sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Guiné 63/74 – P9171: Memórias de Gabú (José Saúde) (17): Um povo de costumes



1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabú) - 1973/74, enviou-nos mais uma mensagem desta sua série.

Camaradas,

Lá vai mais uma das "MINHAS MEMÓRIAS DE GABU". O livro e o prefácio do Luís Graça estão concluídos. Em Março, talvez, será altura para a sua apresentação pública.

UM POVO DE COSTUMES
A TÍPICA MULHER DA TABANCA

Não me perguntem como, onde e porquê a foto veio parar-me um dia às mãos. Não sei! Desconheço, e sou sincero, que sua originalidade, bem como a do seu próprio autor é-me totalmente alheia, tão-pouco nunca soube o seu possível paradeiro. Com a respectiva vénia, coloco-a nas “Minhas Memórias de Gabú” para ilustrar a obra com uma verdade indesmentível a qual constantemente nos deparávamos quando nos cruzávamos no caminho com mulheres que transportavam às costas crianças de tenra idade – filhos, irmãos ou familiares – e com galhardia mostravam ao próximo os seus ousados seios. 

Em Gabú era usual contemplarmos este ilustre quadro. A mãe, às vezes jovem, já era portadora de enormes peitos. Esporadicamente constatávamos cenas surreais. Seios desmedidos que se arrastavam verticalmente aprumados e que caíam na cintura das mulheres. Diziam, e admito que seja a verdade real, que pela forma como transportavam a criança às costas proporcionava o seu respectivo avantajar. O pano que servia de berço para o rebento cruzava os seios da mãe que se viam espremidos pelo peso lançado pelo seu querido filhote. 

A criança, não obstante a marcha da sua progenitora, sentia necessidade em saciar o seu desejo nato e a mãe satisfazia o anseio do seu rebento, colocando-lhe um dos seus seios a jeito para o bebé mamar. A criança chupava que se desunhava ao longo do percurso e a mãe, demonstrando a sua fértil ligação ao fruto que deitara ao mundo, assumia o elo de união entre dois seres que por força do destino viviam sob o tecto da guerra. Restava o cenário: a criança chupava numa das tetas e sossegava. Estava encontrado o mesinho ideal. 

Este velho hábito criou raízes na população e transmitiu-se de gerações para gerações. As etnias quer elas fossem de fulas, de futa-fulas, de mandingas, de papéis, de felupes, de balantas, de bijagós entre outras (os guineenses são originários de 30 e tal etnias ou grupos étnico-linguísticos), seguiam à risca este costume transversal. 

Este era, pois, o normal quadro que no terreno amiúde constatávamos. Vi peitos que jamais ousaria imaginar. Peitos enormes, descaídos, deformados e gente modesta que em nada se preocupava com a sua figura de mulher. Os seios, difusos e bem visíveis, intercalavam-se com corpos esbeltos, caras de meninas lindas que nasceram para procriar e colocar no mundo a verdadeira razão do seu feminismo. 

A mulher guineense surpreendia! Recusava, em geral, falar da guerra. Refugiava-se nos seus velhos costumes. Orgulhava-se com a criança parida, mas nunca vigiada, e jamais assistida por uma equipa médica. O curandeiro ditava ordens e a jovem mãe exercitava o velho saber do homem grande. Acreditava piamente nos ditos populares que os mais velhos proclamavam. 

Na tabanca a mulher, não obstante as suas alterações morfológicas motivadas pelo prazer de ostentar filhos ao mundo, assumia um estatuto ímpar no seio da comunidade. 

Na guerra dos sexos ressalva-se, pois, uma imagem que guardo devotamente no meu memorial e que nos transmite a veracidade das mães guineenses no preciso momento de transportar os seus amados filhos! 

Uma realidade 

Um abraço deste alentejano de gema,
José Saúde
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523

Fotos: © José Saúde (2011). Direitos reservados.
Mini-guião de colecção particular: © Carlos Coutinho (2011). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:


30 DE NOVEMBRO DE 2011 > Guiné 63/74 – P9120: Memórias de Gabú (José Saúde) (16): Protecção avançada a um avião que trazia novidades… 


1 comentário:

Hélder Valério disse...

Caro camarigo José Saúde

Um excelente retrato do papel da mulher nessas sociedades. Era assim no nosso tempo e presumo que não deva ter mudado, pelo menos substancialmente, principalmente no interior.

Abraço
Hélder S.