As Quedas do Duque de Bragança são quedas de água situadas na
província de Malange. Estão localizadas no rio Lucala, o mais importante
afluente do Rio Kuanza. Fica a 80 km da cidade de Malanje, capital da
província e a 420 km de Luanda, a capital do país. Com uma extensão de
410 metros e uma altura de 105, são as segundas maiores de
África.[1][2]
Desde 1975 tomaram o nome de Quedas de Calandula
1. Em mensagem do dia 4 de Agostoo de 2020, o nosso
camarada José Ferreira da Silva (ex-Fur Mil Op Esp da CART 1689/BART
1913, Fá, Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá,
1967/69), enviou-nos esta Boa memória da sua paz, desta vez dedicada ao "retornado" Laurindo Arriaga.
BOAS MEMÓRIAS DA MINHA PAZ - 16
LAURINDO ARRIAGA, O RETORNADO
PARTE II
O Manel, o filho mais velho, estava para Luanda, a estudar mecânica e os outros dois frequentavam a escola de Malange. E lá continuaram no Liceu Nacional Adriano Moreira. Estavam hospedados na casa da D. Palmira, cujo marido era o Pinto taxista. Como ele se meteu no negócio dos diamantes e enriqueceu rapidamente, despachou-os para casa da cunhada D. Rosa.
O
Tio Quim ambientava-se facilmente com o pessoal indígena. Depois de uma relação ligeira com uma rapariga, abdicou dela em favor do irmão Tono, que era mais introvertido. Juntou-se então com a Mariquinha, com a qual tiveram um
Quinzinho. O
“Quissuto” não era branco nem negro, mas o pai gabava-se da sua semelhança, através do abonado
pirilau.
O
Tio Tono, que veio a casar por procuração com a Isaura, assumiu a paternidade de uma lindíssima miúda, a Madalena, que foi muito acarinhada. Em tons de brincadeira íntima (ou copito a mais), o Tio Quim confessava que não se sabia bem qual deles era o verdadeiro pai.
Foram tempos de grande progresso na fazenda que muito rentabilizava pela sua excelente produção. Vivia-se bem. Faziam-se bons piqueniques e grandes patuscadas. O Laurindo já mandara fazer o projecto para uma boa casa lá no cimo do monte.
Angola desenvolvia-se excepcionalmente, independentemente de se saber que existiam os chamados movimentos de libertação.
Naquela zona, apesar de se falar na força dos diamantes, não se sabia da dimensão política que ali se vivia. E na fazenda S. José ninguém se manifestava.
Quando surgiu a revolta do 25 de Abril, o Arriaga era mais conhecido pelo
“Kambuta do Pungo Andongo”.
Aquele elo que o prendia ao nome do grande democrata português, quase há meio século, já não tinha o mesmo significado. Já se havia adaptado às circunstâncias e já não via necessidade de alterações no poder e na ordem pública. Julgava como crença generalizada, que Angola estava pacificada e no bom caminho e que, mesmo que se desligasse da administração portuguesa, continuaria no seu rumo de sucesso.
No entanto, sentiu alguma satisfação pelo acontecimento e pela esperança de melhoria dos portugueses.
Porém, na minha modesta opinião, as coisas afastaram-se muito das previsões. Os interesses internacionais sobrepuseram-se facilmente e o novo poder de Lisboa limitou-se a seguir pressões/orientações ideológicas, negociadas ao mais alto nível. Em pouco tempo, a revolta pelos interesses reivindicados pela classe dos capitães do quadro, que passou a ser a luta pelos ideais de Abril, foi habilmente instrumentalizada pela experiência e militância dos ex-perseguidos políticos.
A apologia aos regimes comunistas/socialistas propalada pelos detentores da revolução, levou-nos candidamente para uma orgulhosa alienação esquerdista. Assim, assistimos pacificamente à entrega das províncias ultramarinas aos movimentos de libertação ligados ao poder soviético, com o apoio incondicional das nossas forças armadas. E para que os portugueses (brancos) não pudessem contrariar ou reivindicar qualquer estatuto/direito, foi-lhes retirado o apoio devido, forçando-os a uma ponte aérea para Lisboa.
Independentemente da sua possível justificação, interpretação ou desmentido, ficam-nos três testemunhos para perdurarem dessa fase terrível da nossa democracia:
1 – Os portugueses não brancos e não comunistas;
“…ex-militares guineenses que permaneceram na Guiné-Bissau após a saída das tropas portuguesas e que acabaram massacrados pelas autoridades daquele Estado. Desta maneira, embora não se possa afirmar que Portugal se tenha furtado às suas responsabilidades para com aqueles militares portugueses (e que haviam sido assumidas no Acordo de Argel), a verdade é que não curou de acautelar os seus interesses e, no limite, a sua própria sobrevivência.”
Fonte: OS MILITARES PORTUGUESES NA GUINÉBISSAU: Da Contestação à Descolonização
2 – Os detentores do poder político forçaram uma solução antidemocrática, sem nunca terem estado/convivido no terreno;
Publicação de “A Rua” em 2 de Junho de 1977, baseando-se num artigo de “O Estado de S. Paulo”, de 15 de Maio, que se referia a afirmações de Mário Soares, proferidas no Brasil em 1973. Acrescente-se que o Der Spielgel, de 19 de Agosto de 1974 publicou afirmações similares, obtidas ao mesmo Mário Soares, já como MNE.
Nota da Avaliação do Polígrafo em programa da SIC: Em suma, é muito difícil afirmar de forma concludente que Mário Soares efetuou esta afirmação - mas dizer o contrário também seria um exercício especulativo.
3º - A cobardia de um poder militar submisso, cruel e antipatriótico.
Referido por: António Barreto -13.04.08, artigo com o título “Angola é nossa!”, jornal Público
Documento pouco credível por ser desnecessário, para caracterizar a acção antipatriota do “Almirante Vermelho”.
Pouco a pouco foi-se notando alguma preocupação quanto ao futuro de Malange. A partir de Março de 1975, quando se desentenderam, os movimentos de libertação passaram a lutar entre si pela sua afirmação. Apareceram então elementos ligados a movimentos de libertação que, mesmo sem experiência se exibiam a manejar armas modernas.
As fazendas grandes tinham algum armamento antiquado, ligado à OPVDCA. No caso da Fazenda S. José só havia duas armas de caça. Chegaram a ter duas armas e algumas granadas, mas enterram tudo isso, quando entregaram as caçadeiras. O Laurindo, por precaução, colocou em Malange, na casa da D. Rosa, a Barbara com o Zezito e a cunhada Isaura com a pequena Madalena e o bebé Joãozinho, nascido recentemente na sua deslocação à Metrópole para o parto.
Um dia em que o Laurindo havia saído, para os lados do Cacuso, houve escaramuças entre MPLA e UNITA e quando regressava, foi interceptado e impedido de prosseguir. Mudou de percurso outras vezes, e voltou a acontecer o mesmo. Em Malange, os familiares refugiaram-se no quartel militar. E quando o Laurindo lá chegou, eles já tinham seguido em coluna militar, para Nova Lisboa.
O
Tio Quim e o Tio Tono ficaram na Fazenda sem saber o que fazer. Os empregados já não trabalhavam e alguns fugiram. O Laurindo conseguiu contactar com a Fazenda Cahombo e pediu-lhes que, de avião, recuperassem os seus cunhados e o filho Toninho, que lá continuavam isolados.
Em Luanda, o filho Manuel, que havia casado com a angolana Ana Maria acabava de ser pai do Zézinho, o primeiro neto do Laurindo. A criança ficou com a mãe e eles arrancaram de carro para Nova Lisboa.
Logo que se descobriram em Nova Lisboa, meteram-se a caminho de regresso, em coluna de carros em fuga, com destino a Luanda. Já lá estava o Tio Tono, mas choroso porque o pequeno avião não pudera trazer o Tio Quim e o Toninho. Viviam-se os momentos mais dramáticos daquela crise. O Laurindo teve muitas dificuldades em conseguir que os fossem buscar. Meteu-se na sede do antigo patrão Manuel Vinhas até convencer que um amigo piloto lhe resgatasse o filho e o cunhado Quim.
Este ficou bastante abalado porque lá deixara o Quissuto e sua mãe Mariquinha, sem saber o que fazer.
O
Zézito, então com 13 anos, que sempre acompanhara a mãe Barbara, viveu momentos marcantes, que ainda hoje tem dificuldade em recordar.
Ele viu coisas horríveis. Ele recorda os mortos abandonados na via pública, os militares da Unita a divertirem-se disparando de cima do terraço para as ruas, sem oposição e as corridas que fazia no turbilhão de gente desesperada, atrás das viaturas dos militares, de onde atiravam pequenas embalagens de bolachas, batatas fritas, chocolates e outros alimentos apanhados em lojas e mercados.
Lembra ainda a última refeição preparada pela mãe Barbara. Lá em Malange, na casa da D. Rosa, ela havia feito um arroz malandrinho de lulas. Fez comida a mais para a poder oferecer a mais alguém. Só que a D. Rosa, que já tinha vários familiares e amigos ali refugiados, fê-los invadir a cozinha e pôs-se a matar a fome a todos eles, sem que a bondosa mãe Barbara reclamasse. E lembra o olhar da mãe como se lhe estivesse a pedir desculpa e a pedir sua compreensão.
Também viveu muito preocupado com a exposição do pai, que não parava, nem descansava, na procura de assegurar o salvamento dos seus. Por vezes, não se sabia dele, se comia e se dormia.
Em Luanda, despidos de tudo que possuíram, despidos do orgulho que os alimentava e despidos dos sonhos que os guiavam, apenas queriam sobreviver.
Vieram em 27 de Setembro de 1975, no auge da Ponte Aérea. Exactamente no dia em que o
Zezito “festejava” o seu 14.º aniversário!
Pouco trouxeram além da roupa vestida. Os casados seguiram para junto das famílias das mulheres. Porém, o cunhado Neca, que veio mais cedo, limitou ainda mais o espaço na casa da Mãe Linda. O Laurindo, a Barbara, os três filhos, a nora e o primeiro neto já lá não cabiam. Mesmo assim, chegaram a dormir 17 pessoas naquela casa.
A boa fama de gente humilde e trabalhadora contribuiu para que, em poucos dias, muito se tenha resolvido. Como a casa do vizinho Sância era grande, foi-lhes facultado o abrigo durante alguns anos. A proprietária Dona Generosa justificava o nome, com a generosidade que demonstrava.
Todavia, ela soube bem aproveitar as aptidões dos Arriaga, dando-lhes trabalho nos seus terrenos.
No entanto, o Laurindo queria mais. Arranjou um pequeno tractor e nunca mais parou. Toda a gente admirava a vitalidade do Senhor Laurindo. Ele fazia de tudo com aquele tractor.
Dos terrenos ocupados (estaleiro dos camiões, caterpillars e campos de lavoura), ele quis destacar uma parte para fazer casa. Foi fácil o entendimento e a respectiva compra ao “Sôraugusto”, filho da Dona Generosa.
Em poucos anos, vimos aquele homem reconstruir exemplarmente uma grande família.
Foram anos de muito trabalho, mas também, de grande sucesso. Com alguma animosidade dos políticos de esquerda, os retornados também enfrentaram muito os invejosos. Possivelmente o maior invejoso de Crestuma, teve o azar de se meter com o
Arriaga, junto à tasca do
Arouca. Ainda hoje se ouve, lá no tasco: -
"o baixote Arriaga, já com mais de 70 anos e uns 20 acima do invejoso, arreou-lhe duas lambadas no focinho que o pôs a gaguejar como um anjinho”
Como meus bons vizinhos, como admirador do seu grande trabalho e como solidário com o heróico esforço dos retornados, eu teria que ter uma boa relação com a família Arriaga. Ainda hoje, subo a escada, entro na porta, sem chave, na enorme sala, sento-me junto a uma grande mesa, onde raramente está vazia. É este tipo de abertura e de franca amizade que muito caracteriza quem viveu em Angola, independentemente da situação de maior ou menor poder material ou social de cada um.
Quando a
“Sôrabarbara” caiu de cama, acentuaram-se as nossas visitas. O
“Sôlaurindo” estava sempre por perto. Dessas carinhosas visitas temos muito gratas recordações. Ali, a pretexto de se ver os jogos do Porto juntos, vinham outros amigos que nos proporcionavam bons serões de convívio. Eram todos portistas, mas havia sempre discussões acesas, visto uns simpatizarem mais que outros nas decisões do treinador ou na “azelhice” de alguns jogadores. Porém, todos unidos no slogan
“contra tudo e contra todos”. Até a
“Sôrabarbara” murmurava baixinho: -
O vermelho é cor do diabo.
O
“Sôlaurindo” esforçava-se sempre por ter companhia. A sobrinha Emília –
“Milita” (filha do tio Neca) que casara com o primo Zezito, também gostava de nos ver por lá e logo colocava na mesa excelentes petiscos caseiros. É uma joia de pessoa. Tem um coração de oiro. Está sempre a cuidar dos outros. Ela largou o emprego para se dedicar inteiramente ao cuidado dos tios (também sogros).
O Laurindo sentava-se sempre no mesmo canto, perto da lenha, para abastecer o fogão de sala. Estava sempre de ferro na mão, feito engenheiro de fogueiras, atento ao controlo das achas que iam ardendo. E eu, sempre friorento, colocava-me frente a ele. Gostava dele, porque o admirava muito. E gostava também quando ele contava coisas extraordinárias da sua vida. E sobre Angola, lamentava muito a sua difícil evolução. Dizia-me às vezes:
-
Ó “Sôjosé”, aquilo nunca mais se endireita. Mandaram de lá para fora pr’aí um milhão de pessoas que lhes fazem muita falta. Meu Deus, ele há tanto que fazer naquela terra tão rica! Saíram de lá os que mais gostavam de trabalhar. E agora, o que vemos? Os amigos que lá voltaram, não aguentaram tanta corrupção e tanta miséria. Dizem que já ninguém respeita ninguém. É só vigários, pessoas sem escrúpulos e oportunistas. O dinheiro do petróleo, mesmo que fosse distribuído, não chega para alimentar tanta gente. Mas primeiro estão os políticos e os militares. Os que foram agora para lá roubar são acarinhados pelo governo como cooperantes e os que lá trabalharam honestamente, como verdadeiros angolanos, são apelidados de colonialistas. Coitados dos amigos quimbundos, tenho tanta pena deles!
Também me repetia orgulhoso a história de uma empresa de alfaias agrícolas que confiou nele, sem qualquer garantia. Creio que era de um Sr. Herculano, ali dos lados de Aveiro. Foi lá comprar umas aivecas para o ajudar a lavrar e veio de lá com um atrelado novo e cheio. Foi marcante e decisivo esse apoio inicial, que ele tanto agradecia.
Vivia orgulhoso pelo que fizera, mas mais orgulhoso pela família que o rodeava. Mesmo depois da crise da imobiliária, mantinham a boa ambiência. Dos três filhos e sete netos, destaco o filho
Zezito que, com a Milita e os dois filhos: o Hugo (
Conde das Cavadas) e a
“Princesa” Bárbara (
Babita) sempre viveram junto do exemplar Casal Arriaga, a quem dedicaram um carinho inexcedível e um amor enorme.
Lembro que o neto
Zezinho, filho do Manuel e Ana Maria, nascido naquele Setembro negro de 1975, foi o primeiro a ser pai. Vive perto dos pais, desde que se instalaram lá para o Fundão.
Era uma alegria imensa vê-los todos juntos em dias especiais: aniversários, casamentos e baptizados. Também era agradável vê-los a visitar a
Mãe Bárbara que acamara durante vários anos. Todos eles, pessoas de bem que muito honram a família
Arriaga.
O filho Zézito sempre viveu com a mãe Bárbara e sempre lhe deu um carinho excepcional.
José Ferreira
(Silva da Cart 1689)
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Nota do editor
Último poste da série de 8 de agosto de 2020 >
Guiné 61/74 - P21236: Boas Memórias da Minha Paz (José Ferreira da Silva) (17): Laurindo Arriaga, o retornado (Parte I)