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Setembro de 1967 > Álbum fotográfico de Vitor Condeço > Foto 12 > Centro do aquartelamento (parada), edifícios do comando e cómodos dos oficiais, vistos do lado da messe de sargentos. (Podem ver-se os varandins e balaustradas que o Mário Vicente descreve no seu livro
A Guerrilheira, para a direita das viaturas Matadores que se vêm ao fundo, ficaria a palhota que serviu de cárcere à Pami Na Dondo).
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Cufar > CART1687 (1967/1969) > Setembro de 1967 > Álbum fotográfico de Vitor Condeço > Foto 10 > Outro interior da messe de Sargentos. Vejam-se os cadeirões feitos dos barris do vinho, a necessidade aguçava o engenho.
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Cufar > CART1687 (1967/1969) > Setembro de 1967 > Álbum fotográfico de Vitor Condeço > Foto 7 > Interior da messe e bar de Sargentos.
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Fotos e legendas: ©
Victor Condeço (2007). Direitos reservados.
PAMI NA DONDO, A GUERRILHEIRA (1)
por Mário Vicente
Prefácio: Carlos da Costa Campos, Cor
Capa: Filipa Barradas
Edição de autor
Impressão: Cercica, Estoril, 2005
Patrocínio da Junta de Freguesia do Estoril
Nº de páginas: 112
Edição no blogue, devidamente autorizada pelo autor, Mário Vicente Fitas Ralhete (ex Fur Mil Inf Op Esp, CCAÇ 726 : Revisão do texto, resumo e subtítulos: Luís Graça.
Parte VI - Esperando o segundo interrogatório (pp. 47-52)
Resumos dos posts anteriores (1):
(i) A acção decorrer no sul da Guiné, entre os anos de 1963 e 1966, coincidindo em grande parte com a colocação da CCAÇ 763, como unidade de quadrícula, em Cufar (Março de 1965/Novembro de 1966)…
No início da guerra, em 1963 Pan Na Ufna, de etnia, balanta, trabalha na Casa Brandoa, que pertence à empresa União Fabricante [leia-se: Casa Gouveia, pertencente à CUF]. A produção de arroz, na região de Tombali, é comprada pela Casa Brandoa. Luís Ramos, caboverdiano, é o encarregado. Paga melhor do que a concorrência. Vamos ficar a saber que é um militante do PAIGC e que é através da sua influência que Pan Na Ufna saiu de Catió para se juntar à guerrilha, levando com ele a sua filha Pami Na Dono, uma jovem de 14 anos, educada das missão católica do Padre Francelino, italiano.
O missionário quer mandar Pami para um colégio de freiras em Itália mas, entretanto, é expulso pelas autoridades portugueses, por suspeita de ligações ao PAIGC (deduz-se do contexto). Luís Ramos, por sua vez, regressa a Bissau, perturbado com a notícia de que seu filho, a estudar em Lisboa, fora chamado para fazer a tropa.
É neste contexto que Pan Na Una decide passar à clandestinidade, refugiando-se no Cantanhês, região considerada já então libertada.
(ii) De etnia balanta, educada na missão católica, Pami Na Dondo, aos catorze anos, torna-se guerrilheira do PAIGC. Fugiu de Catió, com a família, que se instala no Cantanhês, em Cafal Balanta. O pai, Pan Na Ufna entra na instrução da Milícia Popular. Pami parte, com um grupo de jovens, para a vizinha República da Guiné-Conacri para receber formação político-militar, na base de Sambise. O pai, agora guerrilheiro, na região sul (que é comandada por João Bernardo Vieira 'Nino') , encontra-se muito esporadicamente com a filha. Num desses encontros, o pai informa a filha de que a mãe está gravemente doente. Pami fica muito preocupada e quer levá-la clandestinamente a Catió, enquanto sonha com o dia em que se tornará companheira do pai na Guerrilha Popular.
Entretanto, o destino prega-lhe uma partida cruel: na instrução, na carreira de tiro, tem um grave acidente, a sua mão esquerda fica decepada. No hospital, conhece Malan Cassamá, companheiro de guerrilha de seu pai, que recupera de um estilhaço de morteiro, que o atingiu na perna, no decurso da Batalha do Como, em Janeiro de 1964 (Op Tridente, Janeiro-Março de 1964, levada a cabo pelas NT) . Malan fala a Pami da coragem e bravura com quem seu pai se bateu contra os tugas.
Pami é destacada para dar aulas ao pessoal do Exército Popular e da Milícia Popular, em Flaque Injã, Cantanhês. No dia da despedida, canta, emocionada, o hino do Partido, 'Esta é a Nossa Pátria Amada', escrito e composto por Amílcar Cabral. Segue para Flaque Injã, com o coração em alvoroço, apaixonda por Malan Cassamá. De regresso à guerrilha, a Cansalá, Malan fala com o pai da jovem, e de acordo com os costumes gentílicos, Pami torna-se sua mulher.
(iii) Na actual região de Tombali (Catió), no sul da Guiné, o PAIGC, logo no início da guerra, ganha terreno e populações (nomeadamente, de etnia balanat). A resposta das autoridades portuguesas não se fez esperar, com uma grande contra-ofensiva para reconquista a Ilha do Como (Op Tridente, Janeiro-Março de 1964).
Entretanto, começam a chegar a Catió chegam reforços significativos. O Cantanhês, zona libertada, assusta o governo Português. Em contrapartida, no PAIGC, Nino, o mítico comandante da Região Sul, manda reforçar os acampamentos instalados nas matas de Cufar Nalu e Cabolol.
Em finais de 1964, Sanhá, a mãe de Pami, morre de doença na sua morança na tabanca de Cadique Iála. O guerrilheiro Pan Na Ufna, acompanhado da sua filha, faz o respectivo choro, de acordo com a tradição dos balantas.
Em Março de 1965, os homens da CCAÇ 763 - conhecidos pela guerrilha como os Lassas (abelhas) - reconquistam ao PAIGC a antiga fábrica de descasque de arroz, na Quinta de Cufar, e respectiva pista de aterragem em terra batida. Nino está preocupado com a actuação dos Lassas, agora instalados em Cufar, juntamente com o pelotão de milícias de João Bacar Jaló, antigo cipaio, agora alferes de 2ª linha.
Entretanto, Pami e Malan continuam a viver a sua bela estória de anor, em tempo de guerra, de sacrifício e de heroísmo. Ela, instalada em Flaque Injá, onde é professora. Ele, guerrilheiro, visita-a sempre que pode.A 15 de Maio de 1965, os Lassas destroem o acampamento do PAIGC na mata de Cufar Nalu. A guerrilha sofre baixas mas, durante a noite, consegue escapar com o equipamento para Cabolol. Na semana seguinte, os militares de Cufar tentam romper a estrada para Cobumba. Embrenham-se na mata de Cabolol, destroiem várias tabancas na zona.
Em princípios de Junho de 1965, os Lassas (abelhas) vão mais longe, destruindo o acampamento de Cabolol. Em Cafal, o comando político-militar do PAIGC está cada vez mais preocupado. Em Julho, Pami chora de dor, raiva e revolta ao ver a sua escola destruída, em Flaque Injã. Grande quantidade de material desaparece ou fica queimado. As casas de Flaque Injã ficam reduzidas a cinzas.
Mas a luta continua... Psiquicamente recuperada, a população começa a reconstrução de Flaque Injã e Caboxanque. A guerrilha recebe mais reforços e armamento novo. Pami entra voluntariamente numa coluna de reabastecimento que a leva à República da Guiné. Segue o corredor de Guilege, e sobe de Mejo para Salancaur, daqui para o Xuguê [Chuguè, segundo a carta de Bedanda,] terra de seus avós paternos. Desce até Cansalá, onde se encontra com seu marido. Não encontra seu pai, pois este fora transferido para o Cafal, e ali integrado numa companhia do Exército Popular.
Em meados de Agosto de 1965, Pami Na Dondo desce com Malan Cassamá até Cobumba. Malan e o seu grupo levam a cabo várias acções contra a tropa e o quartel de Bedanda. O grupo regressa a Cansalá. Uma delegação da OUA visita as zonas libertadas, a convite do PAIGC.
(iv) Madrugada de 24 de Agosto de 1965, Pami e Malan dormiam nos braços um do outro quando a tabanca, Cobumba, sofre um golpe de mão do exército português, que tem a assinatura dos Lassas.
No grupo de prisioneiros que são levados para Cufar, estão Malan e Pami que terão destinos diferentes. Pami estão integrada num grupo de cinco mulheres e procura nunca denunciar a sua condição de professora. Em caso algum falará recusará falar em português ou em crioulo. Mas os seus olhos de águia vão observado tudo, no caminho até ao quartel dos Lassas. No rio Cadique o grupo embarca em lanchas da Marinha. O Alferes Telmo não deixa que ninguém toque nas mulheres. Fala em psico, uma palavra que Pami desconhece. O grupo é entregue à guarda ao Furriel Mamadu.
Pami mal reconhece a antiga fábrica de descasque de arroz, a Quinta de Cufar, onse se instalaram os Lassas. Os prisioneiros são recebidos por militar dos óculos que, mais tarde Pami vem a saber tratar-se de Carlos, O Leão de Cufar, comandante do aquartelamento. Homens e mulheres são instalados em sítuios diefrentes. Malna e Pami entrecuzram o olhar, sem se denunciaram. Sabem que dizem ali adeus para sempre. Lágrimas nos olhos, Pami sente a dor da separação. )Pami e as prisioneiros ficam à guarda da milícia de João Bacar Jaló. Recusa-se a comer, bebe só água. No dia seguinte, a vida no aquartelamento retoma o seu ritmo. Pami pode agora ouvir e até ver perfeitamente, por entre as frestas das paredes de capim ao alto entrançado com lianas, tudo o que acontece por fora da palhota onde tinha passado a noite.
(v) Começam os interrogatórios dos prisioneiros, em Cufar. Um soldado milícia, da torpa de João Bacar Jaló, vem buscar Pami. Pelo caminho, Pami vai-se preparando mentalmente para mentir aos seus captores e sobretudo para não comprometer Malan. Entretanto, com os seus olhos de águia, vai observando e registando todos os pormenores da vida no aquartelamento dos Lassas.
Um milícia serve de intérprete. O interrogatório é conduzido pelo Alferes Telmo, acompanhado pelo Furriel Rafael (de alcunha, Mamadu), um e outros reconhecidos de imediato pela Pami. Respondendo apenas em balanta, diz chamar-se Sanhá Na Cunhema (nome da mãe) e ter nascido na Ilha do Como.
Os militares decidem mudar de táctica. Rafael encosta-lhe o cano da pistola ao seu ouvido, e pergunta-lhe, através do intérprete, o que aconteceu à sua mão esquerda... Um pouco trémula, diz que, quando era criança, fora mordida por uma cobre, tendo o pai sido obrigado a cortar-lhe a mão para a salvar...
Pami parece não convencer os seus interlocutores. Os dois Lassas entram em provocações de teor sexual, pensando tratar-se de uma eventual prostituta ao serviço da guerrilha... O interrogatório irá continuar nos dias seguintes. Pami regressa, exausta, para junto das suas companheiras de infortúnio. Mas, ao mesmo tempo, sente-se orgulhosa por. neste primeiro round, não ter traído os ideais de seu pai, Pan Na Ufna e de seu marido, Malan, valentes guerrilheiros do PAIGC.
(i) Pami está exausta e confusa, depois do primeiro interrogatório com os rangers Telmo e Rafael (ou Mamadu)
Passado que fora aproximadamente uma hora de terem levado a Bajuda, ouviram-se passos em corrida e grandes gargalhadas no Comando. Pouco depois a rapariga foi reintroduzida na prisão. Tremendo toda, enrolou-se junto de Pami. Esta ajeitou-se, de forma que as caras ficaram juntas. A professora de Flaque Injã passou com suavidade a sua única mão pelo rosto da jovem e sentiu os dedos humidificarem-se com as suas lágrimas. Num murmúrio, perguntou-lhe:
- Fizeram-te mal? Abusaram?
- Não!
Então sussurrante, a jovem contou tudo o que se tinha passado:
- Levaram-me para uma casa, onde estava uma cama dos militares. Fiquei ali só, durante um tempo até que apareceu um militar que deveria ser o dono da cama. Eu estava sentada a um canto. E ele pareceu ficar surpreendido com a minha presença. Começou a falar, mas eu não entendia nada, pois não conheço a língua deles. Passados uns momentos, ele aproximou-se e, sempre falando, pôs a mão na minha cabeça, e foi descendo até apertar o meu seio. Aí eu bati com a minha mão na dele. Falou mais, e veio novamente, agora tentando meter a mão entre as minhas pernas. Havia um pau junto, e eu peguei nele para lhe bater. Então ele começou a fugir, em volta da casa, sempre falando. Parou e tentou vir junto de mim outra vez, e eu levantei o pau novamente. Ouvi barulho, por cima, e vi muitas caras espreitando e rindo. Ele falou para os outros zangado, e os outros fugiram. Depois trouxeram-me para aqui. Mas estou com muito medo.
Estava narrada a aventura da Bajuda. Pami acalmou a miúda, colega de cárcere. Felizmente nada de grave tinha acontecido. No dia seguinte pelas conversas ouvidas ao grupo que se reuniu na varanda do Comando, verificou ter-se tratado de brincadeira, feita pelos alferes ao tenente. Do qual ficou a saber ser médico, e chamar-se Leandro.
Próximo da hora de almoço do dia seguinte, Pami foi levada novamente para ser interrogada. Só que para surpresa sua, o interrogatório não era com os mesmos do dia anterior. Estes não conhecia o nome, mas eram do mesmo grupo que comandavam os
Lassas. Um sem barbas, que tinha na mão o mesmo caderno onde Telmo tinha escrito, perguntou a um milícia que também era outro, o seguinte:
- Gibi, pergunta-lhe lá, se o que ela ontem disse é verdade?
O milícia formulou a pergunta em Balanta. A prisioneira esperou um pouco e acenou que sim com a cabeça. Os militares ficaram calados, e o que não tinha barbas disse para o outro:
- O que é que fazemos, Gama?
Ao que o de cara cheia e com barbas, respondeu:
- Sei lá, carago! Oh meu alferes, deixe essa merda, carago! Estamos aqui a perder tempo para quê? O alferes Telmo e o Mamadu que tratem dela, eles são
Rangers, eles é que sabem tratar dessas merdas, carago!
Pami ficou a conhecer mais dois elementos dos
Lassas. O alferes virou-se para o barbudo e falou:
- Eh, pá, eu acho que eles têm razão. Esta gaja parece esconder algo.
- Não duvido! Se o Telmo e o Mamadu nos pediram para fazer isto, é porque lhe cheira a qualquer coisa, carago! Mas eles que se chateiem. Eu já não tenho pachorra para isto, carago.
O alferes virou-se para o milícia Gibi, e disse:
- Diz-lhe que quando quiser falar verdade que diga. E agora leva-a para a palhota!
A professora ficou estupefacta. Estes indivíduos são de facto imprevisíveis. Tem de ter muito cuidado. Não pode cair em contradição, ou ceder qualquer pista, pois não sabe nada sobre o que está a acontecer a Malan Cassamá, e agora tinha muitas mais razões para a sua inquietação, resultante das revelações feitas pelos seus inquiridores. Sim, ficou a saber que Telmo e Rafael pertenciam a tropas especiais. Porquê a sua inclusão numa companhia normal do exército colonialista?
(ii) Malan, denunciado como guerrilheiro, é entregue à PIDE de Catió
Ao terceiro dia é concedida autorização para as prisioneiras lavarem a roupa, pelo que se dirigem todas para o poço. As duas mulheres primeiramente interrogadas, e que continuam a ser ouvidas em conjunto, desligam-se um pouco do grupo. Os militares sentem grande interesse por elas, e estão constantemente a ser chamadas. Pami tem a certeza que elas estarão a passar informações sobre a guerrilha. A professora apercebe-se que os homens estão a ser interrogados com a ajuda de cães para aterrorizar mais. Do seu ponto de observação, no interior da
prisão palhota, consegue ouvir uma conversa, em que Malan Cassamá, já foi identificado. Ouviu perfeitamente Telmo falar com o Leão de Cufar:
- Meu capitão, o problema está resolvido, o indivíduo não confessou, mas há um que confirma, que o gajo é mesmo o Malan Cassamá, e que pertence ao Exército Popular como consta no pedido de captura!
- É uma porra, Telmo! Não podemos ficar com ele. Temos de o levar para Catió e entregá-lo à PIDE. Mas vê se lhe caças alguma coisa. Na próxima ocasião, pedimos o gajo como guia. Olha, diz ao Palmeiro que aquelas duas gajas que se abriram, podem ir embora. E já agora que levem a miúda, não vá algum sacana de noite meter-lhe os tampos dentro, e termos para aí problemas. As outras espremam um pouco mais a ver se dá alguma coisa. A sem mão é capaz de ser tonta, mas tudo é possível.
- Certo, vou tratar disso com o Palmeiro!
- Outra coisa, meu capitão. A mais velha disse alguma coisa que coincide na generalidade com as outras. Mas os soldados andam de volta dela, e parece que alguns já a comeram. Era melhor o doutor vê-la, não vá haver para aí uma infecção geral, e andar tudo de
gaita à bandoleira.
- Certo, levem-na ao Leandro.
Pami, embora receosa e triste, por verificar que os prisioneiros parecerem não estar a aguentar-se. Ficou mais aliviada com esta revelação, pois Malan pelo menos já tinha o estatuto de prisioneiro em princípio regularizado. Mas estava preocupada por não ser chamada, nem a sua companheira, agora que as outras três tinham partido. Ou estariam à espera que fosse ela a tomar a iniciativa? Grandes momentos de confusão para a professora de Flaque Injã.
Uma manhã, oito dias passados sobre a sua captura, Pami conseguiu ver Malan. Mãos amarradas por uma corda, que lhe envolvia o pescoço, o guerrilheiro era içado, para uma viatura, que seguiria numa coluna rumo a Catió. Agora sim a separação seria para sempre.
Aos poucos os homens prisioneiros foram desaparecendo. O destino deles era interrogação para Pami, que permanecia com a sua companheira, a qual por vezes se ausentava com os militares, voltando com pão, vinho, bolacha e por vezes aparecia já alcoolizada. A conversa entre as duas era nula. Uma manhã a companheira saiu e não voltou mais.
(iii) Pami torna-se confidente de Miriam e sente um ódio profundo pelo Furriel Rafael (Mamadu)
Pami sentiu mais liberdade, e verificou que ninguém ficava a guardar a sua prisão. Pelo que começou a sair e a sentar-se no chão junto à porta, apercebendo-se agora praticamente de toda a vida dos
Lassas dentro do seu aquartelamento. O pessoal da milícia falava com ela, e as mulheres aproximavam-se mais, mantendo até conversa. Pami receou que alguma mais velha a reconhecesse de Catió, mas a invenção do nome e a falta da mão ocultavam perfeitamente bem a sua verdadeira identidade.
Duas mulheres, as quais eram bastantes novas e casadas com dois milícias já velhos, começaram a vir até junto dela, e falar imenso. A professora redobrou a atenção e concentração, não fossem os militares tentarem recolher qualquer informação através delas. Apercebeu-se mais tarde que não seria essa a intenção, mas única e simplesmente a conversa um pouco criança, talvez, que suscitava a curiosidade e o interesse das jovens mulheres.
Apercebeu-se rapidamente que a que dava pelo nome de Míriam, era nada menos nada mais do que a lavadeira - mas não só - do furriel Rafael. A de nome Meta - um pouco tonta - tinha relações com um soldado nativo, ou seja do recrutamento da Província, como diziam os colonialistas, o qual era criado (
impedido) de três furriéis, onde estava incluído o Rafael.
Que ódio tinha Pami a este homem! Porquê? Ela própria não o sabia definir. Seria por causa dos interrogatórios? Talvez! Mas... tirando o caso de puxar pela pistola e tê-la colocado no seu ouvido, não tinha sido violento. Antipatia natural seria!? O olhar dele parecia que a trespassava.
Da conversa com as duas Pami ficou a saber que Meta dormia com o impedido por gostar de fazer
conversa giro, coisa impossível de acontecer com seu marido, dada a impotência deste derivado da sua velhice. Os encontros de Miriam com o furriel seriam o desejo desta ter um filho de um homem branco. Coisas incompreensíveis para a jovem professora, cuja cabeça era apenas ocupada por Malan.
Os
Lassas voltaram a ir ao outro lado do Cumbijã. Meta contou que tinham andado por Cadique Iála, e que tinham morto muita gente, e queimado as casas todas. E não tinham tido nem mortos nem feridos. Pami apercebeu-se que de facto as coisas deveriam ter corrido bem, porque houve grande festa no Comando. Mas também poderia ser festa de anos do furriel Rafael, como afirmara Miriam. Era certo que quando algum furriel ou alferes fazia anos, havia sempre grandes festas. Era uma forma de criar corpo de unidade, delineado pelo macaco velho do
Leão de Cufar (2).
_________
Notas de L.G.:
(1) Vd. posts anteriores desta série:
18 de Dezembro de 2007 >
Guine 63/74 - P2363: Pami Na Dondo, a Guerrilheira, de Mário Vicente (6): Parte V: O primeiro interrogatório da prisioneira (Mário Fitas)
23 de Novembro de 2007 >
Guiné 63/74 - P2298: Pami Na Dondo, a Guerrilheira, de Mário Vicente (2) - Parte I: O balanta Pan Na Ufna e a sua filha (Mário Fitas)
28 de Novembro de 2007 >
Guiné 63/74 - P2307: Pami Na Dondo, a Guerrilheira, de Mário Vicente (3) - Parte II: A formação político-militar (Mário Fitas)
5 de Dezembro de 2007 >
Guiné 63/74 - P2328: Pami Na Dondo, a Guerrilheira, de Mário Vicente (4) - Parte III: O amor em tempo de guerrilha (Mário Fitas)
10 de Dezembro de 2007 >
Guiné 63/74 - P2340: Pami Na Dondo, a Guerrilheira, de Mário Vicente (5) - Parte IV: Pami e Malan são feitos prisioneiros (Mário Fitas)
(2) Comandante dos
Lassas