quinta-feira, 11 de fevereiro de 2021

Guiné 61/74 - P21886: Memórias de José João Braga Domingos, ex-Fur Mil Inf da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4516/73 (6): "A reunião", "Os incêndios" e "O prostíbulo"

1. Continuação da publicação das memórias, em curtas estórias, do nosso camarada José João Domingos (ex-Fur Mil At Inf da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4516 (Colibuía, Ilondé e Canquelifá, 1973/74):


16 - A REUNIÃO

Instalados em tendas de campanha, com doze moradores em cada uma, péssima comida servida ao ar livre, ausência de latrinas e de chuveiros, fizeram com que o comandante da Companhia reunisse o pessoal nas imediações do aquartelamento, a pretexto de um exercício, procurando saber quais as maiores carências sentidas para de alguma forma as poder minorar.

Várias intervenções apontaram para as reais dificuldades que os militares sentiam mas a maioria dos problemas apontados não colheram grande adesão. Com maior insistência por parte do comandante na identificação dos problemas houve quem apontasse problemas que nem existiam. Contudo, uma das questões levantadas que concitou a quase unanimidade dos presentes foi a escassez de vinho às refeições, problema que o comandante prometeu resolver de imediato.

Assim, na refeição seguinte, apareceu vinho com abundância. Claro que a quantidade era praticamente a mesma, continha era mais gelo.

Aliás, a distribuição do vinho tinha momentos caricatos. Quando algum soldado menos dado à bebida abdicava da sua ração de vinho logo o imediatamente a seguir, ou o anterior, propunham-se recebê-la. Contudo, ressaltava um problema logístico que era a inexistência de segundo copo. Sem problemas, o soldado beneficiado ingeria logo ali a ração do camarada e transportava depois a sua para acompanhar o repasto.

Esta reunião marcou-me bastante pois a uma boa intenção, rara naquele meio, correspondeu uma insensibilidade total daqueles que dela podiam tirar benefício e que nem disso se aperceberam. Aliás, e por mim falo, grande parte dos militares participantes naquela guerra nem tinham bem consciência do sarilho em que estavam metidos.

Ilondé: hora de pôr a escrita e a leitura em dia. Da esquerda para a direita: eu, o Silva, o Cibrão e o Costa (de costas). Em pé está o Chaves

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17 - OS INCÊNDIOS

No sentido de melhorar a instalação do pessoal, até que o aquartelamento fosse construído, foram erguidas duas instalações de capim que pretendiam ser o refeitório e a messe.

Creio que o refeitório nunca foi equipado com mesas e bancos e, portanto, nunca foi utilizado como tal.

A messe era dividida ao meio por uma cerca de pequenos troncos em X, para que não se misturassem oficiais e sargentos, embora estivessem todos à vista, e a conversa tinha que ser comedida pois o nosso comandante de Batalhão jogava bridge com outros oficiais e precisava de concentração. Ao fundo, tinha um balcão de atendimento também separado pela mesma cerca com um frigorífico alimentado a petróleo. Era possível comer uma sandes e beber uma cerveja sempre que o rancho não era apelativo. E havia fiado.

Um dia, talvez por avaria do frigorífico, em horário de serviço, a parede de capim incendiou-se e a messe ardeu e, com ela, arderam as existências, as notas em caixa e …o livro de fiados, cuja regularização ficou logo feita.

Porém, antes, um grupo de soldados, cuja tenda era contígua à que eu habitava, tinham no intervalo entre ambas instalado um pequeno bar, feito de capim, onde vendiam café instântaneo e que para atrair clientela dispunha do jornal “A Bola”, que um deles assinava.

Um domingo, resolveram fazer um almoço de bacalhau cozido para o qual tinham convidado dois ou três amigos de outras unidades. Por mau funcionamento da máquina a petróleo, ou por qualquer outro motivo, o bar incendiou-se tendo o fogo alastrado por acção do vento para a tenda contígua (que não a minha), onde viviam os proprietários do bar, e consumido tudo o que lá se encontrava, incluindo cerca de uma dezena de G3 e respetivas munições e algumas granadas.

A situação estava complicada e só por acaso não fez vítimas graves devido ao rebentamento das munições e granadas. Para dominar o fogo veio o carro da água e um soldado mais solidário saltou para a porta do pendura com o carro em andamento para ajudar a combater o fogo, mas, por infelicidade, estatelou-se no chão e deslocou um ombro.

Pagou cara a solidariedade, pois estava prestes a vir de férias e, com o tempo de recuperação e a resolução do respetivo auto, estas esfumaram-se.

Ilondé: o incêndio no café

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18 - O PROSTÍBULO

O desenrascanço dos portugueses, em geral, e dos soldados em condições difíceis de sobrevivência, em particular, dariam um bom livro, filme ou exposição (se isso já não foi feito).

No Ilondé, em péssimas condições de instalação já antes descritas, com doze soldados a viver em cada tenda, com todos os apetrechos militares e civis, a convivência por vezes era complicada. Mas, o pessoal era capaz de fazer milagres para melhorar essas condições e, havia um caso, logo na primeira tenda do lado da estrada, a um canto do arame farpado, onde essa convivência era exemplar.

Num dia de pré, ao cair da noite, comecei a ver algum movimento nesse canto do aquartelamento com a presença de várias raparigas do lado de fora, em amena cavaqueira com alguns soldados, e um africano, com ar cabo-verdiano, que, soube depois, se fazia transportar numa carrinha de caixa aberta. Pensei que fosse pessoal da população e não liguei mais ao assunto. Contudo, no mês seguinte, reparei no mesmo cenário, também em dia de pré, o que me levou a concluir que ali havia gato.

Até que, em conversa com um dos soldados, fiquei a par da situação. Nos dias de pré, previamente conhecidos, havia alguém que contactava com o tal cabo-verdiano que, ao cair da noite, trazia as moças para o local previamente combinado. Para que a função não fosse feita em condições desconfortáveis, as raparigas entravam para a retaguarda da tenda e aí, num colchão militar, devolviam aos usuários a calma necessária para enfrentar as agruras da vida até ao mês seguinte. Antes de iniciar a função procedia-se ao pagamento, cujo montante não apurei, e, satisfeitas as necessidades, o militar ia à vida que a moça tinha ainda clientes para atender.

Contudo, havia que proceder ainda a um pagamento adicional ao soldado que tinha cedido o colchão para o efeito, pois não era prático andar cada um com o seu colchão às costas, entre tendas, que estas coisas fazem-se de forma discreta. Normalmente, o cedente do colchão fazia rendimento suficiente para ter o mesmo benefício sem avançar com o seu dinheiro.


Ilondé: passeio domingueiro ao Biombo. À frente o P. Costa; 2ª linha: o Carmo, o Domingos, o Silva, o Martins e o Alves; 3ª linha: o Chaves, o Pinto e o Cibrão
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Nota do editor

Último poste da série de 9 de fevereiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21872: Memórias de José João Braga Domingos, ex-Fur Mil Inf da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4516/73 (5): "A carreira para Brá"; "Ilondé" e "Desenrascanço"

Guiné 6/74 - P21885: A Nossa Marinha (2): Em louvor dos bravos da Reserva Naval (1961/74) (Luís Graça / Manuel Lema Santos)


Guiné > Rio Geba > LDG 101, "Alfange" > Setembro de 1968 > Coluna Bissau - Bambadinca - Bafatá - Nova Lamego - Piche >  Peças de artilharia 11.4. ao lado de garrafões de vinho...

Foto nº 68/199 do álbum do João José Alves Martins (ex-alf mil art, BAC 1,Bissum, Piche, Bedanda e Guileje, 1967/69; membro da  Tabanca Grande desde 12 de fevereiro de 2012). (*)



Guiné > Rio Geba > LDG 101, "Alfange" > 1968 > Coluna Bissau - Bambadinca - Bafatá - Nova Lamego - Piche > Setembro de 1968 > Cais de Bissau. 

Foto nº 63/199 do álbum do João Martins.



Guiné > Rio Geba > LDG 101, "Alfange" > 1968 > Coluna Bissau - Bambadinca - Bafatá - Nova Lamego - Piche > Setembro de 1968 > Chegada ao porto fluvial de Bambadinca (... quando as LDG ainda navegavam pelo Geba Estreito até a Bambadinca, passando por Mato Cão)... 

Foto nº 73/199  do  album do João Martins. 

Fotos (e legendas): © João José Alves Martins (2012). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Dois comentários ao poste P21843 (**):


(i) Luís Graça:

Manuel, camarada: Espero que não leves a mal por ter citado o teu preciosíssimo blogue [Reserva Naval
: "Espaço aberto a antigos Oficiais da Reserva Naval na publicação de documentos, relatos, imagens e comentários. Um meio de comunicação e participação na divulgação do legado histórico da Reserva Naval da Marinha de Guerra Portuguesa".]...

Chegou-me às mãos uma foto da LDM 203, a navegar algures (presumo que entre Bissau e Catió), em 1964, no "Mare Nostrum"... Penso que a podes utilizar, foi editada por mim, o original pertence ao Rui Ferreira, filho de uma camarada nosso, infelizmente já falecido...

Aproveitei para relembrar a epopeia da LDM 302.

Não preciso de te dizer para te cuidares e poupares. Vejo que o teu blogue continua de vento em popa... Criei, no nosso (onde tens cerca de 60 referências e a "Marinha" 140...) uma nova série, "A Nossa Marinha"... Pode ser que apareçam mais fotos das nossas sempre queridas unidades navais [e surjam mais camaradas da Reserva Naval: o último foi o Carlos Moreno, hoje arquitecto,  2º tenente RN, oficial imediato da Esquadrilha de Lanchas do CTIG (1968/70) (***)].

Li também o teu poste sobre as (des)venturas da LDG Bombarda, de saudosa memória... Andei nela e vi-a várias vezes no Xime, que era a porta de entrada no Leste, como sabes...

Tenho uma história passada com a LFG Orion, nos anos 1969/70, quando esteve atracada ao cais, em reparação, e era então o melhor restaurante de Bissau... Um dia destes mando-ta.

E vamos a ver quando é que chegamos ao 1º ano da era pós-Covid (de que Deus nos livre!)... Só oiço malta a chorar a perda de amigos e familiares. Ou gente que apanhou um "cagaço" dos antigos... Que a doença, como diz o povo, vem a cavalo e vai a pé...

Um alfabravo, Luís

 de fevereiro de 2021 às 11:57

(ii) Manuel Lema Santos
 
Caro Luis Graça,

As minhas primeiras palavras são para o filho de um Camarada falecido que, pese embora o desgosto que tão pesada carga negativa arrasta para família e amigos, estará certamente em descanso. Entre os melhores, porque cumpriu o que lhe foi exigido.

Grato pelas referências feitas que, infelizmente, correspondem a um trabalho a "solo", o que não deveria suceder em qualquer situação. Há responsabilidades históricas colectivas institucionais que me não pertencem ainda que, pessoalmente, pudesse ser um colaborador entre tantos que poderiam manter viva a chama da Marinha que, tal como nos restantes ramos das Forças Armadas parece em vias de extinção.

Como é do conhecimento generalizado fui "apenas" um oficial da Reserva Naval (1TEN lic) entre 1.712 admitidos pela Briosa entre 1958 e 1975 a que se adicionaram mais 1.886 entre 1976 e 1992. 

Dos primeiros que desfilaram enquanto esteve no palco a Guerra do Ultramar, cerca de 1.000 daqueles camaradas estiveram nos vários teatros de guerra, especialmente em Angola, Moçambique e Guiné. Vou mesmo mais longe nos meus considerandos já que, mesmo em Macau, esteve um oficial RN e, em Timor, outros dois camaradas completamente ignorados. 

A LFG «Orion», 1966-1968, num teatro difícil, complementou a minha formação social e humana, pouco atractivo para jovens recém-saídos da Casa Paterna, universitário IST  [, Instituto Superior Técnico] e com 24 anos de percurso na vida. Contudo, repetiria aquela rota tendo em conta o caminho que me foi permitido percorrer, com as opções que tive de fazer como qualquer comum mortal.

Sobre as LDM, tema sobre que tenho divagado bastante,  disfrutem. A nossa Linha de Horizonte de vida, contrariando Eduardo Galeano, está a ficar bastante mais próxima cada dia que navegamos.
Cuidem-se!


(***) Vd. poste de 10 de agosto de 2020 > Guiné 61/74 - P21244: Tabanca Grande (500): Carlos Moreno, 2º tenente da Marinha, oficial imediato da Esquadrilha de Lanchas do CTIG (1968/70): senta-se no lugar nº 814, à sombra do nosso poilão

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2021

Guiné 61/74 - P21884: In Memoriam (392): João Manuel Vacas de Carvalho (Montemor-O-Novo, 1944 - Évora, 2021), referência da tauromaquia alentejana, antigo fur mil 'comando' em Moçambique, e irmão do nosso camarada José Luís Vacas de Carvalho (ex-alf mil cav, Pel Rec Daimler 2206, Bambadinca, 1969/71)

1. Vítima da Covid-19, morreu aos 77 anos no hospital de Évora, no passado dia 7, o João Manuel Vacas de Carvalho, irmão do nosso querido amigo e camarada José Luís Vacas de Carvalho.

[O Zé Luís foi  alf mil cav, cmdt dao Pel Rec Daimler 2206, nosso contemporâneo em  Bambadinca, 1969/71; tem 45 referências no nosso blogue; é um dos membros da Tabanca Grande da primeira hora, tendo participado no nosso I Encontro Nacional, na Ameira, Montemor-O-Novo, em 14 de outubro de 2006; fadista amador, é técnico informático reformado. Foto abaixo, à direita.]

O João Manuel Vacas de Carvalho [, foto ao lado,] nasceu em 1944. Era três anos mais velho que o Zé Luis. Foi forcado durante 9 épocas no Grupo de Forcados Amadores de Montemor (GFAM), tendo-se estreado em 1962,  em Santarém. Fez uma comissão de serviço militar como furriel miliciano  'comando' em Moçambique, integrado na 9ª CCmds (1967/69).

A família Vacas de Carvalho está intimamente ligada ao GFAM,  com destaque para o irmão Paulo Vacas de Carvalho, antigo cabo,  e o sobrinho António Vacas de Carvalho (atual cabo do GFAM). Era grande amigo de Simão Comenda, outro antigo forcado do GFAM, igualmente vítima mortal da Covid-19. Eram duas referências da tauromaquia portuguesa. 

Em nome da Tabanca Grande, o nosso editor já teve ocasião de telefonar pessoalmente ao Zé Luís expressando-lhe, a ele e à família,  a nossa solidariedade na dor. Os irmãos Vacas de Carvalho eram 14, tendo já morrido 3.

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Nota do editor:

Guiné 61/74 - P21883: Historiografia da presença portuguesa em África (251): A descoberta da Guiné, polémica violenta: Vitorino Magalhães Godinho versus Avelino Teixeira da Mota (2) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 9 de Junho de 2020:

Queridos amigos,
Terá sido a grande polémica travada entre dois historiadores de gabarito a propósito do importantíssimo estudo feito por Teixeira da Mota sobre o descobrimento da Guiné, ele é um jovem que se entusiasma e mesmo deslumbra pela Guiné, procedeu a um estudo afincado com base em trabalhos historiográficos fidedignos, pondo termo a muita fantasia e esoterismo à volta dos empreendimentos henriquinos naquele ponto da costa ocidental africana, fazendo jus ao trabalho de Duarte Leite que pegou na cartografia, do seu cotejo se chegou ao conhecimento de que Nuno Tristão jamais pusera os pés na Guiné Portuguesa.
Não era só a reposição da verdade que estava em causa, a historiografia da Guiné dava um salto, o futuro colaborador de Sarmento Rodrigues lançará as bases do Museu da Guiné, do Centro de Estudos da Guiné Portuguesa e do Boletim Cultural. Graças a ele e à vontade política de Sarmento Rodrigues, a colónia, em termos culturais, era motivo de estudo, chegaram à Guiné jornalistas de mérito como Norberto Lopes, o grande geógrafo Orlando Ribeiro e outros. Abria-se a Guiné ao conhecimento científico, incluindo as potencialidades agrícolas. E tudo começara por umas comemorações onde a Ciê0cia foi deitando para o caixote do lixo as epopeias delirantes.

Um abraço do
Mário


A descoberta da Guiné, polémica violenta:
Vitorino Magalhães Godinho versus Avelino Teixeira da Mota (2)

Mário Beja Santos

Após louvar a investigação de Teixeira da Mota e evidenciar o rigor usado para desmistificar a chegada de Nuno Tristão à Guiné, segue-se, com a maior contundência e com o maior número de bengaladas, as severas críticas de Vitorino Magalhães Godinho a certas apreciações e análises de Teixeira da Mota. Este escreveu que “As controvérsias henriquinas, que ameaçam perpetuar-se, acabarão, se continuarem no mesmo espírito que até aqui, por destroçar o mais glorioso período na nossa história, deixando no seu lugar o caos”. É a perfeita negação do cuidado até agora posto na análise de críticos que, comprovadamente, tinham posto termo a versões fantasiosas da descoberta da Guiné, caso de Duarte Leite, Armando Cortesão, Damião Peres, Jaime Cortesão, Veiga Simões e Magalhães Godinho. A que propósito é que as apreciações destes estavam a criar o caos? E dirige-se-lhe com verrina: “Teixeira da Mota acha bem discutir criticamente a data de uma viagem, o nome do descobridor de um cabo ou rio, os locais visitados pelo navegador. Mas o enquadramento destes factos, sem o qual de nada interessam, de nada valem, a sua integração em todas as condições da época e da evolução histórica, a sua compreensão como amplo movimento, devem ficar ao nível dos contos de fadas. Pois não se vê que não estamos de forma alguma em perigo de cair em confusão? Que, ao invés, se têm realizado progressos sólidos? Passou-se do simplista ao complexo, do material bruto à discriminação fina, trilharam-se com firmeza caminhos reveladores. É claro, já não há só o príncipe encantado, varinha de condão das navegações e conquistas: há também João Afonso e D. João I, D. Duarte e D. Pedro, e muitos outros; há as correntes de opinião (o Sr. Teixeira da Mota deve ser dos que anseiam por que nunca haja correntes de opinião), interesses de grupos, classes e indivíduos, há condições técnicas e condições financeiras; há, numa palavra, a realidade, multiforme e não esquemática, viva e não lendária. Mostrar que o Infante D. Henrique não é um príncipe lendário de influência omnipotente, mas sim um homem de carne e osso, cuja ação no seu tempo se define, não é rebaixá-lo, é, antes, pelo contrário, reconhecê-lo a sua verdadeira glória”.

E enumera os atos do Infante desde a tomada de Ceuta em 1415 até ao seu papel na colonização dos Açores. E depois dirige as suas tagantadas para a discussão do antagonismo de D. Pedro com D. Henrique, que Teixeira da Mota considerava uma diminuição de D. Henrique, e procede à análise das fontes que ajudam a compreender o comportamento de D. Pedro, que era manifestamente hostil ao cruzadismo no Norte de África, e foi um forte empreendedor dos Descobrimentos, e escreve: “Não temos quaisquer provas da vasta cultura científica de D. Henrique, nem de que tenha impulsionado os estudos científicos em Portugal, nem de que fosse animado de espírito científico; D. Pedro é o infante que percorreu a Flandres e a Itália e que escreveu "A Virtuosa Benfeitoria", e sob a sua regência e governo (oito anos) exploraram-se 198 léguas da costa africana, ao passo que nos doze anos seguintes se descobriram tão-só 94 léguas”. Magalhães Godinho, di-lo frontalmente que era absurda a tese de fazer de D. Henrique a causa única dos Descobrimentos, remete Teixeira da Mota para os trabalhos que ele desenvolvera nas suas investigações e chama-lhe leviano, deturpador do que ele escrevera: “Não há em meus escritos uma única frase onde eu pretenda apresentar o Infante D. Henrique dominado exclusivamente pelo espírito de Cruzada, pela mentalidade guerreira; muito ao invés, procurei sempre apresentá-lo como mais equilibrado do que aqueles que o apresentam só como cruzado ou só como sábio ou só como traficante". E era evidente a existência de uma mentalidade mercantil. “Em 1444 começaram as tentativas para firmar resgate pacífico no Rio do Ouro, e isto devido à iniciativa de Gomes Pires e de D. Pedro. Em 1447 tenta-se abrir trato à boa paz no Suz, por iniciativa de D. Henrique, mais ainda durante o governo de D. Pedro; neste mesmo ano, Valarte e Fernando Afonso são incumbidos por D. Pedro de estabelecer paz e comércio com o Bor-Mali e os Jalofos, Sereres e Barbacins; Diogo Gomes data o triunfo da política pacífica-mercantil de 1445 ou 1446”. Estes eventos escolhidos por Godinho revelam que o Infante D. Pedro em caso algum se opôs a trato comercial na costa ocidental africana.

A polémica muda de rumo, nestas discussões do confronto entre D. Pedro e D. Henrique, Teixeira da Mota teria sido levado a supor que existira um comprovado humanismo de D. Henrique, atendendo ao que escreveu Zurara, o Infante não queria ser defraudado no seu cunhão de escravos, e era uma treta completa dizer-se que havia uma grande preocupação com o tratamento dos escravos. Magalhães Godinho faz questão de destacar alguns autores que referem claramente os maus-tratos a que eram sujeitos os escravos no cativeiro, e mordazmente volta a criticar Teixeira da Mota: “Insurge-se contra o facto de os ingleses transportarem 50 mil escravos por ano de 1750 a 1780 e acha bem que os portugueses conseguissem mil anualmente de 1510 a 1520. É lamentável que ignore que os ingleses o faziam para salvar as almas dos pobres negros, portanto com a mesma boa intenção que animou os portugueses. Deveria lastimar, sim, que não fossem os portugueses a salvar tão numerosas almas… E quanto aos grilhões da Gorea, também os portugueses serviram deste processo tão cristão: Zurara diz que, posto que os corpos fiquem em prisão, as almas conquistarão eternal soltura e nas cartas de quitação do reinado de D. Manuel, há referência explícita às cadeias de prender escravos; o sofrimento na Terra é o melhor meio de alcançar o Céu. Teixeira da Mota não viu o bondoso papel que desempenharam holandeses e franceses, impondo grilhões para os indígenas conquistarem a bem-aventurança”.

Segue-se outro tipo de bengalada, a essência da historiografia moderna, Godinho é professoral: “A historiografia de base sociológica, porque científica, exclui o arbitrário da generalização, não a generalização nem as hipóteses de trabalho. Um conselho, bem modesto, ao Sr. Teixeira da Mota: estude primeiro Sociologia; estude a História como a constroem os mestres. Depois, fale de historiografia sociológica. Em suma: Teixeira da Mota encontra-se numa encruzilhada. Um dos caminhos, é o da História séria; o outro é o do delírio, da retórica, da mistificação. No primeiro, seguirá Herculano, Oliveira Martins, Alberto de Sampaio, o Conde de Ficalho, Gama Barros, Pedro de Azevedo, Costa Lobo, Duarte Leite, Jaime Cortesão, Armando Cortesão; no segundo, acompanhará… nem vale a pena dizer os nomes”.
Convém recordar ao leitor que a historiografia neste ano de 1945 dava passos importantíssimos para repor o estudo da Guiné, e do seu descobrimento em bases rigorosas. Como aqui já se deixou referido, o Padre Dias Dinis produzira prosa que Vitorino Magalhães Godinho aproveita a oportunidade desta coça dada por Teixeira da Mota para pôr a nu erros graves da apreciação que Dias Dinis faz da documentação, e momentos há que não se coíbe da mordacidade para reduzir os argumentos de Dias Dinis à completa insignificância, deste modo:
“Dias Dinis convida os pretos a associarem-se às comemorações, admoestando-os: ‘Os indígenas redimem assim pecados velhos. O Portugal de sempre, ancião venerando, amigo e indulgente, lança-lhe gostosamente a absolvição neste Ano Jubilar’. Os pecados velhos dos negros da Guiné são a morte de Nuno Tristão e de outros portugueses! Mas então não foram os portugueses que os foram inquietar a suas casas e assaltar? E que culpa têm os pretos de hoje pelo que fizeram seus antepassados, para necessitarem de absolvição? Então a responsabilidade criminal é hereditária? A morte de Nuno Tristão constitui novo pecado original para os guineenses?”

De pena acerada, Magalhães Godinho veio polemizar com Teixeira da Mota, facto é que estes dois historiadores de grande envergadura souberam conviver e partilhar da admiração mútua, como se justificava.

Como é evidente, em próxima oportunidade aqui se irá recapitular a tese inovadora de Teixeira da Mota sobre a descoberta da Guiné.
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Nota do editor

Último poste da série de 3 de fevereiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21845: Historiografia da presença portuguesa em África (250): A descoberta da Guiné, polémica violenta: Vitorino Magalhães Godinho versus Avelino Teixeira da Mota (1) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P21882: In Memoriam (391): Manuel Amaral Campos, ex-Soldado Rec Inf da CCS/BART 1913 (Catió, 1967/69) (José Martins, ex-Fur Mil TRMS)

IN MEMORIAM
MANUEL AMARAL CAMPOS
Ruivães, Vieira do Minho 16 de Janeiro de 1945 – HFAR, Lisboa 21 de Janeiro de 2021


Estas notícias, seja qual for o adjectivo que se use, são sempre tristes e inesperadas.

Boa tarde,
Recebemos há pouco a última comunicação do hospital. Partiu em paz.
Amaral 1945 - 2021
75 Anos, 7 meses e 12 dias; ou 907 meses e 12 dias; ou 27.620 dias
Nasceu no fim duma guerra e morreu a meio de outra. Pelo meio muitas outras guerras, umas dele, outra imposta: a do ultramar. Tudo isso esculpiu a grande pessoa que se tornou. Gerou duas vidas. As nossas. Valeu a pena ter cá andado!
Obrigada a todos os que estão desse lado, juntando as vossas memórias às nossas.
Obrigado e obrigada Pai!
Das vidas que originou:
Rui Campos e Isabel Dantas dos Reis


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Quase de imediato, publiquei um post, na minha página de FB, tendo a foto acima e a seguinte, com o texto:

À noite, recebi a seguinte mensagem da Isabel, que conheço há longos anos:

Sr. Martins, tomo a liberdade de lhe enviar as imagens originais, parte de um trabalho fotográfico que fiz sobre o meu pai e uma das guerras que travou.


São fotos, da autoria da Isabel, comparando o “antes” e o “depois”, acompanhada do texto que a própria escreveu.

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A partir de 1961, Portugal viu partir para África dezenas de milhares de jovens portugueses com o objectivo de defender aquilo que era considerado território nacional e parte integrante de uma nação multi-continental. No cais de embarque, mais não eram que uma massa de gente: os que partiam e os que ficavam. Mas na realidade, cada um dos elementos dessa massa era um indivíduo singular, com história e personalidade únicas. Ainda hoje o são - os sobrevivos. Eles e cada membro da sua família: as suas mulheres, as suas mães, os seus pais, os seus filhos. Cada um com uma guerra distinta: a sua guerra. Cada um a absorveu e processou - ou não - da sua forma única. Quem eram estes indivíduos? Quem são? Um deles era o soldado 32216. Embarcou no “Uíge” no dia 30 de Abril de 1967, com destino à Guiné, na época o mais temido dos destinos da Guerra do Ultramar. Foi evacuado com ferimentos graves em Janeiro de 1969.Tudo isto pode ser consultado nos registos militares. Mas quem era o soldado 32216? Em quem se tornou? E os à sua volta? Como prosseguiu a sua vida? Porque a sua filha sentiu necessidade de o fotografar mais de 40 anos depois? Este trabalho é o início de uma caminhada que surge da inquietação - e pretende incitá-la - provocada do silêncio que normalmente sucede eventos desagradáveis, mas cujos efeitos são inegáveis. Colocar lado a lado fotografias da mesma pessoa, separadas por décadas, mantendo a mesma postura corporal leva, num primeiro momento, a procurar as semelhanças e diferenças, para logo a seguir conduzir à reflexão sobre o que está nos bastidores: o que recheou essas quatro dezenas de anos. E as lesões que se percebem nas imagens mais recentes, são ferimentos de que guerras? Com quem foram partilhadas? Também com a autora deste projecto...

Como combatente, vizinho e amigo, não poderia deixar de, junto de outros camaradas da Guiné, mas também de Angola e Moçambique, não poderia deixar de lhe prestar esta simples homenagem traçando, em traços muito largos devido há ausência de elementos e actual situação Covid não permitir o acesso aos arquivos. Com base em “notas soltas” organizadas pelo Amaral e cedidas pelos filhos, tento mesmo assim alinhar os factos que fazem a história deste combatente, finalmente e desde 1 de Setembro de 2020, é “Titular do Reconhecimento da Nação”, assim como todos os que passaram pelo, então, Ultramar Português.


Soldado n.º 03221666 - Manuel Amaral Campos

Incorporado no dia 2 de Agosto de 1966, para frequentar a Escola de Recrutas, provavelmente no Regimento de Infantaria n.º 8, em Braga, de acordo com memórias familiares. Deve ter Jurado Bandeira nos últimos dias de Setembro ou primeiros dias de Outubro de 1967.
A especialidade a que foi destinado, “Reconhecimento e Informações”, pela ausência de documentos, não sabemos em que Unidade foi ministrada.
Nas notas referidas, há referência à apresentação do Regimento de Infantaria n.º 4, em Faro, no dia 2 de Abril de 1967 e a saída em 14 desse mês, para se apresentar no Regimento de Artilharia Pesada n.º 2, em Vila Nova de Gaia, para integrar a Companhia de Comando e Serviços da Batalhão de Artilharia n.º 1913.
De acordo com a Comissão de Estudos para as Campanhas de África (l961/1974), Volume 7 – Tomo II – Guiné, o Batalhão de Artilharia n.º 1913, sob o comando do Tenente-Coronel de Artilharia Abílio Santiago Cardoso, e tendo como Divisa "Por Portugal - um por todos, todos por um", embarcou em 26 de Abril de 1967, com destino ao Comando Territorial Independente da Guiné, tendo chegado a Bissau no dia 1 de Maio seguinte.  Recebe ordens para seguir para a vila de Catió, no sul do território.
Chegou a Catió em 4 de Abril, rendendo o Batalhão de Caçadores n.º 1858 e assumindo a responsabilidade do Sector S3, com sede nessa vila e abrangendo os subsectores de Bedanda, Cufar, Catió, Cachil (este extinto em l8Ju168, após evacuação) e Cabedú (também extinto em 30Jul68 e integrado no subsector de Catió).
Guião do Batalhão de Artilharia n.º 1904
Foto: Blogue Luís Graça e Camaradas da Guiné

Em Setembro de 1967, o Soldado Campos, é transferido para a Companhia de Artilharia nº 1646, comandada pelo Capitão Miliciano de Artilharia Manuel José Meirinhos, que era uma unidade orgânica do Batalhão de Artilharia nº 1904, mobilizada igualmente no Regimento de Artilharia nº 2, Vila Nova de Gaia, que tinha como Divisa "Firmes e Generosos", que tinha chegado ao CTIGuiné em 18 de Janeiro de 1967, ou seja mais de três meses antes do que a unidade a que pertencia o Soldado Manuel Amaral Campos.
Quando este se apresenta na nova unidade, em Setembro de 1967, esta encontra-se em Fá Mandinga, na Zona Leste da Guiné, desde o dia 4 de Agosto e integrando o dispositivo e manobra do Batalhão de Caçadores nº 1888, com um pelotão destacado em Bambadinca.
No dia 14 de Novembro de 1967, troca com a Companhia de Caçadores nº 1551, assumindo a responsabilidade do subsector de Xitole (Zona Leste), com pelotões destacados em Saltinho e Mansambo (até 05Mai68), ficando integrada no área do mesmo batalhão, que em 18 de Janeiro de 1968 passou a ser da responsabilidade do sua unidade de origem, o Batalhão de Artilharia n.º 1904.
Foi na Companhia de Artilharia nº 1646, e sob o comando do Alferes Miliciano António de Oliveira e Castro, fez parte de um grupo auto intitulado “Boinas Verdes”, que nas operações actuava como um grupo de assalto.
Em Agosto de 1968, quando participava numa operação, durante um percurso auto transportado, devido a um salto da viatura provocado pelo acidentado do terreno, rebentamento de pneu ou accionamento de mina, o Soldado Amaral é projectado para o solo, o que lhe provoca a fractura da coluna, que motivou a sua evacuação para o Hospital Militar nº 241, em Bissau.
Em Outubro de 1968, encontrava-se na situação de evacuado no hospital, quando a unidade, a que pertencia, concluiu a sua comissão de serviço e regressou à Metrópole em 31 de Outubro de 1968, pelo que o Soldado Manuel Amaral Campos, que alem de internado não tinha terminado o tempo de comissão, foi transferido para o Batalhão de Intendência, criado em 1 de Junho de 1964 tendo, em 1 de Abril de 1967, passado a fazer parte da Guarnição Normal do CTIGuiné.
Bilhete de Identidade Militar, passado pelo Batalhão de Intendência/Guiné.
© Arquivo da Família Campos

No dia 21 de Janeiro de 1969 foi evacuado para o Hospital Militar Principal, na Estrela, Lisboa, onde se manteve até ao dia 15 de Março desse ano e, dado pela Junta Militar de Inspecção, como apto para o Serviço Militar e mandado apresentar no Depósito Geral de Adidos, na Ajuda, Lisboa. A sua unidade de origem, o Batalhão de Artilharia n.º 1913, já se encontrava na Metrópole.
Ficou adido àquela unidade, vindo a ser mandado apresentar no Regimento de Artilharia Pesada n.º 2, em Vila Nova de Gaia, a fim de passar à disponibilidade, o que aconteceu a 3 de Junho de 1969. Porém, “a sua guerra”, não ficaria por aqui.
Um quarto de século passado, e sofrendo as sequelas adquiridas em campanha, inicia um processo para determinar que a sua saúde tinha sido afectada e, por isso, ser reconhecido como DFA - Deficiente das Forças Armadas.
A “ausência de elementos” que referi no início, são também o início das questões que se colocam aquando da tentativa de abertura do processo de reconhecimento de deficiência sofrida em serviço.
Falta da caderneta militar? Extravio do processo individual? Processo médico não localizado? São várias as hipóteses, e todas elas válidas, mas o processo não podia deixar de seguir os seus trâmites normais. Na falta de elementos documentais, recorre-se à prova testemunhal, e foi dessa forma que foi declarado deficiente das Forças Armadas.
Partiu mais de 50 anos depois de ter jurado solenemente defender a Pátria perante a Bandeira Nacional.
E foi coberto com a Bandeira que jurou defender, que efectuou a sua viagem, rumo à sua última morada.

Odivelas, 02/02/2021
José Marcelino Martins
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Nota do editor

Último poste da série de 10 de Fevereiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21879: In Memoriam (390): Paulo Fragoso, ex-Soldado At Inf da CCAÇ 2616 (Buba, 1969/71) (Francisco Baptista, ex-Alf Mil Inf)

Guiné 61/74 - P21881: Fichas de Unidades (15): CAOP, CAOP Oeste, CAOP1 (Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar, 1968/74)


Guiné > Região do Cacheu > Chão Manjaco > 1970 >  CAOP > A caminho de uma acção psico-social

Foto (e legenda): © José Pardete Ferreira (2011). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

Legendagem do José Pardete Ferreira, em mensagem com data de 26 de junho de 2011 ("Desfazendo suposições") (*)

(..:) Há já alguns anos esta fotografia foi publicada no nosso blogue (**). Com a força que a minha presença na foto atesta, posso descrever:

De esquerda para a direita:

(i) Major Pereira da Silva (Sherlock Holmes dos bigodes);

(ii) [Por detrás do Major, um ] Capitão Miliciano, cujo nome não me lembro, vindo do Pelundo ou de Có, substituir o Capitão Barbeitos [, cmdt da CCAÇ 2366, que esteve em Teixeira Pinto até 27 de maio de 1969, sendo então substituída pela CCAÇ 2585, que teve dois comdts: Cap Inf António Tomaz da Costa e Cap Mil Grad Inf António Camilo Almendra];

(iii) Marinheiro, manobrador do Zebro, [, a navegar no Rio Mansoa, ] com os dois motores Mercury de 40 CV cada, uma bomba para a época;

(iv) Tenente Coronel Pinheiro, 1º Comandante do BCaç [2845, Teixeira Pinto, 1968/70] que dava a logística ao CAOP;

(v) Capitão Comando Jorge Duarte de Almeida (abatido no quartel do Batalhão de Infantaria da GNR por um cabo "pirado da mona" - diz-se - mas... uns anos mais tarde; possuidor de linda voz; esta de um gajo andar na guerra e não lhe ter acontecido nada de grave e vir a morrer dum tiro  na metrópole,  é do caraças!);

(vi) [E, por fim, em primeiro plano, à direita,] este vosso camarigo, qual Ícaro renascido das cinzas, visto que num dos postes me confundiram com o Alferes [Mil Cav Op Esp, Joaquim João Palmeiro Mosca], que foi morto com os Majores;

(vii) [Fotógrafo, que obviamente não aparece na fotografia, o] 2º Comandante do BCaç da Logística [, BCaç 2845,], Major Guilhermino Nogueira da Rocha.


Última  legenda (errada, errada como a anterior): Da esquerda para a direita,  major Pereira da Silva, major Passos Ramos, fuzileiro, ten cor Aristides Pinheiro (cmdt do BCAÇ  2845),  major Osório e alf mil  presumivelmente Palmeiro Mosca, também assassinado em 20 de Abril de 1970.  (**). 

Foto: Cortesia de Afonso M. F.  Sousa (2007)

Recorde-se que o BCAÇ 2845 foi mobilizado pelo GACA 2. Partiu para a Guiné em 1/5/1968 e regressou a 3/4/1970. Esteve em Teixeira Pinto e teve três comandantes: Ten Cor Inf José Martiniano Moreno Gonçalves; Ten Cor Inf Aristides Américo de Araújo Pinheiro [, que aparece aqui na foto]; e Ten Cor Inf Armando Duarte de Azevedo.  Unidades de quadrícula: CCAÇ 2366, 2367 e 2368.

 
1 O nosso camarada, recentemente falecido, José Pardete Ferreira, não esteve no CAOP1 (***). O António Graça de Abreu é que esteve,  de 1972 a 1974, primeiro em Teixeira Pinto (hoje, Canchungo), na região do Cacheu, depois em Mansoa, região do Oio, e depois em Cufar, na região de Tombali. 

Na altura em que o J. Pardete Ferreira esteve em Teixeira Pinto, no 1º semestre de 1969, ainda não havia o CAOP1, mas apenas o CAOP. Vejamos a história do CAOP (que passou a designar-se CAOP1, quando foi criado, em Nova Lamego, região de Gabu, o CAOP2).

Comando de Agrupamento Operacional
Comando de Agrupamento Operacional Oeste
Comando de Agrupamento Operacional n.º 1

Identificação CAOP |  CAOP Oeste | CAOP 1

Cmdt: 

Cor Para Alcínio Pereira da Fonseca Ribeiro
Cor Art Gaspar Pinto de Carvalho Freitas do Amaral
Cor Para Rafael Ferreira Durão
TCor Inf Pedro Henriques
Cor Para João José Curado Leitão

CEM: 

Maj CEM Raul Ernesto Mesquita da Costa Passos Ramos
Maj CEM Luís Alberto Santiago Inocentes
Maj Art João António de Gusmão Pimentel da Fonseca
Maj Inf Carlos Diamantino Bacelar Pires
Maj Art João Augusto Fernandes Bastos

Divisa: 
Início: 08Jan68 | Extinção: 1Jul74


Síntese da Actividade Operacional

Início: 8 de janeiro de 1968

O agrupamento foi organizado e constituído com carácter permanente e com pessoal de nomeação individual, sendo inicialmente orientado para intensificar o esforço de aniquilamento sistemático dos grupos inimigos que exerciam pressão directa sobre o "Chão Manjaco", na região de Pecau-Churo-Caboiana-Pelundo-Jol.

Para o efeito foram-lhe atribuídas todas as forças localizadas na zona de acção, nos sectores de Teixeira Pinto e Bula e outras forças de intervenção, fuzileiros especiais, pára-quedistas, comandos e um batalhão de cavalaria.

A partir de 27Jan69, o CAOP instalou-se em Teixeira Pinto 

Inicia a sua actividade em 6Fev69 com a série de operações "Aquiles" e desenvolvendo intensa actividade operacional de patrulhamento, emboscadas, batidas e acções apeadas e helitransportadas, de que destacam as operações "Jovem Zagal", "Lobo Bravo", "Gibóia Verde", "Com Raça", "Grande VeIa", "Joeirada", "Gavião Satélite" e "Bafo Quente", entre outras.

A partir de 12Mar69, a sua zona de acção foi alargada ao subsector de Có e em 5Set69 ao subsector de Cacheu; em lJu169, após reformulação dos limites dos sectores, foi ainda criado o Sector 07, em Pelundo.

De 4Jun69 a 28Jun69, o CAOP estabeleceu um comando avançado em Buba e planeou, comandou e coordenou a operação "Grande Salto", com vista à prossecução dos trabalhos da estrada Buba-Aldeia Formosa e ao aniquilamento
dos grupos inimigos da região Nafo-Unal.

De 16Mar70 a 30Mai70, a sua responsabilidade foi alargada ao sector de Bissorã e de 20Mai71 a 29Jun71, cedeu os sectores de Bula e Bissorã ao Comando de Agrupamento Temporário (CAT), entretanto criado nesse período, para actuar naquela zona.

Em 1Ag070, com a criação de um segundo CAOP, tomou a designação de CAOP Oeste e, em 22Ag070, de CAOP1.

Em 21Abr71, na sequência de tentativa para conversações de paz no "Chão Manjaco", foram assassinados na região Pelundo-Jolmete três majores   [, Passos 
Ramos, Magalhães Osório e Pereira da Silva] e outro
pessoal do CAOP1 (, o alf mil Mosca, mais dois intérpretes]

Em 28Jan71, assumiu o comando directo dos subsectores de Cacheu e Bachile, então retirados à responsabilidade do BCaç 2905.

Em 1Fev73, foi transferido para Mansoa

Assume a responsabilidade de comando operacional dos sectores de Bissorã (01), Mansoa (04), Bula (Ol-A) e Nhacra (COP 8), este só até 21Mar73, orientando o esforço de contenção da guerrilha para as regiões de Óio, Changalana e Sara, planeando e comandando várias operações, de que se destacam as operações "Empresa Titânica", "Gente Valorosa" e "Jogada", entre outras.

Colocado em Cufar em 2 de junho de 1973

Em 21Mai73, destacou vários elementos para organização do CAOP 3, até que, rendido em Mansoa pelo COT 9, foi colocado em Cufar em 2Jun73, assumindo a responsabilidade dos sectores de Aldeia Formosa (S2), Catió (S3), Cadique (S4) e Gadamael (COP 5) e orientando o seu esforço para a contenção da luta armada na zona Sul e para os trabalhos de construção e asfaltagem de itinerários naquela região.

Em 1Ju174, já na fase de retracção do dispositivo, foi extinto e recolheu a Bissau.

Observações: Não tem História da Unidade.

Fonte: Excertos de: CECA - Comissão para Estudo das Campanhas de África: Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974) : 7.º Volume - Fichas de unidade: Tomo II - Guiné - (1.ª edição, Lisboa, Estado Maior do Exército, 2002), pp. 591/592.
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(...) Comentário de Luís Graça: 

Tive esta tarde a agradável surpresa de um telefonema do Pardete Ferreira... que não tenho o prazer de conhecer pessoalmente, apesar de eu me movimentar na área da saúde há muitos anos.

Creio não estar a cometer nenhuma inconfidência, ao partilhar com os nossos leitores o que me ele transmitiu sobre o major Pereira da Silva... Como médico, ele terá sido uma das últimas pessoas que viu o major Pereira da Silva no caixão (possivelmente já em Bissau; não sei quando o Pardete deixou Teixeira Pinto e foi para o HM 241) [esteve apenas no 1º semestre, em Teixeira Pinto].

A corajosa viúva quis que os filhos vissem o pai pela última vez... É um gesto de rara nobreza e que honra esta mulher (que, como sabem, estava em Bissau quando o marido foi cruelmente assassinado, juntamente com o resto dos seus camaradas)... 

Dos três majores, era a única urna que não vinha selada... O rosto, embora inchado, estava intacto... Apraz-nos saber saber isto, apesar da tragédia que nos atingiu a todos nós, que estávamos na Guiné nessa altura (Abril de 1970), ignorando as manobras de bastidores no "chão manjaco"... (Sei que por esses dias, andávamos de armas caladas, por toda a Guiné, incluindo o meu sector, o L1, Zona Leste)...



(*) Vd. poste de 27 de Junho de 2011 > Guiné 63/74 - P8474: Tabanca Grande (292): José Pardete Ferreira, ex-Alf Mil Médico (Teixeira Pinto e Bissau, 1969/71)

(**) Vd. poste de 30 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P2008: Dando a mão à palmatória (1): A fotografia dos saudosos majores Pereira da Silva, Passos Ramos e Osório (João Tunes / Editores)

Guiné 61/74 - P21880: Projecto de livro autobiográfico, de António Carvalho, ex-Fur Mil Enfermeiro da CART 6250/72 (Mampatá, 1972/74) (2): Despejado na Guiné

1. Mensagem do nosso camarada António Carvalho (ex-Fur Mil Enf da CART 6250/72, Mampatá, 1972/74), com data de 7 de Fevereiro de 2021:

Meus caros amigos, combatentes.

O que vos mando é mais um capítulo do meu livro, para, caso entendam, o publicarem no nosso blog. Como é bastante volumoso poderá ser publicado de modo fatiado, admitindo até que algumas partes possam ser desinteressantes, logo não publicáveis.

Um abraço vos mando por esta via, com votos de saúde.
Carvalho de Mampatá.




2 - DESPEJADO NA GUINÉ

Aos dezoito meses de tropa fui convocado para me apresentar no Quartel da Serra do Pilar, em Vila Nova de Gaia, onde me havia de juntar à Companhia de Artilharia n.º 6250 e seguir por avião para o território da Província da Guiné, no dia 27 de junho de 1972. 

Era o pior local aquele que me coube, poderia ser Moçambique, melhor ainda Angola, e muito melhor qualquer um dos outros territórios do Portugal Ultramarino onde a guerrilha não se tinha imposto. Mas era aquele e não outro. Pensei ainda, num ou noutro momento, dar o salto para França, manobra muito mais arriscada agora do que se o tivesse feito antes dois ou três anos. Pode ser que tudo corra bem, cogitava eu, lembrando-me do meu irmão mais velho, o Neca, que já por lá tinha passado quase incólume. É certo que ele me tinha feito alguns “desenhos” sobre a realidade guineense e que não eram muito agradáveis, mas pode, caros leitores, uma reportagem sobre uma realidade ser compreendida inteiramente, sem a presença do corpo e da alma?

Falava-me de patrulhamentos sob temperaturas escaldantes, de milhões de mosquitos e outros insetos incomodativos, de noites inteiras debaixo de chuvas torrenciais, de sede, de péssima alimentação e também de gritos de feridos e outras cenas tétricas. E era ele, segundo me disse mais tarde, e eu próprio vim a perceber, muito contido nas descrições.

Passadas quatro horas, desde a partida do aeroporto de Lisboa, lá estávamos nós a divisar, por entre as nuvens, as coberturas de zinco da maioria das casas da cidade Bissau, o que nos dava por antecipação uma ideia de pobreza da cidade capital. As portas abertas do avião, logo que se imobilizou na pista, deixavam entrar uma aragem muito quente e húmida que nos fazia ensopar o corpo e a farda de abundante suor. Estávamos já em plena época das chuvas que se inicia em maio e acaba em novembro, com temperaturas muito altas de dia e de noite. 

Depois de uma apressada formatura ainda na pista para a apresentação da praxe às autoridades militares, seguiu-se uma deslocação, em camiões, daqueles cento e cinquenta soldados para o Quartel dos Adidos, onde esperaríamos por nova etapa. O Quartel dos Adidos destinava-se precisamente a acomodar tropas em trânsito quer inseridas em unidades inteiras, como era o caso, quer no acolhimento individual de soldados. A estadia era normalmente muito curta e em péssimas condições. No nosso caso ficámos ali deitados no chão de cimento, sobre malas ou roupas, até que, pelo meio da madrugada, fomos acordados aos gritos, porque estavam já no exterior alguns camiões que nos conduziriam ao cais de Bissau, onde embarcaríamos com destino à Ilha de Bolama.

O Zé Manel da Régua não foi só um dos soldados da minha companhia, ouvia-lhe opiniões e leituras das realidades exóticas daquela terra e das suas gentes e gostava da sua autenticidade e honestidade, sobretudo da sua humanidade e do seu espírito generoso e disso tudo resultou uma amizade para toda a vida. 

Hoje julgo que as vivências em situações extremamente difíceis como é a guerra constituem o cadinho ideal para a consolidação da amizade. Tinha ele aquele ar de despreocupado (que ainda mantém) muito marcante, algumas vezes desligado da realidade, quiçá a congeminar um dos seus poemas. Estivesse ele, naquela madrugada de 28 de junho a dormir profundamente, ou às voltas com o conteúdo e a forma de mais uma poesia, a verdade é que ele ficou ali no chão da caserna sem dar conta da nossa partida e só quando estávamos já no meio da boca gigante do rio Geba, a caminho da ilha de Bolama é que ele acordou. Apareceu no dia seguinte, com umas botas emprestadas, por ter perdido as suas, numa boleia de uma avioneta que algum amigo lhe arranjou, com o ar mais despreocupado que se pode imaginar.

Permanecemos nesta ilha durante cerca de trinta dias, em exercícios de aperfeiçoamento operacional. Bolama era de certo modo o espaço ideal para o efeito, porque tinha características de vegetação idênticas às que iríamos encontrar e era território insular e, por isso, sem guerra. Como é sabido, numa ilha é quase impossível a sobrevivência de guerrilha por ausência de apoios externos e caminhos de fuga. 

Mas havia de ser nessa ilha, durante um exercício com arma de lançamento de granadas, que havia de assistir, a poucos metros de distância, à morte de dois soldados, no fatídico dia 10 de julho de 1972 quando contávamos apenas treze dias de presença na Guiné: o Soldado José Mata e o Alferes José Carlos Figueiredo, o primeiro jaz sepultado no cemitério de Valbom – Pinhel, o segundo tem o seu corpo depositado no cemitério de S. Pedro do Sul.

Bolama tinha sido capital da Guiné, entre 1879 e 1941, por isso deslumbrava-me com alguns exemplares do seu património arquitetónico, apesar do seu estado de abandono e ruína, como o antigo Palácio do Governador, o edifício dos Paços do Concelho e as desativadas instalações do Banco Nacional Ultramarino. Nada que me mitigasse a saudade dos que tinha deixado por cá, como da minha namorada com quem, se não fosse o execrável estorvo da guerra, teria já casado, dos meus pais, dos irmãos, da minha tia materna, dos avós, dos amigos, das coisas boas da vida normal sem sobressaltos nem medos. 

E naquela noite, mais triste que qualquer outra que tivesse já vivido, em pleno cemitério de Bolama, à luz de velas, amortalhava os corpos dilacerados daqueles dois soldados, cujas vidas se tinham esvaído nesse dia, num mar de sangue, vertendo irreprimíveis lágrimas por entre soluços de revolta. Como era bem pior a guerra do que dela me contara o meu irmão Neca! E imaginava eu, enquanto, ajudado por outros, depunha nas urnas, com o maior respeito, quase veneração, aqueles camaradas martirizados por uma causa inútil: como seria o sofrimento dos pais destes jovens com promissores projetos de vida, quando lhes baterem à porta os arautos da indizível desgraça dos seus filhos!?

No dia seguinte uma avioneta fez o transporte dos dois combatentes, para Bissau e, passados alguns dias ou poucas semanas, estariam os sinos das suas terras a chamar os amigos e vizinhos para o enterro destes jovens que tinham perdido a vida pela Pátria. Nós sairíamos daquela ilha, integrada no chamado arquipélago dos Bijagós, no dia 28 desse mesmo mês de julho, com destino ao sector onde devíamos substituir outra companhia e aí permanecer durante cerca de vinte e quatro meses.

A viagem teve duas etapas, porquanto saímos de Bolama numa embarcação idêntica à que nos trouxera de Bissau, uma LDG (Lancha de Desembarque Grande) que nos levou por um braço de mar até à povoação de Buba e só ao segundo dia partimos de Buba para Mampatá, o nosso destino, no dia seguinte. Uma LDG servia para transportar tudo: camiões, materiais de qualquer tipo e tropas, e tinha a particularidade de pode acostar em qualquer ponto da costa ou da margem dos rios, mesmo que desprovidos de cais. 

Pois seguimos então do canal de Bolama para a embocadura do rio Grande Buba, na verdade um dos muitos braços de mar muito comuns no território guineense, avistando ambas as margens de floresta cerrada para onde, de vez em quando, os tripulantes da embarcação disparavam alguns tiros aleatoriamente, com o intuito de dissuadirem eventual tentativa de ataque por parte dos guerrilheiros do PAIGC (Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde). 

Passado um dia e uma noite lá nos aparecia, ao longe, a povoação e aquartelamento de Buba e à medida que nos aproximávamos, mais nítidos se tornavam os contornos dos edifícios e depois as silhuetas dos soldados da companhia aí instalada. Logo depois a vozearia festiva da nossa chegada quando a LDG abriu a sua bocarra para deixar sair camiões, tropas e materiais como chapas de zinco, madeiras serradas, cimento, cerveja, arroz e outros géneros alimentícios. Ainda nem todos tínhamos abandonado a barcaça mas a festa da receção aos periquitos prosseguia com a passagem, na nossa frente, de camiões transportando supostos soldados feridos, numa encenação em que a companhia instalada em Buba pretendia assustar-nos. Não teria transcorrido mais que uma hora, quando nos preparávamos já para o início da segunda etapa, por estrada, num percurso de cerca de vinte e cinco quilómetros, rebentou uma emboscada no itinerário por onde deveríamos passar, e logo depois começaram a chegar soldados dessa companhia de Buba, feridos reais, numa reedição autêntica daquilo que tínhamos visto, anteriormente, a brincar.

Logo ali, ainda antes de chegarmos ao nosso sector, fui solicitado para colaborar na assistência ao soldado Bento que estava entre a vida e a morte. A enfermaria estava instalada dentro de um abrigo subterrâneo e eu auxiliava o furriel enfermeiro da companhia de Buba na tarefa penosa de mantermos vivo aquele jovem que tinha um estilhaço alojado no tórax. Por entre gemidos do ferido e os estrondos das saídas das granadas das nossa peças de artilharia instalava-se, entre nós os recém chegados, a sensação de que tínhamos vindo parar a um dos piores sítios da Guiné. O contacto com os guerrilheiros tinha ocorrido quase no fim da tarde e, em pouco tempo, a escuridão sobreveio e por isso não mais foi possível a evacuação aérea do ferido para o Hospital Militar de Bissau. 

No outro dia, pela manhã, lá apareceu a avioneta que transportou o Bento para o hospital. Debalde porém. O Bento fenecia gradativamente e nem os melhores cirurgiões de Bissau o puderam salvar. Está sepultado em Ferreira das Aves - Concelho de Satão.

No dia seguinte iniciaríamos a nossa jornada de vinte e cinco quilómetros até Mampatá, alquebrados de corpo e de espírito pelos acontecimentos do dia anterior. Nos camiões que nos transportavam seguiam também materiais de construção, munições e víveres. Ao meu lado, sentado sobre um saco de arroz, olhos perscrutantes sobre a mata cerrada, um soldado do recrutamento local, o More. Magro e baixo não parecia nada o guerreiro destemido que vim a conhecer na convivência quotidiana, em Mampatá. Dizia-me o More :
- Não preocupa, aqui perigo não há, se PAIGC atacou ontem, hoje não vem mais. 

Trinta e sete anos mais tarde havia de procurar este soldado da milícia do exército de Portugal, em Mampatá, quando aí voltei para rever o sítio onde penei e as pessoas que me suavizaram o sofrimento. Alguns ainda ali viviam e com eles recordei, com indizível emoção, os vinte e quatro meses mais longos da minha vida. 

Mas o More, aquele soldado condecorado com a Cruz de Guerra, cujas cavaqueiras me adoçavam os dias compridos, já não fazia parte do mundo dos vivos. Pouco tempo depois do fim da guerra, aquela Cruz de Guerra que recebera do governo de Portugal, enaltecedora dos seus feitos, tornou-se, por traição da história e vingança dos fracos, a prova da sua culpa. Pouco depois da independência acordada entre Portugal e o PAIGC, os novos governantes ajustaram contas com todos os que serviram o exército de Portugal, escapando apenas os que fugiram. Tribunais improvisados presididos por desumanos guerrilheiros sedentos de vingança, prendiam e matavam a esmo. O More foi, assim, barbaramente assassinado.

Os meus olhos focavam-se na mata densa procurando entrever qualquer sinal de perigo no espaço marginal à picada, preocupado com a iminência de uma emboscada e pouco interessado na beleza da floresta de onde se ouviam apenas os guinchos dos macacos. Estariam eles a avisar-nos de algum perigo ou, pelo contrário, tendo celebrado um acordo com o inimigo, anunciavam antecipadamente o nosso massacre. Estes e outros pensamentos fluíam da minha imaginação como se houvesse alguma relação lógica entre aquela guincharia e a nossa sorte. 

E passadas algumas horas, talvez quatro, por entre buracos cheios de água, viaturas atascadas na lama e paragens por desconfiança de alguma emboscada ou porque os soldados apeados tivessem assinalado alguma mina, lá chegámos a Mampatá, onde uma ruidosa companhia constituída maioritariamente por açorianos nos recebeu em ébrio delírio. Não era motivo para menos, porque, com a nossa chegada, iniciar-se-ia a sua partida de regresso à paz de suas casas. 

 Mampatá era uma tabanca habitada por cerca de trezentas pessoas e nós ficaríamos ali instalados por entre moranças cobertas de capim, numa perfeita amálgama entre civis e militares, sem qualquer barreira entre as instalações militares e as casa dos civis. De certo modo esta familiaridade amenizava o ambiente e permitia-nos uma convivência quase sempre fraterna. Na verdade será errado chamar civis aos moradores daquela povoação, porquanto, excetuando as crianças e as mulheres, quase todos estavam mobilizados para a guerra: uns incorporados numa unidade militar local – o Pelotão de Caçadores Nativos n.º 68, outros integrados no Pelotão de Milícias e, finalmente, todos os homens tinham uma espingarda do género das que até ainda há pouco tempo equipavam a GNR de Portugal. 

Já havia uma escola básica naquela aldeia, construída por uma companhia anterior mas, como se tornasse insuficiente, fomos incumbidos de erigir uma segunda escola. Os professores eram dois militares que faziam o melhor por aquelas crianças e até pelos adultos que queriam aprender a ler e escrever. Ademais, naquele tempo, muitos soldados do recrutamento metropolitano não tinham a quarta classe e era obrigatório que voltassem à vida civil com esse diploma. 

De certo modo, aquelas duas escolas e os sorrisos das crianças que as frequentavam, pintavam aquele cenário distópico, de cores esperançosas, apesar da fogueira da guerra sempre presente e reavivada de tempos a tempos. Um dia, à noite, quando estava a substituir um camarada professor, corri para o exterior, seguido pelos alunos, procurando abrigo deitados junto ao muro do recreio. Tinha sido o tiroteio provocado por uma emboscada a um pelotão nosso, a um quilómetro ou dois do arame farpado que nos tinha feito sair apressados. A atividade operacional, para além da defesa daquela povoação, era constituída por patrulhamentos, montagem de emboscadas e segurança do itinerário entre Mampatá e Buba. 

Esta era a rotina dos dias mas, ainda em 1972, com o início dos trabalhos da abertura e pavimentação de uma estrada, tudo se alterou. A Engenharia Militar precisava de constante proteção enquanto as máquinas de terraplanagem revolviam o solo. Esse trabalho de proteção era absolutamente desgastante porque obrigava a uma presença constante durante o dia e da noite para se impedir os ataques aos trabalhadores e a montagem de minas.

Se alguém fazia anos havia sempre cerveja e algum vinho a regar uma refeição melhorada, com a presença dos amigos mais chegados. Normalmente os furriéis comemoravam em conjunto com os alferes e vice-versa. Os cabos e soldados festejavam normalmente por secção. Nalguns casos, os militares de especialidades com poucos componentes, como os mecânicos, os enfermeiros e os transmissões juntavam-se nos festejos de aniversário em função da respetiva especialidade. 

No dia 17 de fevereiro de 1973 coube-me comemorar o meu próprio vigésimo terceiro aniversário, na companhia do capitão, dos alferes e dos furriéis, e não faltou um cabrito assado no forno com batatas, nem faltou cerveja e vinho naquela noite, cuja despesa era assumida na totalidade pelo aniversariante, porque era assim que estava estabelecido. Os mais poupados, aqueles a quem nós apelidávamos de forretas, naquele dia bebiam muito mais do que o habitual. 

Nessa noite demorei muito tempo até chegar ao meu quarto. Peguei no sabonete e reguei-me durante algum tempo debaixo do chuveiro, e lembro-me de o ter segurado nos dentes enquanto me refrescava. Cheguei ao quarto e deixei-me cair sobre a cama. Só me lembro de acordar aflito, já dia, com o barulho de um mango a cair sobre a cobertura de chapa.

Passados três dias coube-me sair para o mato com um pelotão. Não era frequente sair, o meu trabalho estava diariamente ligado à enfermaria que dava assistência a militares e à população civil. Talvez estivesse algum cabo enfermeiro de férias e cumulativamente um outro doente. Certo é que, pelas seis da manhã, como era comum nas operações de segurança aos trabalhos da construção da estrada, lá estou eu com um grupo de combate a caminho da frente da estrada, logo a seguir à tabanca de Colibuia. 

A missão era percorrer cerca de um quilómetro até nos internarmos na orla da mata onde nos deveríamos manter em alerta até às catorze horas, quando os trabalhos eram interrompidos para prosseguimento no dia seguinte. Quando já estávamos a chegar à orla da floresta rebentou um grande “fogachal” proveniente da nossa frente, de onde não divisávamos o inimigo. 

Quem já esteve debaixo de fogo há de perceber o que sentíamos, naquele ambiente de berros, de pó que se levanta, de ramos traçados por projeteis a cair sobre nós, da sensação de que aquilo nunca mais acaba, de que é impossível não haver mortos ou feridos graves, de que a todo o momento alguma bala ou estilhaço nos vai furar. Do desespero evoluímos para a certeza de que, se não fizermos fogo, se não reagirmos, podemos até ser apanhados à mão, como se diz em linguagem de guerra. Havia mais tropa ali por perto, pelo que chegariam reforços certamente. À minha esquerda, o António Carola do Nascimento, apontador do morteiro, grita-me por ajuda porque estava ferido. Olhei-o e perguntei-lhe onde era o buraco. Que era nos tomates, respondeu-me. Disse-lhe eu, num rasgo que hoje me causa admiração: 

- Nascimento, se falas é porque não estás muito mal, faz fogo com o morteiro senão morremos aqui todos

Respondeu-me ele como se esquecesse milagrosamente do seu ferimento:

 - Mande-me para cá granadas que eu mando-as para aqueles gajos

Assim é que era falar, pensei eu. Rolava sobre mim mesmo, bem colado ao chão, e trazia mais duas granadas dos camaradas do meu lado direito que o Nascimento se encarregava de remeter por via aérea. Já o fogo do inimigo parecia estar a diminuir, quando um dos soldados do grupo que acorreu em nosso auxílio se acerca de mim e, numa atitude que nunca esquecerei, carrega-me com as mãos sobre os ombros e preocupado intima-me:

 - Deita-te tu estás ferido

Dava ele importância ao sangue que me escorria do dedo mínimo da mão esquerda e me tingia todo o antebraço, mas que ele julgava provir do tórax. E de seguida, de pé, atrás de mim, com um destemor singular, aquele soldado do Pelotão de Nativos n.º 68, Ussumane Buaró, islâmico, disparou alguns dilagramas com a sua arma, contribuindo de forma que julgo decisiva para a fuga do inimigo.

Em 2009, quando fui à Guiné, numa caravana solidária, transportando alguns bens preciosos para o povo de Mampatá, procurei o Ussumane Buaró, dele só já pude ver a campa onde seus restos mortais foram sepultados no redor da tabanca. Ao seu filho mais velho deixei uma recordação num modesto gesto de homenagem e gratidão a alguém que se preocupou com a minha sobrevivência. No dia 16 de março de 1973, saiu, pelas seis horas da manhã, um grupo de combate da minha companhia, com destino à frente de trabalhos das obras de abertura e pavimentação da estrada entre Mampatá e Nhacobá. A cerca de um quilómetro o soldado Albuquerque pisou uma mina antipessoal e com o estampido uma nuvem de pó visível de longe, fazia crer o pior – a perda de uma perna, na melhor hipótese. Transportado de helicóptero para o Hospital de Bissau e operado, morreu passados cinco dias. Está sepultado no cemitério de Barcelos.

Um poema de homenagem ao Albuquerque – Autor: Josema, pseudónimo do meu amigo e camarada da companhia José Manuel Lopes:

Puseste o pé em sítio errado
um som violento o pó levantado
escondeu por algum tempo
o teu corpo violentado

sem pensar em outras minas
correram em teu socorro
o sangue fugia do teu corpo
e o “hélio” não chegava

tua cara ainda de criança
ficava cada vez mais pálida
tudo num silêncio angustiado

apesar dos teus vinte anos
a vida fugiu-te em golfadas
porquê tanto sangue derramado?


Concluída a primeira estrada foi preciso construir uma outra, ligando o nosso destacamento ao importante quartel de Buba, ficando quase toda a atividade operacional condicionada pelo lema spinolista: "Por Uma Guiné Melhor". O General Spínola tomou posse como Governador e Comandante Chefe da Província da Guiné em 1968, e na tentativa de subtrair a população do controlo dos guerrilheiros organizou os chamados congressos do povo que eram assembleias consultivas constituídas por régulos, chefes religiosos e pessoas com ascendência social relevante que funcionavam como câmaras de eco das aspirações da população. Ao mesmo tempo desenvolveu um grande esforço no domínio da construção de estradas e de escolas. 

No plano estritamente militar ele implantou um programa de africanização da guerra, recrutando cada vez mais tropas naturais do território. Este plano pareceu inicialmente dar alguns bons resultados, mas o PAIGC tinha cada vez mais apoio internacional e o seu apetrechamento, em 1973, com lançadores de misseis térmicos, capazes de derrubar os nossos aviões mais modernos, tornou a guerra insolúvel. E a declaração unilateral de independência por parte do PAIGC, em 24 de setembro de 1973, foi o corolário dessa mudança de curso da guerra, quando os nossos aviões começaram a ser derrubados.

Naquele primeiro semestre de 1973 a situação militar piorava cada vez mais, e o abandono do quartel de Guileje bem como o massacre a que foram sujeitas as nossas tropas em Gadamael, no Sul e em Guidage, no Norte, resultavam sobretudo da grande dificuldade que os pilotos da Força Aérea Portuguesa sentiam agora, face ao uso dos novos misseis, pelo PAIG. Esse constrangimento repercutia-se não só num desempenho menos eficiente, por parte da Força Aérea, na proteção das nossa tropas, como também, na evacuação de feridos e no transporte aéreo de víveres, tabaco e correio. Este era absolutamente fundamental para o estado psicológico da maioria dos soldados e a falta de correspondência escrita, durante muitos dias, provocava desânimo. 

A carta ou o chamado aerograma, que dispensava selo, eram os únicos meios de comunicação disponíveis, naquelas circunstâncias. Havia ainda o telegrama para o envio ou receção de mensagens curtas, como a que recebi em meados do mês de outubro informando-me do falecimento do meu avô, mas que eu considerei ser a minha avó porque, erradamente, alguém trocou o acento circunflexo por um acento agudo e, por isso, andei cerca de um mês a pensar que tinha perdido a avó e não o avô. Em novembro Spínola, descrente quanto à possibilidade de se ganhar a guerra e impedido pelo governo de Lisboa de negociar um plano de autonomia para a província, abandonou o seu posto, sendo substituído pelo General Bettencourt Rodrigues. Com o início da estação das chuvas a situação estabilizou um pouco, mas a atividade militar iria recrudescer em 1974, fazendo aumentar o número de feridos e mortos e acrescer inúteis sacrifícios a todos, o que me angustiava cada vez mais.

Houve dois grandes momentos de eufórica alegria, durante a comissão: a notícia da revolução do 25 de Abril e o dia do regresso a Portugal em 24 de agosto de 1974. Naquela manhã, aparentemente igual a tantas outras, depois de ter já cumprido a minha rotina na assistência aos doentes da população civil, passando pelo bar para tomar alguma bebida fresca, vi junto ao posto de transmissões alguns camaradas que dialogavam entre si, com gestos e expressões de espanto e notável felicidade. 

Que caso seria aquele? Não era nada de trivial. Ao aproximar-me logo me envolvi naquela atmosfera de esperança, de quase certeza quanto ao fim daquele calvário. Não haveria retrocesso, Spínola estava por trás daquilo, agora era mesmo a sério, não era um arremedo, como tinha sido o golpe do dia 16 do mês anterior, desta vez era mesmo o derrube do regime, uma mudança radical de política, negociações imediatas com o PAIGC, e fim imediato da guerra com regresso antecipado a Lisboa. 

Não foi bem assim, porque as hostilidades ainda prosseguiram por mais algumas semanas embora em decréscimo e a nossa partida não foi antecipada. Mas a convicção de que tudo estava a acabar era geral e, por isso, quando a noite chegou, nesse mesmo dia, com a confirmação de notícias mais consistentes sobre o sucesso definitivo da revolução, em Mampatá, perante o espanto e algum entusiasmo da população, os soldados extrovertiam toda a sua alegria com algum álcool à mistura. E assim estaria a acontecer por todos os aquartelamentos da Guiné. 

Estariam os guerrilheiros do PAIGC tão felizes quanto nós? Não sei. Os eventos inimagináveis, um mês antes, surpreendiam-nos a cada semana: 14 de maio teve lugar uma reunião entre representantes do MFA e oficiais e sargentos das unidades do sector da qual resultou a certeza inequívoca de que a guerra era para terminar; nos primeiros dias de junho recebemos em Mampatá um Comissário Político do PAIGC que reuniu com a população e com os militares guineenses integrados no Exército Português; no dia 26 de junho cerca de uma centena de guerrilheiros do PAIGC, inimigos de ontem amigos agora, entraram na povoação e trocaram connosco crachás e outros adereços. Estava assim garantido o estabelecimento definitivo da paz. 

Depois foi só a paciência de esperarmos mais dois meses, já sem a pressão da guerra, mas com o peso dos dias vagarosos que pareciam não mais acabar. No dia 24 de agosto, com aqueles 150 camaradas dentro do Boeing 707, parecia que nunca mais levantávamos voo ao encontro de quem tínhamos por cá deixado, mas quando, finalmente, a força dos reatores nos despregaram do chão, a alegria sem peias brotou exaltada do coração de todos nós. Perdiam-se gradativamente do alcance dos nossos olhos as ruas de Bissau e a floresta frondosa envolvente, eram já os grandes rios parecidos com regatos e depois só nuvens que tudo encobriam menos os dias amargos que deixávamos e até, porque não dizê-lo, também uma imperecível marca de convivência com culturas diferentes que nos proporcionaram o conhecimento de outras religiões, outras culturas e uma visão plural da humanidade.

Tinha assistido ao fim de um conflito evitável e sem qualquer proveito para ambas as partes, no qual perderam a vida, nos três territórios de Angola, Guiné e Moçambique 8831 jovens portugueses, num total de 800.000 militares mobilizados durante 13 anos. E aos que propagam a teoria de que a guerra de África não era uma causa perdida e que até já estava quase ganha responde o silêncio de 98 jovens mortos, só na Guiné, no período decorrente entre 1 de Janeiro e 25 de Abril de 1974. 

E são estes números apenas os das nossas hostes, mas não são, nem nunca a minha sensibilidade o aceitaria, desprezíveis os milhares de mortos, do lado dos que combateram pela independência, entre militares e civis. Caberá aqui evocar uma reflexão de Pirro, rei de Epiro, depois de sair vitorioso de vários confrontos com exércitos da península itálica, no decurso de século terceiro a.C. nos quais perdeu, ainda assim, algumas dezenas de milhar de soldados: Se formos mais uma vez vitoriosos, numa batalha contra os romanos, perdendo idêntico número de soldados, ficaremos arruinados. Julgo que terá sido esse pensamento do rei de Epiro, reportado pelo historiador grego Plutarco, que norteou a decisão histórica do General Spínola, quando fez saber ao governo de Lisboa da sua indisponibilidade para prosseguir numa guerra de vitórias pírricas.

As guerras deverão ser sempre o último recurso das nações civilizadas, nunca uma opção estratégica. Dirão outros que aquele era um território português e como tal tinha que ser defendido. A esses asseverarei que os estados têm como dever prioritário não propriamente a defesa do território, mas a defesa de todas as pessoas que nele habitam, assegurando que todos tenham direito à satisfação das suas necessidade básicas, à liberdade, à democracia e à justiça.
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Nota do editor

Primeiro poste da série de 12 de janeiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21762: Projecto de livro autobiográfico, de António Carvalho, ex-Fur Mil Enfermeiro da CART 6250/72 (Manpatá, 1972/74) (1): Contra os canhões marchar, marchar...