sábado, 9 de abril de 2022

Guiné 61/74 - P23155: Os nossos seres, saberes e lazeres (500): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (45): Trancoso castelo e muralhas, uma manhã de neblina, a presença judaica (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 17 de Janeiro de 2022

Queridos amigos,
Prossegue a vagabundagem por Trancoso, as muralhas são admiráveis e não menos admiráveis os panoramas que ali se desfrutam, não basta olhar é preciso ver e conhecer para ter em conta as refregas aqui havidas, os muçulmanos deram bom trabalho para daqui sair; e houve a neblina matinal, rompeu o sol e deu gosto voltar a percorrer o casco histórico com alguma minúcia, já se chegou à presença judaica, ainda vamos continuar, mas com algum amargo de boca pois Trancoso merece mais tempo, merece enamoramento, tem muitíssimo para oferecer, e já não falo do Trancoso corográfico e etnográfico, e convém não esquecer para quem gosta de itinerâncias por outras aldeias históricas que há passeios bem perto que nos podem deslumbrar.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (45):
Trancoso castelo e muralhas, uma manhã de neblina, a presença judaica


Mário Beja Santos

Impressionante e esplendoroso, é o que se impõe dizer desta fortaleza que é anterior à nacionalidade, que D. Dinis mandou reforçar com sete torres amuralhadas, restauros que começaram no século XII e que chegaram a 1940, era o ano dos centenários, e reconhecia-se que Trancoso era ponto paradigmático da reconquista cristã, da afirmação da identidade nacional, inclusivamente marcara presença nas invasões francesas e na guerra entre liberais e miguelistas. Já se disse que a torre de menagem é uma peça rara, tem forma de pirâmide truncada, uma janela árabe com arco de volta de ferradura. Terá sido, quando por ali andaram árabes, a torre albarrã, presume-se que ali se guardava o tesouro do califado. Atenda-se ainda que este castelo foi entregue aos templários por doação. Leio no texto que acompanha o mapa do centro histórico que o castelo possui restos de uma torre, que foi capela da cidadela sob a evocação de Santa Maria Madalena. Por aqui cirando, não me cansa a magnitude desta pedra e o panorama que é envolvente do castelo oferece, por 360º, é o desafogo total, foi mesmo o local privilegiado, a melhor atalaia que se podia ter encontrado.

Acabou-se a luz do dia, amanhã aqui se regressa, sai-se do local da pernoita, bem perto do teatro e do cinema, com o enorme espaço da feira pela frente, confio ter muito sol por minha conta, puro engano, mal sabia o que me esperava quando me despunha a peregrinar, bem dormido e aconchegado com uns bons ovos mexidos, pão fresco e café a preceito. Atónito, encaminhei-me para a neblina, e palavra que me entusiasmei diante daquele cruzeiro que não é o Cruzeiro do Senhor da Boa Morte, mas está perto até me recordei daquele cinema do sobrenatural e de conversas com almas de outro mundo. Encantado com tanta beleza, era só questão de agarrar aquela imagem, para nunca mais esquecer como pode ser fascinante esta neblina trancosense.

Regressa-se ao núcleo histórico a meditar em papéis lidos na véspera, até chegar o João Pestana: conquistas e reconquistas, árabes, o senhor de Leão e Castela, a chegada de D. Afonso Henriques que de tão agradecido prometeu construir um mosteiro em Tarouca, em todos os papéis lidos diz-se com ufania é que se depois desta vitória de Trancoso é que ele usou pela primeira vez o título de Rei de Portugal; por aqui também se batalhou depois da morte de D. Fernando I em prol do mestre de Avis, dá-se como inequivocamente comprovado a batalha de Trancoso em 29 de maio de 1395, Trancoso também tem a ver com o Magriço, um dos 12 de Inglaterra, Camões concedeu-lhe espaço no Canto VI d’Os Lusíadas, e temos os judeus, Bandarra, Trancosenses ilustres como o Padre António Soares ou a pintora Eduarda Lapa, isto em notas soltas, entro novamente pelas Portas D’El Rei, impossível não admirar a harmonia daquelas torres ameadas, a neblina favorece esta ilusão que toda a pedra vai levitar, e por aqui prossigo, pela Corredoura, até ao edifício da Câmara Municipal, quero ir conversar com o Bandarra, tem escultura em frente do edifício camarário, espero mais adiante visitar a sua casa, isto é um espaço dedicado à memória deste sapateiro e profeta.

Primeiro, a estátua. É bem recente, data de 2001, um bronze de Manuel Lopes Cardoso, em tamanho natural, parece desafiar quem tem pela frente. Tem por detrás os Paços do Concelho, estamos no antigo Terreiro de São João. Li algures que antes desta imponente construção existiam no local as casas da Abadia de Santa Maria. Em 1814, as casas estavam em ruínas, foram reconstruídas, umas décadas depois foram reparadas, não devem ter sido grande coisa, foram vendidas à Câmara que aqui edificou a sua sede, concluída em 1919. Consta que ainda nos anos 40 do século passado existia um muro que pertencia ao quintal do edifício ao lado, hoje existe uma rua, e ainda bem, de frente do Bandarra e olhando e esta bela construção há graciosidade por estar desapertada de quaisquer cercas, muros ou taludes.

Não há livro sobre a iniciação a Trancoso que não nos fale do judaísmo, são uma presença na região na Idade Média, depois veio aquela decisão catastrófica de D. Manuel I em expulsar os judeus ou obriga-los à conversão, era o preço para poder casar com a filha dos Reis Católicos. Escreve-se que o monarca não queria que os judeus saíssem de Portugal e que terá impulsionado a sua conversão, fez promessas de tentar proteger os cristãos novos, acontece que a seguir veio a Inquisição que implantou terror. O centro histórico de Trancoso contém o maior número de marcas mágico-religiosas, 117, distribuídas essencialmente na parte Este do aglomerado urbano – é uma das heranças deixadas pelos judeus e cristãos novos, marcas de simbologias e abreviaturas religiosas. Há esculturas como as que encontramos na fachada da Casa do Gato Preto. Sem certezas, aponta-se que o antigo Bairro Judeu estaria localizado na zona mais rica da cidade, junto às Portas d’El Rei, na Corredoura.

Casa do Gato Preto, é visita obrigatória na peregrinação ao judaísmo em Trancoso, trata-se do Leão de Judá

Pode não ser, mas quem por aqui deambula encara esta escada como resquício medievo, é evidente que temos as muralhas, alcáçova, talvez o passo episcopal, as moradias de gente abastada, as igrejas e capelas, pode tudo ser ilusão de quem tira a imagem mas é um mundo antigo quem aqui venero, mesmo com todos os sinais à volta de acrescentos e adaptações, no mínimo é sinal de que estou numa aldeia histórica, e isso me satisfaz.

Aqui é o Centro de Interpretação da Cultura Judaica, tem o nome de Isaac Cardoso, pretende informar acerca da presença judaica e cristã-nova em Portugal, fornecendo conteúdos acerca do património material e imaterial do concelho. Na sala dedicada à diáspora é dado o destaque a Fernando Cardoso, foi médico na corte espanhola, andou por Veneza e fixou-se em Verona, mudou o nome para Isaac Cardoso, nome ilustre e que nos faz recordar o flagelo da Inquisição. O edifício é uma réplica de sinagoga sefardita, está construída numa perspetiva ecuménica. O passeio está prestes acabar, digo-o com pena, na posse da literatura que tão amavelmente a autarquia me cedeu descubro um bom número de edifícios que eu devia ter visitado, caso do Quartel-General de Beresford, a Igreja de Nossa Senhora da Fresta, um importante exemplar da arquitetura taro-romântica, a Igreja da Misericórdia, paciência, talvez muito em breve este meu amigo dileto tenha outro livro para apresentar e me convoque, virei prestes, sem hesitar.

(continua)

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Nota do editor

Último poste da série de 2 DE ABRIL DE 2022 > Guiné 61/74 - P23134: Os nossos seres, saberes e lazeres (499): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (44): Nunca me canso com as belezas de Trancoso, o regresso é inevitável (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P23154: Humor de caserna (44): Histórias pícaras: O Gasparinho - Parte I (António J. Pereira da Costa / José Afonso): (i) Siga a marinha; (ii) E viva a Pátria! Viva o nosso General!... Puuum"!; (iii) Reconhecimento pelo fogo, na picada de Nhamate-Binar; (iv) Não há rádios AVP1? Então mandem-me... o Teixeira Pinto!

Guiné > Região de Cacheu > Carta de Bula (1953) > Escala 1/50 mil > Posição relativa de Nhamate, sede da CART 3330 (1970/72) com destacamentos em Manga, Changue e Unche... E ainda Ponta Cuboi (à direira). À esquerda do mapa ficava João Landim. Na parte superior do mapa, a uns escassos quatro quilómetros, a noroeste de Binar, ficava uma base do PAIGC, o temível Choquemone.

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2022)



Guiné > Região do Cacheu  > Binar > Nhamate > CCAÇ 13 > 1970 > Tratava-se de um reordenamento, tendo a população sido substraída ao controlo do PAIGC. As NT tiveram que construir um aquartelamento de raíz. Vivia-se em tendas. "A nossa missão junto da população foi calma, em geral mostrou-se afável e colaborante, embora fosse clara a tristeza por abandonarem a sua antiga casa. Notou-se alguma influência da guerrilha, pois dois elementos da população (guerrilheiros?) chegaram a desafiar abertamente a nossa autoridade, um acabou por ser preso e o outro por ser morto, depois destes incidentes, as relações com a população foram sempre excelentes. Este reordenamento, tinha não só o objectivo de retirar a população do controlo do PAIGC, mas também de reforçar a defesa nesta zona, dado que com os novos foguetões 122 mm, seria fácil à guerrilha atingir Bissau a partir daqui... " (Carlos Fortunato). Foto do álbum de  Adriano  Silva, ex-fur mil da CCaç 13 (Bissorã, 1969/71).

Foto (e legenda) : © Carlos Fortunato (2008). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Às voltas com os "escritos" do José Afonso sobre o seu comandante, Salgueiro Maia (que morreu há 30 anos),  e os seus camaradas da CCAV 3420 (Bula, 1971/73), descobri, em postes já publicados, mas dispersos, várias referências ao cap art (depois promovido a major, 2.º camdt do BA 7) José Joaquim Vilares Gaspar, o primeiro de três comandantes que teve a CART 3330 (Nhamate e Bula, 1970/72).

É uma figura da qual se contam também "histórias pícaras", aqui lembradas por quem o conheceu  ou foi seu contemporâneo: casos do António J. Pereira da Costa, seu amigo, mas também  José Afonso,  José Borrego, Luís Faria... Achámos por bem recuperar essas histórias. Publicando um primeiro de vários postes na série "Humor de Caserna".

Infelizmente não temos nenhuma foto dele, nem grande informação sobre a vida do militar e do homem. Julgamos que antes da Guiné terá passado por Angola e Moçambique. Infelizmente também já morreu, há muito (c. 1977).

No sítio Memórias d'África e d'Oriente, encontrámos a seguinte referência bibliográfica:

[84547]  GASPAR, José Joaquim Vilares
Aí estão eles... carta do meu amigo Luís de Sá / José Joaquim Vilares Gaspar
In: Polícia Moçambique. - nº 6 (Nov. 1968), p. 7-8, il.
Descritores: Moçambique | Literatura
Cota: 3166|IICT


Histórias pícaras > O Gasparinho


(i) Siga a Marinha!

O primeiro a falar dele no nosso blogue, em 2007, no poste da sua apresentção à Tabanca Grande (*),  foi  o António J. Pereira da Costa, seu amigo, também ele da arma de artilharia, a propósito da famosa expressão "Siga a Marinha" (cuja autoria lhe é atribuída, indevidamente ou não, veremos isso mais tarde):

(...) Esta frase foi inventada pelo capitão José Joaquim Vilares Gaspar, mais tarde major, ainda na Guiné (no GA 7) e falecido por volta de 1977. Era o célebre Gasparinho de Quibaxe (Angola) de quem se contam muitos ditos e anedotas, quase todas verdadeiras, embora incríveis.

Salgueiro Maia fala dele no seu livro  [Capitão de Abril - Histórias da Guerra do Ultramar e do 25 de Abril, 1994]   (...) e na Fotobiografia da Guerra Colonial (Circulo de Leitores) (...)  transcreve-se uma nota que ele escreveu, na Guiné, expondo a situação do seu quartel em Nhamate, "mais propriamente abarracamento": Siga a Marinha que o Exército já lá está e Força Aérea já anda no ar há meia-hora. (...)

Era assim que ele a dizia. Talvez um desabafo ou uma crítica ou até um bordão para se sentir vivo. Não o dizia com qualquer espécie de humor. Conheci-o bem. Era um homem sério, muito inteligente, bom condutor de homens e com uma capacidade de crítica muito apurada, mas que bebia bastante. Além disso, a inteligência e a capacidade de crítica são uma mistura explosiva" (*)


(ii) E viva a Pátria! Viva o nosso General!... Puuum"...

Outra referência a este militar, carinhosamente conhecido como Gasparinho, foi feita pelo José Afonso, ex-fur mil at cav, CCAÇ 3420 (Bula, 1971/73) quando esteve destacado em Nhamate com o seu 3.º Gr Comb, de 19 a 24 de Novembro de 1971, fazendo segurança a Bissau.  Fou nessa altura que ouviu os militares da CART 3330 (que guarnecia Nhamate e mais os seus destacamentos: Manga, Unche e Changue).

(...) Achamos estranho quando no primeiro dia, ao pôr-do-sol, toca o clarim para a formatura do arriar da Bandeira. É formada a secção em frente mas o engraçado é que depois da bandeira descida, em vez de o Furriel mandar direita volver, manda meia volta volver. E, nesta posição, de costas para o pau da bandeira, cantava-se:
- E viva a Pátria, viva o nosso General! 

Ao mesmo tempo mandavam como que um coice e gritavam:
- Puuum!!! (...)

O Comandante desta Companhia, a CART 3330 (vd. ficha a unidade a seguir),  inicialmente foi o célebre Capitão Gaspar, mais conhecido por Gasparinho, que como foi promovido a Major foi para a COP de Mansabá. 

Na altura que estivemos em Nhamate, o Capitão Gaspar já não estava mas as histórias contadas são hilariante e nem parecem ser reais. Eis algumas delas:

(iii) Reconhecimento pelo fogo, na picada de Nhamate-Binar

Semanalmente de Nhamate ia uma coluna a Binar buscar os reabastecimentos. 

Era uma longa picada que deveria ser picada devido à hipótese de haver minas na zona. Isso não se fazia. Ou se montava uma HK21 na primeira viatura e se varria a picada à rajada ou então o Capitão Gasparinho picava-a à rajada de G3, tendo para isso sempre ao lado um homem que assim que acabava um carregador de imediato lhe passava outra G3. 

Era como ele dizia o reconhecimento pelo fogo.


(iv) Não há rádios AVP1? Então mandem-me... o Teixeira Pinto!

Em Junho de 1971, Bissau é atacado por foguetões de 122 mm. 

À Companhia do Capitão Gaspar, a CART 3330,  é dada ordem para ocupar a Ponta Cuboi com um Pelotão, evitando outra possível flagelação de Bissau. Era difícil a esta Companhia dividir-se por 4 locais e a Companhia também não tinha rádios para o pessoal a destacar.

O Capitão Gaspar pedia muitas vezes através de mensagem algum material de que necessitava. Como já era demais conhecido em todas as Repartições de Bissau, quase nunca lhe era dado um sim. Desta vez pediu rádios AVP1. Responderam-lhe que Teixeira Pinto tinha sido o homem que havia pacificado a Guiné e conseguiu fazê-lo sem rádios. Resposta por mensagem:
- Então mandem-me o Teixeira Pinto.

Teixeira Pinto não veio mas o Capitão teve de cumprir a missão. Depois do Pelotão ter saído para Ponta Cuboi, enviou nova mensagem para Bissau:

Em referência às vossas mensagens, informo missão cumprida. Solicito autorização contratar 40 guardas-nocturnos a fim de garantir segurança às minhas posições.

O Pelotão de Ponta Cuboi fazia rotação entre os 4 locais da Companhia e patrulhava a zona 24 horas por dia. Ao sair para este patrulhamento, o Pelotão saía de modo muito original, com os homens equipados e armados em coluna de dois, cantando em coro, ao ritmo da marcha:

Cá vai a 30
Com arquinhos e balões
Vai P’rá Ponta Cuboi
Ver passar os foguetões!

(Continua)

2. Ficha de unidade:

Companhia de Artilharia n.º 3330

Identificação: CArt 3330

Unidade Mob: RAL 3 - Évora

Cmdt: Cap Art José Joaquim Vilares Gaspar | Cap Mil lnf José Alberto Palma Sardica ! Cap Mil Inf José Vicente Teodoro de Freitas

Divisa: -

Partida: Embarque em 14Dez70; desembarque em 20Dez70 | Regresso: Embarque em 13Dez72

Síntese da Actividade Operacional

Após a realização da lAO, de 04Jan7J a 30Jan71, no CMl, em Cumeré, seguiu em 02Fev71 para Nhamate, a fim de efectuar o treino operacional e sobreposição com a CCaç 2529.

Em 28Fev71, assumiu a responsabi Iidade do referido subsector de Nhamate, com destacamentos em Changue e Unche, ficando integrada no dispositivo e manobra do BCaç 2898 e depois do BCav 8320/72, sendo especialmente orientada para a coordenação dos trabalhos dos reordenamentos das populações da área e sua promoção socioeconómica.

Em 300ut72, foi rendida pela 2." Comp/BCav 8320/72, por troca, e foi deslocada para Bula, ainda na dependência do BCav 8320/72, onde permaneceu até 27Nov72, como subunidade de intervenção e reserva do sector e em serviço de guarnição.

Em 27Nov72, foi substituída em Bula por dois pelotões da 2.a Comp/BCav 8320/72 c seguiu para Cumeré, onde se manteve a aguardar o embarque de regresso.

Observações . Tem História da Unidade (Caixa n." 99 - 2ª Div/4ª Sec, do AHM).

Fonte: Excertos de: CECA - Comissão para Estudo das Campanhas de África: Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974) : 7.º Volume - Fichas das Unidades: Tomo II - Guiné - 1.ª edição, Lisboa, Estado Maior do Exército, 2002, pág. 476.
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Guiné 61/74 - P23153: Parabéns a você (2053): Jorge Canhão, ex-Fur Mil Inf da 3.ª CCAÇ/BCAÇ 4612/72 (Mansoa, 1972/74); Mário Vitorino Gaspar, ex-Fur Mil Art MA da CART 1659 (Gadamael e Ganturé, 1967/68) e Cor PilAv Ref Miguel Pessoa, ex-Tenente PilAv da BA 12 (Bissau, 1972/74)





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Nota do editor

Último poste da série de 6 de Abril de 2022 > Guiné 61/74 - P23144: Parabéns a você (2052): Joaquim Mexia Alves, ex-Alf Mil Op Especiais da CART 3492/BART 3873, Pel Caç Nat 52 e CCAÇ 15 (Xitole, Mato Cão e Mansoa, 1971/73)

sexta-feira, 8 de abril de 2022

Guiné 61/74 - P23152: Notas de leitura (1435): "O Silvo da Granada, Memórias da Guiné", por José Maria Martins da Costa; Chiado Books, Agosto de 2021 (4) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 14 de Março de 2022:

Queridos amigos,
Um ano e picos depois de Guileje, com umas férias em Bissau de premeio, Martins parte para Cufar, leva saudades mil, adorou e ficou marcado para o resto da vida com aquele convívio da tabanca de Guileje, viu muita gente chegar e partir, faz-nos saber que o aquartelamento parecia um fortim inexpugnável, fez muito trabalho de Transmissões, andou com o rádio às costas nos patrulhamentos, registou as grandes alterações que se deram na quadrícula, desapareceu Gandembel, Cacoca, Mejo, Cameconde, Sangonhá, Guileje tornou-se uma fortaleza solitária, ponto nevrálgico do Sul. 

Uma escrita invulgar, fala-se de Júlio César, de Dante, de Horácio, de Ovídio, enfim, expoentes da literatura greco-romana e dos nossos clássicos, tudo sem presunção ou a necessidade de impressionar o freguês da escrita, está-lhe na medula, cita sempre a propósito Camões ou a Bíblia. E nunca nos esconde que reza, que está grato a Deus por tudo o que viveu e por tudo quanto continua a amar, como esta inquebrantável saudade que lhe traz a Guiné.

Um abraço do
Mário



Uma invulgaridade da literatura da Guerra da Guiné (4):
O Silvo da Granada, por José Maria Martins da Costa


Mário Beja Santos

Uma surpresa, e com aspetos bem curiosos, este O Silvo da Granada, Memórias da Guiné, por José Maria Martins da Costa, Chiado Books, agosto de 2021. O leitor é colhido por uma prosa onde primam citações de clássicos, a começar pelo latim, tudo passa a ser entendível quando se lê o currículo que o autor apresenta:

“Natural de Roriz, concelho de Santo Tirso, aí frequentei a escola primária, finda a qual entrei no seminário, mais precisamente no mosteiro da Ordem Beneditina. Saí no sétimo ano, talvez para voltar daí a trezentos anos como o monge de Bernardes. Como trezentos anos demoram a passar, para não estar ocioso entretive-me a tirar o curso de Filosofia na Universidade do Porto, e ainda o de Latim, Grego e Português, e respetivas literaturas, na Universidade de Coimbra. 

"Entretanto, assentei praça no Exército, indo para a Guiné como combatente da Guerra do Ultramar e assentei arraiais civis no Porto, onde casei, fui professor e jornalista. Nesta cidade, tenho levado vida plácida e remansosa, dentro dos parâmetros da Aurea Mediocritas de Horácio. 

"Por falar em Horácio, ia-me esquecendo de dizer que publiquei há anos um livro de poemas intitulado Libellus, palavra latina que tanto pode significar pequeno livro como libelo acusatório. Fora das partes líricas, acusava realmente e castigava alguns dos costumes e vícios da sociedade contemporânea. Queria endireitar o mundo. Mas o mundo ignorou o livro e continuou cada vez mais torto”.

Longa já vai a comissão do primeiro cabo Martins, mas ele ainda tem muito para dizer, como narrador quer que saibamos por onde paira a sua escrita: 

“Isto não é um diário. Antes fosse; que tudo iria por sua ordem, sem as errâncias de uma pena vadia, agora e logo perdida em digressões, por vezes longas, decerto fastidiosas. Também não vai escrito por meses, posto às vezes parece. Já agora, conseguiria se fosse? Há os anais, as décadas, os diários. Só para a escrita por meses não se inventou nome, decerto porque nunca foi preciso.”

Estamos agora a passar de março para abril, deram-se mudanças de vulto de Pel Caç Nat 51, refere quem sai e quem chega. A quase um ano que leva na Guiné, vai a Bissau, regressa a Guileje ao fim de menos de três semanas, terá descansado na capital, não se mostra motivado pela cidade, viaja de barco e vai até Gadamael, tem saudades da gente da tabanca, aproveita toda e qualquer oportunidade para expor uma nótula histórica, desta feita fala da envangelização. 

É envolvido em patrulhas, felizmente tudo corre sem acidentes. São grandes as amizades com os Futa-Fulas, caso de Mariama, de Ádama, dá-nos conta da vida religiosa islâmica, não esquece de nos lembrar a rotina das colunas entre Guileje e Gadamael. Mais modificações nos efetivos de Guileje, chegou uma companhia inteira para o lugar de outra, sente barulho a mais na convivência, prefere ir viver na cave do posto de rádio. 

Já estamos em novembro e chega a notícia da transferência do Pel Caç Nat 51, tal como o Pel Caç Nat 67, vão para Cufar, no termo de Catió.

Não irão por estrada, a única forma de lá chegar é alcançar Gadamael, descer o rio Cacine até à sua foz, percorrer um estreito canal, rio chamado Cagopere, aproar ao rio Cumbijã e subir boa parte do seu curso inferior, meter talvez ainda por um afluente deste e depois por terra fazer os últimos quilómetros até Cufar. Como observa: duas picadas, dois ou três rios, um mar, um estreito. Despede-se com enorme saudade dos seus amigos da tabanca, a coluna alcança Gadamael sem novidade. E desabafa: 

“O Martins, erguendo mãos e olhos ao céu, rende graças a dois santos da sua particular devoção, a quem se encomendou a meio do percurso mais brusco e mais rijo por pouco o não arremessou de escantilhão para a orla da brenha. Alonga ainda um olhar lá para trás, para onde ficou a picada. Estranha coisa! Não tornara a trilhá-la nunca mais, nem a temível vereda nem a mata traiçoeira, devia dar-lhe um enorme alívio. Pois causa-lhe… um travo amargo de saudade.
Saudade do pedaço de vida que ali ficou”
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Foi breve a viagem de Gadamael a Cacine, ficou surpreendido de aqui encontrar laranjeiras e tangerinas, observa que Cacine é menos sacrificada que Guileje ou Gadamael. A sua atenção converge agora para o soldado de Djambói e sua mulher Igétu, o soldado gasta o tempo e o parco pré, algo fascina Martins quando vê esta mulher jovem de rosto redondo e olhos sossegados, pacata e tímida, conversam muito. O comboio das lanchas, escoltado por navio-patrulha prossegue viagem, Igétu desperta-lhe a sensualidade, é assim o desenho que dela traça: 

“Está deitada sobre o lado esquerdo, com mão do mesmo lado sobre o queixo, o braço direto descaído para o ventre, as pernas levemente encolhidas, as pálpebras cerradas, os lábios entreabertos, as narinas ligeiramente dilatadas, a respiração suave. O rostinho arredondado, as orelhas feitas ao torno, a testa lisa, desfranzida, nem alta nem baixa, a mui ténue protuberância da nuca, tudo concorre admiravelmente para a feição regular da cabeça”.

O comboio de navios passa pelo Canal do Melo, ali perto é Cabedu, Cufar não é longe, temos ainda o Cumbijã e as suas duas alongadas curvas, estão já na aldeia Cantone, 3 km à frente espera-os Cufar, no meio Mato Farroba, área sossegada. O Martins lá vai para o posto de rádio. Regista dois acidentes mortais no Pel Caç Nat 51, chega-se ao Natal e depois ao Ano Novo. Espraia-se nas descrições: 

“Assim como Cacine estende um braço até Gadamael, aqui o Cumbijã alonga um braço para Cufar. Braço ou afluente, chamam-lhe rio, o rio Manterunga. Navegam-no na maré cheia barcaças que abicam num modesto cais, tão modesto quanto o rio. A maré baixa, encalham no lodo, até que a cheia as ponha de novo a flutuar”

A água que escasseava em Guileje superabunda em Cufar, fala dos patrulhamentos, neles se integra, tudo é pretexto para falar dos rios ou ramais, dos himalaias de lama, ele teme perder o rádio no meio de tanto chapinhar no áspero tarrafo. Pega-se com um furriel, deita umas palavras desabridas, apanha como castigo sete noites seguidas, na trincheira, em Mato Farroba. Vai ao médico a Catió, apraz-lhe a limpeza e o asseio das ruas, o muito arvoredo que as sobreia e ornamenta, acha-la muito limpa a agradável para viver.

Regressa a Cufar, chegámos à Páscoa, há um doce reencontro com Igétu, esta a de Guileje, não aquela jovem mulher que o marido a ignora e que provoca uma certa polvorosa no Martins. Ainda aparece outra jovem na vida do primeiro cabo das Transmissões, Tupe de seu nome, por estas e por outras o Martins medita se não devia ficar ali, talvez o leitor o tome por delírio, ou sonho ou desvario.

Aquela comissão que parecia não ter fim prossegue com patrulhamentos, vigilâncias e emboscadas, anuncia-se a partida, Martins sabe que é grande a mágoa de se apartar de Tupe e de Igétu, regressa a Catió, ainda encontra gente do seu tempo de Guileje. Estamos agora em julho de 1970, chove a cântaros, os amigos vêem-no partir num Dakota. 

“Sentado num duro banco, o Martins desoprime o peito com um fundo suspiro. E com as mãos sobre os joelhos e os olhos fechados, a Deus lhe agradece ir vivo e ileso; reza pelos que não tiveram a mesma sorte. Em Bissau, se houver tempo, há de tornar ao cemitério, em visita às campas dos que lá ficaram abandonados”.

Aqui se põe termo às memórias de José Maria Martins da Costa, parece-me esclarecida a invulgaridade do que ele tinha para contar, apoiando-se na literatura clássica portuguesa e na greco-latina, nada se leu de parecido, e é bom que assim seja, estar-se a caminho dos 80 anos e entregar memórias de que ninguém podia suspeitar com uso de tanto português vernáculo para quem estacionou num dos mais temíveis palcos da guerra da Guiné.


Guiné > Região de Tombali > Catió > CCAÇ 617 (1964/66) > A igreja de Catió. 

Foto: © João Sacôto (2019)

Lisboa > Museu Militar > O foguetão 122 mm ou a arma especial Grad (na terminologia do PAIGC). Era uma arma de artilharia, de bater zona e não de tiro de precisão, com alcance máximo de 11.700 metros para 40º de elevação. Segundo um relatório do PAIGC a distância maior a que se efectuou tiro, teria sido contra Bolama, em 4 de Novembro de 1969, a 9800 metros. O foguete dispunha de um perno (assinalado a vermelho) que, percorrendo o entalhe em espiral existente no tubo, imprimia uma rotação de baixa velocidade a fim de estabilizar a vôo. As alhetas só se abriam depois do foguete sair do tubo.

Foto (e legenda): © Nuno Rubim (2007). Todos os direitos reservados.
Região de Tombali > Cufar > > Tabanca > 1973 > Aspeto parcial. 

Foto: © Luís Mourato Oliveira (2016)
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Nota do editor

Último poste da série de 4 DE ABRIL DE 2022 > Guiné 61/74 - P23139: Notas de leitura (1434): "O Silvo da Granada, Memórias da Guiné", por José Maria Martins da Costa; Chiado Books, Agosto de 2021 (3) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P23151: Recordando o Salgueiro Maia, que eu conheci, o meu comandante, bem como os demais bravos da minha CCAV 3420 (Bula, 1971/73) (José Afonso) - Parte V: Histórias pícaras: (viii) O brutibol e os treinadores de bancada

Guiné > Região do Cacheu > Bula > CCAÇ 2790 > A equipa de futebol... De pé, do lado direito, de camuflado, o cap inf  Gertrudes da Silva, que sucedeu ao cap José Pedro Sucena , no comando da CCAÇ 2790, entre fevereiro e setembro de 1972. Foto gentilmente cedida pelo José Câmara (que vive nos EUA) ao António Matos, ex-alf mil, MA, CCAÇ 2790 (Bula, 1970/72). 

Foto (e legenda): © José Câmara (2009). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné > Região de Quínara > Nova Sintra >  2ª CART / BART 6520/72 (Bolama, Bissau, Tite, Nova Sintra, Gampará, 1972/74) > Equipa de futebol dos graduados...

Foto (e legenda): © Carlos Barros (2020). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné > Bissau > HM241 (1968/70) > A equipa de futebol do Hospital Militar

Fotos: © Manuel Freitas (2011).  Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Sector L1 > Bambadinca > CCAÇ 12 (1969/71) > A equipa de futebol de onze, aqui vestida a rigor, com o equipamento a condizer: simbolicamente, camisola preta e calção branco... Esta era a equipa principal...em que tinha lugar o fur mil Arlindo Teixeira Roda (, o primeiro da primeira fila, a contar da direita, o autor da foto). Mas, curiosamente, numa companhia em que as praças eram do recrutamento local (c. 100) e os restantes elementos (graduados e especialistas) de origem metropolitana (c. 50), não havia nenhum guineense...

Foto (e legenda) : © Arlindo Roda (2010). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Nâo temos nenhuma foto da equipa de futebol de Os Progressistas, mas sabemos que o futebol era acarinhado pelo cap cav Salgado Maio, comandante da CCAV 3420 (Bula, 1971/73). 

E no "jornal de caserna" o futebol ocupava um importante lugar nas edições (não sabemos quantas...) que se fizeram, como se pode avaliar por dois recortes, com prosa bem humorada, que republicamos hoje. A seleção é do José Afonso.

Como em todos os lados havia alguns craques e "treinadores de bancada" que, não sabendo jogar, escreviam sobre o "brutibol" no "jornal de caserna"... O Salgueiro Maia devia ser um bocado  "sarrafeiro", à falta de jeito para a bola... É o que deduzo destas crónicas...

É verdade que, para além da bola  (e das jogatanas de cartas) não havia muito mais formas de ocupar o tempo, nas horas de lazer, no TO da Guiné... Alguns liam ou ouviam rádio, nalguns aquartelamentos havia um armário com algumas dezenas de livros, em geral oferta do Movimento Nacional Feminino.  Um ou outro militar recebia jornais e revistas da metrópole ("A Bola", mas também a "Vida Mundial", a "Seara Nova", o "Comércio do Funchal", o "Notícias da Amadora", o "Jornal do Fundão", etc.). 

Em 1971/73, o país vivia ainda, desde 1926,  sob a "mordaça da censura", e praticamemte todas as notícias sobre a "guerra colonial" eram filtradas... Aliás, eram escassas, praticamente não saíam notícias sobre a guerra na Guiné, por exemplo, a não ser os "comunicados" das Forças Armadas, noticiando mais uma ou mais mortes de militares, no período de tal a tal...

A maior parte escrevia, obsessivamente, cartas e aerogramas para a metrópole... às carradas. Para os pais, as mulheres, as noivas, as namoradas, as madrinhas de guerra, os amigos... Mas escondia-se a dura realidade da guerra, por medo, por autocensura,  etc. Em contrapartida, os militares  adoravam receber os "bate-estradas", que chegavam ao SPM. No caso da CCAV 3420, era o SPM 1898.  

Outra forma de "matar o tempo" era passear pelas tabancas em redor dos aquartelamentos. Pescar  podia-se nalguns sítios. Mas, em geral, o peixe era intragável, sabia a lodo.  Quanto à caça,  era um luxo só permitido, em geral, aos oficiais (ou aos  milícias autorizados a  caçar para abastecer a tropa e/ou a população civil).

Sessões de cinema ou espetáculos de música podiam acontecer uma vez por festa, num sítio ou noutro... Raras eram as povoações (em  geral, sedes de circunscrição ou concelho) que tinham cinema: Bissau, Bafatá, Teixeira Pinto, Nova Lamego...

 As saídas às povoações mais importantes (Bafatá, Nova Lamego, Bissau, Teixeira Pinto...) era condicionadas por motivos de segurança, tal como os torneios de futebol "interregionais"... A feitura do "jornal de caserna" podia dar trabalho a uma pequena equipa...Mas a verdade é que, para além do futebol (e do "jornal de caserna") não sabemos como os Progressistas de "divertiam"... em Bula e outros aquartelamentos e destacamentos por onde passaram como Capunga,  Pete, etc. Talvez o José Afonso nos possa dizer algo mais sobre isto.




Capa do "jornal de caserna" da CCAV 3420 (Bula, 1971/73). Diretor: Cap cav Salgueiro Maia. 


Histórias pícaras > (viii) O brutibol e os treinadores de bancada


por José Afonso (*)



(i) COMENTÁRIO: O BRUTIBOL 

 Os Progressistas assistiram estupefactos aos acontecimentos no campo do Sporting Clube de Portugal num dos últimos domingos. Era visível em todos a consternação e incredulidade. Seria possível? Um árbitro a comer no toutiço,  ainda por cima daquela maneira? 

Fizeram-se mesas para comentar o caso e a opinião foi unânime, aqui no campo dos Progressistas nunca sucedeu nem pode suceder tal coisa. E, no entanto, todos nós somos profissionais e desejamos ganhar o nosso campeonato. Mas entre nós cada jogador para além do elevado grau de tecnicismo que possui, dispõe também de uma correcção impecável. 

 Mas concretizemos para ver que não falamos de cor: antes de entrarmos em campo, uma das equipes, formada por oficiais e sargentos do QP,  já vai a ganhar entre 3 a 5 bolas à outra, a dos furriéis. Ora desta maneira já não há aquela ansiedade que estraga e destrói o verdadeiro desporto. Uma equipe ganha e a outra já sabe que perde até porque quando por qualquer motivo imprevisto começa a reduzir a diferença, o nosso Capitão acaba logo com o jogo porque entretanto já se está a fazer noite e a qualidade dos jogadores perde-se. 

 E há exemplos admiráveis de jogadores natos de correcção estrema: é o Monteiro fazendo triangulações e pasodobles; é o Almeida, autêntica locomotiva em ataques furiosos e que terminam algumas vezes no chão por placagem sempre serena do nosso Capitão; é o 1.º Beliz, guarda-redes magnífico, que com alguns empurrões e muita ciência acaba por dominar a situação; o sargento Pascoal sempre à frente, à espera da bola e nunca consegue terminar nenhuma avançada e, sou eu, cuja importância é tão grande no desenrolar do jogo que noutro dia o nosso capitão até me disse: - Saia daí que você está a atrapalhar tudo! 

 Temos ainda o sargento Carreteiro muito bom em discussões futebolísticas mas, uma negação na defesa; o furriel Sancho, el ninho d’ouro”, o máximo que se pode exigir em técnica, pena que ande constantemente com os calções a cair-lhe, não fosse isso, o rapaz daria que falar; também o que nos vale é não haver por estes lados uma “liga dos costumes”. 

 Bem ainda não falamos do Seringa que quer que os golos dos furriéis sejam golos quando o nosso capitão considera que, como ninguém pediu autorização para marcar, o golo seja anulado! 

 Depois temos o alferes Mendonça,  “el Olívia Palito”,  que cada vez que entra no jogo, arranja um paludismo para os dias seguintes. Esclareço que cada falta ao prélio é paga com um garrafão de verde. 

 Pois é assim. Cá os Progressitas  não vão em agressões ao árbitro. E, para mostrarem bem que isso nunca sucedeu nem poderá suceder, continuarão a fazer como até aqui. Jogar com delicadeza e quanto a árbitro, “Cá Tem”. 

 Se quer praticar bom brutibol, se quer desenvolver as nódoas negras e os joelhos descascados, se enfim quer ser um homem, então frequente às terças, quintas e domingos, no extraordinário complexo desportivo do estádio “Erva” em Pete. 

BIGODES, jornal Os Progressistas, 9 de novembro de 1972


  (ii) O TEMA É CRITICA 

 Antes de mais quero dizer a quantos lêem o Jornal dos Progressiats  que não sou crítico de rádio ou televisão. Sou crítico em exclusivo deste jornal, de que é propriedade a CCav 3420, comandada pelo Capitão de Cavalaria, Fernando José Salgueiro Maia 

 A crítica que vou fazer é sobre a nossa equipa de futebol, já que no último jornal se falou muito de futebol, mas ao que parece o autor do artigo não falou daquilo que devia falar. 

 Falando no valor individual de cada elemento, começo já pelo guarda-redes, o nosso sargento Carreteiro, sem dúvida, bem constituído e com grande poder de elevação mas, pareceu-me que é altura de ser substituído e, o melhor substituto é o Bártolo do depósito de género ou o Paulo, o cozinheiro. A defesa central tem um elemento com longa experiência adquirida ao longo de 4 comissões que já fez no ultramar. 

Trata-se do 1.º sargento Beliz que, quanto a mim,  parece ter uns quilos a mais mas, como o campeonato está ainda em princípio parece-me ter possibilidades de recuperação. 

Quanto ao sargento Pascoal, é pedra base na equipe, porque consegue estar os 90 minutos no mesmo sítio à espera que a bola lhe venha ter aos pés. Dos furriéis, Sancho e Moreira, prefiro nem falar. 

Quanto ao furriel Gomes consegue ser superior em todos, mas em bigode; temos ainda os furriéis Monteiro, Almeida e Marques. O primeiro em vez de pensar no futebol anda mas é a pensar como pode acontecer faltar o frango aos domingos. 

Estou mesmo a ver que qualquer dia o Santos cozinheiro fica sem os seus frangos que parecem andar a mais cá no destacamento. O segundo é um elemento também muito habilidoso mas muito rafeiro, entrando sempre em falta, mas suponho eu, que um jogador com a sua classe não precisa de fazer tantas faltas sobre o adversário. 

 Temos ainda o Marques, o jogador mais disciplinado que entra em campo, é bom também em técnicas Resta apenas falar no trio da avançada que é composto pelos jogadores: Alferes Simões, Alferes Mendonça e Capitão Maia e, ao que me parece ser este ultimo, o capitão da equipe porque,  para além de dar ordem para terminar o jogo quando está a perder, está constantemente a dizer aos espectadores para que saiam para fora do arame farpado. 

 Quanto ao alferes Mendonça que nem mesmo a tomar leite em pó com flocos de cereais, não consegue dar um pontapé certeiro. O alferes Simões, é um jogador de cabeça e que joga sempre à vontade, talvez por daqui a uns meses ir no “gosse” para a Metrópole. O capitão Salgueiro Maia parece-me ter medo da disputa de bolas de cabeça. Talvez seja derivado, a trazer sempre o cabelo curto, não deixa, no entanto de ser um bom extremo esquerdo e cheio de dinamismo e iniciativas que, por vezes são perigosas para o guarda-redes. 

 Resumindo e fazendo um balanço colectivo, parece-me que toda a equipa precisa de preparação física adequada e, essa preparação podia ser dada da seguinte maneira: Juntar todos os jogadores em grupos de 4 e fazerem talvez uns blocos de cimento pelo menos, sempre contribuíam para o bem estar de todos e, ainda para uma “Guiné Melhor” 

 Eu peço desculpa quanto à crítica. Não foi feita para prejudicar ninguém mas sim, para que o jornal em vez de 4 folhas comece a ter 6, se possível. Para isso, precisamos de mais colaboradores. 

Soldado João Ribeiro, jornal "Os Progressistas", setembro de 1972


[ Revisão / fixação de textos e títulos / negritos, para efeitos de publicação deste poste no blogue: LG ]

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Nota do editor:

(*) Último poste da série > 6 de abril de  2022 > Guiné 61/74 - P23145: Recordando o Salgueiro Maia, que eu conheci, o meu comandante, bem como os demais bravos da minha CCAV 3420 (Bula, 1971/73) (José Afonso) - Parte IV: Histórias pícaras: (vii) Os Mais dos... Progressistas (divisa da companhia e também título do jornal de caserna)

quinta-feira, 7 de abril de 2022

Guiné 61/74 - P23150: A Universidade de Lisboa, sob proposta da Faculdade de Letras, atribuiu o grau de Doutor Honoris Causa a René Pélissier como reconhecimento de mérito Académico, Científico e Profissional na área da História de Portugal

Com a devida vénia à Universidade de Lisboa



1. No sítio da Universidade de Lisboa, pode ler-se sobre o novo Doutor Honoris Causa:

(...) René Pélissier (Nanterre,1935), Doctorat d’État ès lettres pela Universidade da Sorbonne em 1975, com a tese intitulada Résistances et révoltes en Angola. 1845-1961, foi distinguido em 1978 com o Prix Kastner-Boursault, da Academia Francesa.

Com uma vasta obra bibliográfica, destacam-se como obras maiores do seu percurso como historiador, as monografias que redigiu sobre quatro colónias portuguesas: Les guerres grises. Résistances et révoltes en Angola (1845-1941), La colonie du Minotaure. Nationalismes et révoltes en Angola (1926-1961), Naissance du Mozambique. Résistances et révoltes anticoloniales (1854-1918), Timor en guerre. Le crocodile et les Portugais (1847-1913), Naissance de Ia Guinée. Portugais et Africains en Sénégambie (1841-1936), bem como a síntese publicada, posteriormente, sobre o terceiro império: Les campagnes coloniales du Portugal (1844-1941).

René Pélissier construiu, ao longo de uma vida muito prolífica, uma biblioteca de mais de 12.000 obras publicadas depois de 1820, a maior parte delas sobre o antigo império português, um espólio que encontra agora também uma nova casa na Biblioteca da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. (...)


Guiné 61/74 - P23149: Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-Furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte XXV: O "meu" regresso à Guiné (1): Enfim, pontes em vez de...muros!

 

Foto  1>  Guiné-Bissau>  Região do Cacheu > Rio Cacheu > S. Vicente >  2010 > Ponte de S. Vicente (Ponte Europa) sobre o Rio Cacheu, ligando S. Vicente ao Ingoré.  Construída pela Soares da Costa.


Foto 2> Guiné-Bissau> Região do Cacheu > Rio Cacheu > S. Vicente > 2008 > Ponte de S. Vicente em construção. Vd. blogue criado na altura por Pedro Moço (e que ainda está "on line"). obre o período de outubro de 2007 a junho de 2011. Tiago Costa também lá escreveu.



Foto 3 > Guiné Bissau> Região do Cacheu > S. Vicente > A travessia do Rio Cacheu, antes da ponte, era feita por um "ferry" que transportava veículos e pessoas (e, claro, porcos galinhas a cabras!), de seu nome “Saco Vaz”. nome de um herói de guerra guineense




Foto 4 > Guiné-Bissau> Região do Cacheu > Rio Cacheu > S. Vicente> 2009 > Mais uma travessia da “Saco Vaz”, depois de longos dias parada devido a mais uma avaria. Em frente a ponte promete desenvolvimento, contudo a "Saco Vaz"  vai deixar saudade…



Foto 5 > Guiné-Bissau> Região de Cacheu> S. Vicente> 2008 >  Festa de Natal > A cumplicidade com as gentes de S. Vicente mitigava as saudades de Portugal. Ninguém fica indiferente à afabilidade destas gentes. Como família se reuniram nos estaleiros da empresa para festejarem, conjuntamente, o Natal, onde as prendes às crianças, como em qualquer outra família, é o ponto alto da festa> 

 

Foto 6> Guiné-Bissau > Região de Cacheu > Rio Cacheu >  S. Vicente > 2009 >  Jaime Gama,  chefiando os representantes dos financiadores da obra (a União Europeia), numa visita à construção da ponte, cujo nome oficial é “Ponte Europa”. O Tiago Costa é o quarto a contar da direita. É engenheiro civil pela Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP).

A ponte Euro-africana tem 730 metros de comprimento, 11 metros de largura total,  dividido em duas faixas de rodagem de três metros e meio e dois passeios. O finaciamento da UE foi de 31 milhões de euros.



Foto 7 > Guiné Bissau> Cacheu> S. Vicente > A equipa de trabalhadores da Soares da Costa que construiu a Ponte de S. Vicente. O  Tiago Costa é o terceiro da esquerda da primeira fila.



Foto 8 > Guiné-Bissau > Região de Cacheu > S. Vicente> A equipa de trabalhadores guineenses contratados pela Soares da Costa (Era conhecida pela equipa maravilha!) 


Fotos (e legeendas) © Tiago Costa / Joaquim Costa (2022). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Joaquim Costa, hoje e ontem. Natural de V. N. Famalicão,
vive em Fânzeres, Gondamar, perto da Tabanca dos Melros.
É engenheiro técnico reformado. Foi também professor.

Já saiu o seu livro de memórias (a sua história de vida),
de que temos estado a editar largos excertos, por cortesia sua.
Tem um pósfácio da autoria do nosso editor Luís Graça (*)


Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-Furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) (*)


Parte XXV - O "meu" regresso à Guiné (1): Enfim!, pontes em vez de muros


Aproveitando o facto de ter o meu filho Tiago (Engenheiro  Civil da Soares da Costa) a trabalhar na Guiné (de 2007 a 2009), na construção de uma ponte sobre o rio Cacheu, junto a S. Vicente, considerei fortemente a possibilidade do meu regresso à Guiné, aproveitando toda a logística da empresa em termos de mobilidade e segurança. 

Fui planeando com entusiasmo o meu regresso não só aos locais mais marcantes no tempo de guerra, mas também, uma visita às várias ilhas do arquipélago dos Bijagós, e, se possível, ao Senegal e à Gâmbia. Por razões várias, a visita foi sempre adiada e, infelizmente, nunca chegou a acontecer.

Concretizei o “regresso”, por interposta pessoa, neste caso o meu filho, que não obstante as dificuldades colocadas na construção de uma ponte de grande complexidade no meio do nada e onde tudo falta, deu ainda para conhecer toda a Guiné continental, as mais importantes ilhas dos Bijagós e fazer umas incursões aos "resorts" do Senegal e da Gâmbia.

 

Imagens arcantes durante a construção da ponte. 


Foto 9 > Guiné Bissau> Região de Cacheu> S. Vicente> A segurança do estaleiro da Soares da Costa era levada muito a sério. Para além do musculado guarda, havia sinalética  (ISTOP) e equipamentos de intrusão sofisticadíssimos 


Foto 10


Foto 11

 
A grande família da Obra de S. Vicente, na Guiné-Bissau, conta com um novo e surpreendente membro. O seu nome é Vicentina, tem uns poucos meses de idade, e uns belos e sedutores olhos castanhos. (Fotos  1o e 11).

A Vicentina rapidamente seduziu todos os trabalhadores, com o seu ar frágil e inseguro, e a sua graciosidade própria das gazelas.

Dada a sua tenra idade, foi no início da sua estadia alimentada a biberão, com toda a paciência e desvelo. Passada a infância, mais arisca, mais confiante, já se desloca pelo estaleiro, comendo tudo o que é verde no jardim, e confraternizando com a restante equipa técnica. Foi a mascote da obra e já faz parte das vidas de todos, com o seu ar que desperta ternura.

Seria uma ótima companhia para a Cabra Joana que a minha Ccav 8351 trouxe de Nhacobá para o Cumbijã, em 1973, na operação Balanço Final.

(Fonte: Fotos 9, 10 e 11: Cortesia do blogue Construção da Ponte S. Vicente - Guiné Bissau

(Continua)

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Nota do editor:

(*) Último poste da série > 8 de março de 2022 > Guiné 61/74 - P23057: Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-Furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte XXIV: O regresso a casa, com a cidade do Porto a abrir os seus braços só para mim