Primitiva Ponte-Cais de Bolama, vendo-se à direita o Palácio do Governo (1908)
1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 2 de Novembro de 2017:
Queridos amigos,
Há uma visão historiográfica (que não se vê por ninguém refutada) que a campanha Teixeira Pinto em 1915 deixara a ilha de Bissau em completa pacificação. Depois dos anos difíceis da Ditadura Nacional, com pesados cortes, num contexto de depressão económica e internacional que tivera o seu rastilho na crise da bolsa de Nova Iorque em 1929, na colónia da Guiné há um pesado sentimento republicano que aguarda instruções para a sublevação. Comprova-se ter existido um sentimento republicano muito forte, mas a Ditadura Nacional já consolidara o seu poder, a sedição de Bissau e Bolama acabou na água. Evento relevante, daí ter-lhe associado o que sobre o assunto eu publiquei em 2015.
Um abraço do
Mário
Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (15)
Beja Santos
O primeiro grande acontecimento da década de 1930, que vai obrigar o gerente da filial da Bolama a escrever vezes sem conta para Lisboa, foi o movimento revolucionário de 1931. Lá chegaremos. A década será decisiva para reconhecer que os negócios de Bissau superaram esmagadoramente os de Bolama, a relação de forças entre filiais desequilibrou-se em definitivo. Aliás, do relatório da inspeção à filial de Bolama no período de 1930/1931, o inspetor escreveu que “desde princípios de 1925 que a filial de Bolama, após a saída do gerente Albuquerque ficou trabalhando em condições especiais de subordinação à agência de Bissau”. E mais adiantou: “Entre as praças de Bissau e Bolama houve sempre uma grande emulação; entre as próprias gerências das duas dependências nem sempre reinou a melhor harmonia. Para evitar conflitos entre as duas gerências foi estabelecida a zona dentro da qual cada uma poderia operar”.
Igreja Paroquial de Bolama, que em 1909, um incêndio destruiu quando utilizando fogo, pretendiam expulsar um enxame de abelhas que lá se haviam instalado (1908)
Em Abril de 1931, um conjunto de revoltosos prende Leite de Magalhães e outros responsáveis, cria-se uma Junta Governativa, que terá vida efémera logo que os revoltosos da Madeira cederam. Este movimento revolucionário de 1931 possui documentação abundante, mas o gerente da filial de Bolama produzirá um testemunho de relevo, como veremos. O que interessa é que em Bissau segue para a Praia um ofício sobre correspondência telegráfica. Um dos vogais da Junta Governativa da Guiné entregara na agência em Bissau o telegrama da agência da Praia dirigida à filial de Bolama, devidamente encriptado e cuja decifração é “Telegrafe se governador da província ainda está preso”. A entrega fora feita na agência de Bissau de que esta devia considerar o telegrama como não recebido.
A agência de Bissau conseguiu autorização para mandar um telegrama para a Praia com o seguinte teor: “Seu 22 para Bolama não podemos responder”. A Junta Governativa não consentiu na transmissão deste telegrama. Insistiram e foram autorizados a telegrafar em 24: “Seu 22 para Bolama Governador seguiu Lisboa”. A autorização tinha sido concedida por dois membros da Junta, outros opuseram-se, ficou também por transmitir este telegrama. Em 24 foi entregue novo telegrama da Praia que depois de decifrado dizia: “Telegrafe se tem… Qual alteração câmbio livre”. O telegrama foi retido pelo Comandante Militar de Bissau. O ofício que Bissau pode mandar para a Praia em 1 de Maio registava estas peripécias, terminando do seguinte modo: “Quanto ao Governador da Colónia, que foi preso em 17 do corrente, foi posto a bordo com outros oficiais da guarnição e suas famílias, do vapor da carga Maria Amélia, que de Bolama seguiu para Lisboa, onde já se deve encontrar. Juntamos um exemplar do jornal o “Comércio da Guiné”, para elucidação do que ocorreu nesta colónia”.
E o que ocorreu foi algo de inusitado que a filial de Bolama, no coração dos acontecimentos, registou para a posteridade.
Estes acontecimentos vão ser tratados com os investigadores pelo nome de a “Revolução Triunfante”. Permito-me aditar o que sobre o assunto publiquei em “História(s) da Guiné Portuguesa”, Edições Húmus, 2015:
“Nem tudo foi pacífico, como é sabido, com a implantação da Ditadura Nacional, a seguir ao 28 de Maio de 1926. A Ditadura impôs-se com um conjunto de proibições que, progressivamente, jugularam a movimentação popular. Seja como for, ao nível das Forças Armadas e da oposição política eclodiram várias revoltas, todas elas abafadas. Uma delas, teve como palcos a Madeira, os Açores e a Guiné, com bons resultados imediatos, ainda que efémeros, noutras regiões, como S. Tomé e Moçambique, foram abafadas no embrião. A sublevação veio na sequência da Revolta da Farinha, numa conjuntura extremamente negativa ditada pelas sequelas da crise iniciada em 1929.
Mário Matos e Lemos, na altura adido cultural na embaixada de Portugal na Guiné-Bissau, deu à estampa no número especial “Do Estado Novo ao 25 de Abril”, da Revista de História das Ideias, publicação anual do Instituto de História da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra (Vol. 17 – 1995), o artigo A “Revolução Triunfante”, Guiné – 1931. Questão em análise: o que se passou na Guiné, nessas três semanas revoltosas de 1931?
Quando na colónia foi conhecida a notícia da sublevação na Madeira, o Governador Leite de Magalhães, ordenou a prisão de três elementos que, em seu entender, deveriam apresentar maior grau de risco: o Capitão e Advogado Dr. Marcial Pimentel Ermitão e os Srs. Amílcar Dias e José Mota.
Acontece que os republicanos de Bissau e Bolama, alguns deles deportados por motivos políticos e eventualmente já contactados pelos revoltosos da Madeira, reuniram-se imediatamente e tomaram a decisão de se revoltarem. O Capitão e Engenheiro Júlio Lapa deslocou-se em 9 de Abril a Bissau a fim de conferenciar com o Governador Leite de Magalhães, dando conta das razões e intenções dos sublevados. O Capitão Lapa teria mesmo pedido ao Governador que, uma vez que o seu mandato praticamente terminara, entregasse o cargo, assim se evitaria a sublevação armada.
Leite Magalhães pediu uma moratória de 24 horas, a fim de telegrafar para Lisboa a solicitar indicação da pessoa a quem deveria entregar o governo. Não veio resposta e ele então pediu aos revoltosos que desencadeassem a ação para o dia 20, com o propósito de embarcar imediatamente para Lisboa. Sucede que Leite de Magalhães foi reconduzido; a revolução estalou na madrugada do dia 17. Civis que tinham chegado de Bissau, acompanhados pelo Capitão Lapa e por Almeida Júnior dirigiram-se para um local previamente combinado, aqui se fez a junção de civis e militares. Entraram na residência do Governo e comunicaram a Leite de Magalhães que a revolução triunfara. Recusada a intimação, os revoltosos declararam o Governador destituído. Os oficiais que não aderiram foram conduzidos sob prisão para o Armazém da Alfândega. Isto em Bolama. Em Bissau, o propósito era tomar a Fortaleza de S. José, o Comandante do Corpo de Polícia foi convidado a aderir ou a entregar-se, preferiu entregar-se. Os capitães Marcial Pimental Ermitão e José Joaquim de Oliveira Pegado e o Tenente Oliveira Lima tomaram conta da Fortaleza. Escrevia-se em O Comércio da Guiné de 18 de Abril: “Os populares que em grande número se agrupavam no largo fronteiro irromperam em vivas vibrantes à Pátria e à República Constitucional enquanto a força apresentava armas.
O Comité Revolucionário de Bissau mandou afixar em lugares públicos uma proclamação dirigida “ao povo da Guiné”, dando conta que ia ser constituída uma Junta Governativa de que fariam parte as individualidades mais prestigiosas da colónia. Enviaram-se telegramas a Carmona e aos outros governadores coloniais bem como aos governos militares da Madeira e dos Açores. Informaram-se dos cônsules da França e da Bélgica em Bissau de que se ia manter a ordem e o tráfego marítimo decorreria sem alterações. Constituiu-se a Junta Governativa, da qual se escolheu um Comité Executivo. Surgem medidas legislativas respeitantes à nova ordem política e o Boletim Oficial irá publicar o termo de posse do Dr. Monteiro Filipe, tenente-coronel médico, a mais destacada personalidade do Comité Executivo, teriam assistido ao evento funcionários portugueses, membros da pequena burguesia local, o ato fora firmado por ascendentes de várias famílias ainda hoje importantes ou conhecidas da Guiné, caso dos Cabral d’Almada, os Davyes, os Évora, os Pinto Bull bem como o funcionário e escritor Fausto Duarte. Abriu-se um crédito extraordinário de 100 mil escudos para custear as despesas do Movimento Revolucionário. Foram demitidos funcionários, mandou-se prender o gerente do Banco Nacional Ultramarino, o governador e outros oficiais que não tinham aderido iriam ser mandados para a Madeira. Leite Magalhães foi reencaminhado para Lisboa, recebido por Armindo Monteiro, Ministro das Colónias, este informou-o que iria reembarcar para a Guiné, na Madeira e nos Açores os revoltosos já tinham deposto armas. Entretanto, o Governo em Lisboa tomou disposições para dominar a revolta na Guiné: foi nomeado um novo encarregado do Governo, Major Soares Zilhão, encetaram-se conversações com o representante dos revoltosos, Dr. Santos Monteiro, para que os rebeldes abandonassem a colónia com liberdade assegurada. Os revoltosos, na sua maioria, não aceitaram esta proposta e escreveu-se mesmo: “Nós, os oficiais que retiramos, somos acima de tudo portugueses e ser-nos-ia muito penoso que, após a nossa saída e por virtude dela, se praticassem atos que poderão pôr em risco a nossa integridade e a soberania em África”. E escrevem ao Major Soares Zilhão assumindo completa e plena responsabilidade dos seus atos, apelando a que não fossem responsabilizados nem alvo de qualquer sanção vários militares e civis. Como escreve Matos e Lemos, avultou o caráter do Dr. Santos Monteiro que, nada tendo a ver com a preparação, nem a eclosão do movimento, mas como republicano que era, aceitou a hora da desgraça. Os revoltosos começaram a abandonar a Guiné a partir de 1 de Maio, a 6 já estava nomeado como encarregado do Governo José Alves Ferreira, a 8 o Major Soares Zilhão tomava posse do seu cargo. Era o fim da revolta, foram anulados todos os diplomas dos revoltosos. Muitos deles não tiveram problemas, caso de Fausto Duarte ou de Caetano Filomeno de Sá. Houve tratamentos de benevolência, outros foram encarcerados, outros partiram para o exílio e outros foram deportados. Monteiro Filipe, Santos Monteiro e Gabriel Teixeira foram demitidos das funções públicas.
Em finais de 1932, foi publicado o Decreto n.º 21.943 que concedia uma amnistia a muitos dos implicados em crimes políticos, mas que não se aplicava “àqueles que vão indicados na lista anexa a este Decreto e que dele fica fazendo parte integrante”. Essa lista continha 50 nomes de homens aos quais o regime não perdoava. Entre eles, quatro dos revoltosos da Guiné: Comandante Gonçalo Monteiro Filipe, Comandante de Engenharia Júlio Carlos Faria Lapa, Capitão Dr. Marcial Pimentel Ermitão e Dr. João dos Santos Monteiro”.
Muro de defesa da cidade de Bissau, ou "parede de fogo", como então era conhecida (1908)
(Continua)
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Notas do editor
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