madrugada do dia 17. Civis que tinham chegado de Bissau, acompanhados pelo Capitão Lapa e por Almeida Júnior dirigiram-se para um local previamente combinado, aqui se fez a junção de civis e militares. Entraram na residência do Governo e comunicaram a Leite de Magalhães que a revolução triunfara. Recusada a intimação, os revoltosos declararam o Governador destituído. Os oficiais que não aderiram foram conduzidos sob prisão para o Armazém da Alfândega. Isto em Bolama. Em Bissau, o propósito era tomar a Fortaleza de S. José, o Comandante do Corpo de Polícia foi convidado a aderir ou a entregar-se, preferiu entregar-se. Os capitães Marcial Pimental Ermitão e José Joaquim de Oliveira Pegado e o Tenente Oliveira Lima tomaram conta da Fortaleza. Escrevia-se em O Comércio da Guiné de 18 de Abril: “Os populares que em grande número se agrupavam no largo fronteiro irromperam em vivas vibrantes à Pátria e à República Constitucional enquanto a força apresentava armas.

O Comité Revolucionário de Bissau mandou afixar em lugares públicos uma proclamação dirigida “ao povo da Guiné”, dando conta que ia ser constituída uma Junta Governativa de que fariam parte as individualidades mais prestigiosas da colónia. Enviaram-se telegramas a Carmona e aos outros governadores coloniais bem como aos governos militares da Madeira e dos Açores. Informaram-se dos cônsules da França e da Bélgica em Bissau de que se ia manter a ordem e o tráfego marítimo decorreria sem alterações. Constituiu-se a Junta Governativa, da qual se escolheu um Comité Executivo. Surgem medidas legislativas respeitantes à nova ordem política e o Boletim Oficial irá publicar o termo de posse do Dr. Monteiro Filipe, tenente-coronel médico, a mais destacada personalidade do Comité Executivo, teriam assistido ao evento funcionários portugueses, membros da pequena burguesia local, o ato fora firmado por ascendentes de várias famílias ainda hoje importantes ou conhecidas da Guiné, caso dos Cabral d’Almada, os Davyes, os Évora, os Pinto Bull bem como o funcionário e escritor Fausto Duarte. Abriu-se um crédito extraordinário de 100 mil escudos para custear as despesas do Movimento Revolucionário. Foram demitidos funcionários, mandou-se prender o gerente do Banco Nacional Ultramarino, o governador e outros oficiais que não tinham aderido iriam ser mandados para a Madeira. Leite Magalhães foi reencaminhado para Lisboa, recebido por Armindo Monteiro, Ministro das Colónias, este informou-o que iria reembarcar para a Guiné, na Madeira e nos Açores os revoltosos já tinham deposto armas. Entretanto, o Governo em Lisboa tomou disposições para dominar a revolta na Guiné: foi nomeado um novo encarregado do Governo, Major Soares Zilhão, encetaram-se conversações com o representante dos revoltosos, Dr. Santos Monteiro, para que os rebeldes abandonassem a colónia com liberdade assegurada. Os revoltosos, na sua maioria, não aceitaram esta proposta e escreveu-se mesmo: “Nós, os oficiais que retiramos, somos acima de tudo portugueses e ser-nos-ia muito penoso que, após a nossa saída e por virtude dela, se praticassem atos que poderão pôr em risco a nossa integridade e a soberania em África”. E escrevem ao Major Soares Zilhão assumindo completa e plena responsabilidade dos seus atos, apelando a que não fossem responsabilizados nem alvo de qualquer sanção vários militares e civis. Como escreve Matos e Lemos, avultou o caráter do Dr. Santos Monteiro que, nada tendo a ver com a preparação, nem a eclosão do movimento, mas como republicano que era, aceitou a hora da desgraça. Os revoltosos começaram a abandonar a Guiné a partir de 1 de Maio, a 6 já estava nomeado como encarregado do Governo José Alves Ferreira, a 8 o Major Soares Zilhão tomava posse do seu cargo. Era o fim da revolta, foram anulados todos os diplomas dos revoltosos. Muitos deles não tiveram problemas, caso de Fausto Duarte ou de Caetano Filomeno de Sá. Houve tratamentos de benevolência, outros foram encarcerados, outros partiram para o exílio e outros foram deportados. Monteiro Filipe, Santos Monteiro e Gabriel Teixeira foram demitidos das funções públicas.

Em finais de 1932, foi publicado o Decreto n.º 21.943 que concedia uma amnistia a muitos dos implicados em crimes políticos, mas que não se aplicava “àqueles que vão indicados na lista anexa a este Decreto e que dele fica fazendo parte integrante”. Essa lista continha 50 nomes de homens aos quais o regime não perdoava. Entre eles, quatro dos revoltosos da Guiné: Comandante Gonçalo Monteiro Filipe, Comandante de Engenharia Júlio Carlos Faria Lapa, Capitão Dr. Marcial Pimentel Ermitão e Dr. João dos Santos Monteiro”.

 Muro de defesa da cidade de Bissau, ou "parede de fogo", como então era conhecida (1908)

(Continua)
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Notas do editor

Poste anterior de 22 de dezembro de 2017 > Guiné 61/74 - P18123: Notas de leitura (1025): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (14) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 25 de dezembro de 2017 > Guiné 61/74 - P18138: Notas de leitura (1026): A luta armada na Guiné reexaminada por Mustafah Dhada (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P18152: (In)citações (112): Sobre a banda "Melech Mechaya": "Não fora a vertente cultural do blogue Luis Graça & Camaradas da Guiné e eu teria perdido cerca de hora e meia de êxtase musical. Por serendipidade"... (Ernestino Caniço, médico, ex-alf mil cav, cmdt Pel Rec Daimler 2208, Mansabá, Mansoa e Bissau, 1970/71)



Lisboa > Tivoli BBVA > Melech Mechaya > 27 de Dezembro de 2017 > "LISBOA! Não temos palavras para descrever a noite de ontem, sentimos apenas uma alegria e gratidão imensas. Obrigado!". Foto da página do Facebook dos Melech Mechaya

Foto (e legenda): © Melech Mechaya (2017). Todos os direitos reservados [ Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem de ontem do Ernestino Caniço, ex-alf mil cav, cmdt do Pel Rec Daimler 2208, Mansabá, Mansoa e Bissau, 1970/71, e hoje médico, a viver em Abrantes:

Caro amigo Luís

Absorto.

É a expressão que me ocorre após ver o fantástico espetáculo dos Melech Mechaya no Tivoli. (*)

Não fora a vertente cultural do blogue Luis Graça &Camaradas da Guiné e eu teria perdido cerca de hora e meia de êxtase musical.

Por serendipidade.

Imperdível.

Parabéns à banda pelo excelente concerto que nos proporcionou.

Um abraço acrescido ao de ontem.

Ernestino Caniço (**)


2. Comentário do editor LG:

Ernestino: foi um duplo prazer, tu apareceres, como prometido, e podermos estar juntos no concerto desta banda festiva, em que um dos elementos é também um grã-tabanqueiro, amigo da Guiné, médico como tu, o João Graça. Estavas em Lisboa, com a tua esposa, também ela médica, e vocês fizeram questão de ver e ouvir ao vivo os "Melech Mechaya", numa noite fria, de chuviscos, dois depois dias depois das emoções do nosso Natal... pantagruélico!

Obrigado pelas tuas palavras que já transmiti ao grupo, e que muito os sensibilizou, a eles, que são a razão principal, mas também a mim, sobretudo pela tua amável referência à dimensão cultural (discreta...) do nosso blogue.

Além da Alice Carneiro e de mim próprio (que viemos de propósito do Porto...), de ti e da tua companheira, Maria Emília (perdoa-me se não fixei bem o nome..), ainda havia mais amigos e até camaradas da Guiné: vi (e estive lá com)  o camarada Carlos Silvério e esposa Zita (, um casal de Ribamar, Lourinhã, com casa também na Grande Lisboa), o nosso amigo, músico Mamadu Baio, da mítica tabanca de Tabató, que trouxe com ele mais dois amigos guineenses... 

E, dos meus amigos do peito, quero destacar aqui o meu "mano" José António Paradela, arquiteto e escritor, que veio com a família em peso... Outros houve, camaradas, como o Hélder Sousa que vive em Setúbal,e  que me manifestaram, ao telemóvel, que bem gostariam de estar ali, àquela hora, se pudessem... 

Obrigado a todos vós e demais s amigos que partilharam comigo este belo momento de alegria, música e poesia... que transcende genéros musicais e fronteiras.

Logo à noite, no Porto, na Casa da Música, terei por certo a oportunidade de "partir mantenhas" com eles e com mais alguns amigos e camaradas da Guiné.


PS - Um adicional obrigado ao Ernestino... pela palavra "serendipidade" que não constava do meu... léxico corrente. A gente, afinal, está sempre a aprender uns com os outros, aqui na Tabanca Grande:

serendipidade | s. f.
se·ren·di·pi·da·de
(inglês serendipity)
substantivo feminino


(i) A faculdade ou o acto de descobrir coisas agradáveis por acaso.
(ii) Coisa descoberta por acaso.
Sinónimo Geral: Serendipismo

"serendipidade", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, https://www.priberam.pt/dlpo/serendipidade [consultado em 29-12-2017].


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Notas dos editores:


(**) Último poste da série > 14 de setembro  de 2017 > Guiné 61/74 - P17765: (In)citações (111): Lembrando Setembro, o mês comemorável da Guiné, a sua Libertação, que intrujou todo o mundo e todo o mundo se deixou intrujar e os seus improváveis heróis (Manuel Luís Lomba, ex-Fur Mil Cav da CCAV 703)

Guiné 61/74 - P18151: Memórias de Gabú (José Saúde) (68): 43 anos depois: lembrando os dolos em tempo de guerra. Três contos e novecentos que caíram numa emboscada. (José Saúde)

O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos mais uma mensagem desta sua série.


Memórias de Gabu


43 anos depois: lembrando os dolos em tempo de guerra

Três contos e novecentos que caíram numa emboscada

Depois de um silêncio que por motivos óbvios a que fui literalmente sujeito, pois vi-me obrigado a enveredar por outros trilhos por mim já conhecidos e que continuam a preencher-me a alma de prazeres indescritíveis, lançamento da minha última obra – AVC Recuperação do Guerreiro da Liberdade, Chiado Editora, e Aldenovense Foot-Bal Club ao Aldenovense Atlético Clube 1923 a 2016 - eis-me de regresso ao nosso blogue continuando a descrever espaventosos acontecimentos sob a minha comissão na Guiné.

É certo que estas pequeniníssimas histórias avulsas que vou deixando no nosso blogue, fazem parte de um todo numa guerrilha por nós vivida e que ainda recordamos. Recordações férteis em crenças onde entrelaçamos amizades e, por outro lado, rancores cruéis perante cenários que a nossa mente esconde. Dualidades que, afinal, se constituem como cunhos de uma guerra na qual fomos atores forçados.

Das muitas explanações que tenho trazido à estampa, debruço-me hoje sobre o não pagamento de uma importância que me era devida, mas que terá caído numa emboscada na agreste picada, sendo que o conteúdo do meu estridente grito de alerta passou a um espólio jamais por mim imaginado. Vamos ao relatório da cilada. 

O processo foi longo. Reclamei mas não fui ouvido. Andei pelos diversos corredores onde se movimentavam respeitosos senhores que cumpriam literalmente o missão do dever e da honra, alguns com galões dourados, outros com divisas, dirige-me a secretarias, empurraram-me para outras estâncias militares, andei de gabinete em gabinete, mas aquele assunto, diziam-me, não era ali e a verdade é que até ao presente não vi o rasto do dinheiro a que tinha efetivamente direito. Resumindo: três contos e novecentos que caíram pura e simplesmente no fornilho de uma armadilha.

Mas vamos diretos ao assunto: parti para a Guiné no dia 2 de agosto de 1973 e no final do mês recebi em solo guineense 2400$00, sendo que o que parecia normal, ou seja, os 3900$00, importância que ficava na metrópole, deveria ser entregue à minha saudosa mãe por vale de correio. Todavia, tal pagamento não foi consumado o que originou a minha natural reclamação.

Informado da falha, procurei de imediato colmatar a lacuna junto da secretaria em Gabu. Expressava o 1º sargento, homem que lidava com os dinheiros e que conhecia os meandros financeiros, que o problema não era dele. Concordei, obviamente. Dele não era certamente, mas não inviabilizou a sua disponibilidade na resolução do enigma. Um enigma que se arrastou pelos meses de comissão.

Neste contexto, o tempo foi-se consumindo e as minhas reclamações lá foram caindo num saco sem fundo. Admiti, ainda, que a história tivesse um final feliz. Mas, assim não foi.

Após o 25 de Abril, e aquando do nosso regresso à Metrópole, 9 de setembro, informaram-me para me dirigir ao quartel de Artilharia de Campolide, em Lisboa, e reclamar, pessoalmente, o débito em falta. Começou, então, uma outra guerra, não as dos tiros, mas de papelada já extraviada com o agoniar do tempo. Um tempo que já se proclamava de liberdade.

Fui algumas vezes a Lisboa, outras quando já trabalhava na capital, todavia a informação, sempre escassa, lá se foi diluindo em abstratos e difusos desfechos.

Cansado pela procura do meu justo direito, resolvi colocar um ponto final na reclamação e conclui que os truques hábeis da guerra falavam mais alto, abdicando, de uma vez por todas, em voltar à carga por um direito que me fora sonegado.

Admiti, ainda, que o vale emitido via CTT se tivesse extraviado, uma viabilidade provável e que entendi como admissível. Tanto mais que falamos de um tempo em que não era usual as transferências bancárias. Aliás, poucos ou nenhum dos camaradas atirados para as frentes de combate usufruíram dessa atual benesse.

Recordo que em termos contabilísticos a falha não existia, isto é, tudo estava nos conformes, logo, a minha reclamação era escusada.

Hoje, com os muitos anos passados, presentemente 43, o cómico acontecimento esmiúça-se entre um profícuo sorriso nos lábios e uma mente onde o perdão substancialmente criou raízes.

Jornadeando pelos trilhos da guerrilha de uma Guiné que continuo a recordar com um sentimento nostálgico, não obstante a distância temporal já constatada, assim como as múltiplas armadilhas conhecidas no terreno, o tempo da peleja deixou-nos imensas recordações e de diversas índoles que lembramos com saudade.

Coisas do tempo da guerra.

Um Bom Ano de 2018 para todos os camaradas!...

Abraço,  
José Saúde
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523

Mini-guião de colecção particular: © Carlos Coutinho (2011). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

7 DE ABRIL DE 2017 > Guiné 61/74 - P17220: Memórias de Gabú (José Saúde) (67): As minhas memórias de Gabu: A morte de um camarada (José Saúde)

quinta-feira, 28 de dezembro de 2017

Guiné 61/74 - P18150: Tabanca Grande (456): José Horácio da Cunha Dantas, ex-1.º Cabo At Art da CART 1742 - "Os Panteras" (Nova Lamego e Buruntuma, 1967/69), natural de Lama, concelho de Barcelos. É o 765.º Grã-Tabanqueiro da nossa tertúlia

Emblema da CART 1742 - Os Panteras


1.  O nosso camarada Abel Santos enviou-nos a inscrição de mais um dos seus companheiros de armas para o nosso Blogue. Agora a do 1.º Cabo At Art, Apontador de Bazuca, José Horácio da Cunha Dantas, também ele da CART 1742 - "Os Panteras" - Nova Lamego e Buruntuma, 1967/69), nascido em 20 de Janeiro de 1946 na freguesia de Lama, concelho de Barcelos.

Este nosso novo amigo e camarada tem endereço de e-mail pelo que contamos com a sua colaboração na feitura da nossa memória colectiva de combatentes da Guiné.

Para ele o nosso abraço de boas-vindas
Os editores

 O 1.º Cabo At Art José Horácio Dantas da CART 1742


Ficha da CART 1742 

Reprodução da pág. 451 do 7.º Volume - Fichas das Unidades - TOMO II - Guiné, da Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974) - Edição do Estado-Maior do Exército - Comissão para o Estudo das Campanhas de África
(Com a devida vénia)

O editor
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Nota do editor

Último poste da série de 22 de dezembro de 2017 > Guiné 61/74 - P18125: Tabanca Grande (455): José Parente Dacosta, ou 'José Jacinto', ex-1º cabo cripto, CCAÇ 1477 (Sangonha e Guileje, 1965/67)... Natural da Covilhã, vive em Dijon, França... Passa a ser o nosso grã-tabanqueiro nº 764