Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
segunda-feira, 2 de julho de 2007
Guiné 63/74 - P1911: Bibliografia de uma guerra (19): Pami Na Dondo, guerrilheira do PAIGC, o último livro de Mário Vicente (A. Marques Lopes)
Capa e contracapa do livro do nosso camarara Mário Vicente [Fitas], Pami Na Dondo, a Guerrilheira
Mensagem do A. Marques Lopes, com data de 26 de Junho último:
Caros camaradas
Para a nossa bibliografia sobre a guerra vai a capa e contra-capa do livro Pami Na Dondo, a Guerrilheira, da autoria do nosso tertulaiano Mário Vicente [Fitas Ralheta] (1). Teve a amabilidade de nos oferecer esta obra e eu aceitei, e já lhe disse que vai ser o primeiro livro a ler durante as minhas férias, que começarão na Nazaré já na próxima sexta-feira.
É uma edição do autor, de Julho de 2005, patrocinada pela Junta de Freguesia do Estoril. O Prefácio é da autoria do Coronel Carlos da Costa Campos, e diz assim (Subtítulos da responsdabilidade do editor do blogue):
Entre a ficção e a realidade
"Nesta obra, de forma peculiar, o autor apresenta-nos a bajuda (nativa jovem e ainda virgem) Pami Na Dondo - A GUERRILHEIRA - e por ela vamos saber como na Guiné, entre os seus naturais, nasceu a ideia de Nação e como surgiu o PAIGC (Partido Africano para a Independência da Guiné e de Cabo Verde).
"A obra oscila entre a ficção e a realidade, bem documentada, descrevendo o ambiente e as personagens; somos assim postos perante a profundidade de um romance e não face à superficialidade de qualquer outro tipo de narrativa.
"Assim, somos transportados desde a vivência dos militantes do PAIGC até à acção e forma de viver dos soldados que compõem a Companhia de Caçadores 763, uma Unidade do Exército Português onde o autor esteve integrado, numa comissão de serviço militar na Guiné Portuguesa.
A odisseia da jovem Pami Na Dondo
"Ao longo do texto vamos de mãos dadas com a jovem Pami Na Dondo que nos narra a sua infância e adolescência, as peripécias que viveu, até que, já mentalizada, se transformou numa guerrilheira do PAIGC mais tarde, e por via dos factos, é feita prisioneira pelos militares que ela combate e, retida no interior do seu Aquartelamento com o seu espírito de observação, tem a oportunidade de nos poder denunciar o procedimento e as personalidades daqueles que ela tem por seus inimigos.
"Pami Na Dondo conta-nos como chegou à noção de Nação, como ajudou a diluir os antagonismos existentes entre os diversos grupos étnico-tribais, acabando por aderir ao PAIGC que para ela seguia a prossecução dos objectivos que ela também visava.
"Pelos olhos dela vamos assistir ao desenvolvimento do PAIGC desde os seus primórdios até ao seu completo amadurecimento e, quando mais tarde prisioneira, ficamos a saber o seu comportamento e pensamentos relativos aos seus captores.
"A acção desenrola-se no Sul da Guiné, nos princípios de 1965, e gira em torno das actividades de uma Companhia de Caçadores e é pelos olhos de Pami Na Dondo que vamos tomar contacto com diversos elementos daquela Companhia.
"Pami Na Dondo alista-se nas hostes da guerrilha que dominava aquela zona de território e, por motivo de um acidente que lhe incapacita um dos braços, acaba como professora do PAIGC devido à sua formação escolar e pelo facto de falar correctamente o português, o que a recomenda para tal função. É na escola que ela mentaliza e doutrina os futuros guerrilheiros e lhes dá paralelamente a correspondente pre paração escolar (2).
O génio de Amílcar Cabral
"À data em que se inicia a obra, a acção subversiva interna já atingiu a 4ª Fase (criação de Bases e de forças pseudo-regulares). Isto só foi possível em tão curto espaço de tempo, pelas qualidades de Amílcar Cabral, Fundador do PAIGC, homem esclarecido e determinado, cabo-verdiano, engenheiro agrónomo formado no Instituto Superior de Agronomia de Lisboa, e que antes prestara serviço nos Serviços de Agricultura de Bissau, tendo passado à clandestinidade por dissidências com os seus colegas europeus.
"De vontade firme e forte, homem culto, Amílcar Cabral procede ao recrutamento dos futuros guerrilheiros, atenua as divergências étnicas entre aqueles que vão cooperar com ele, cria entre todos a noção de Nação e, dirigindo a subversão externamente através do Comité Revolucionário, instalado em Conakry, articula rapidamente as forças do Partido com o apoio dos países de Leste".
"Refira-se como curiosidade que os EUA se deixaram atrasar na corrida ao apoio dos diversos "grupos de libertação nacional", mas apesar disso ainda conseguem colocar no porto de Conakry um navio-hospital para tratamento dos guerrilheiros feridos do PAIGC.
"Ao atingir a 4ª Fase da subversão Amílcar Cabral tinha o território dividido em Regiões e Zonas sendo as zonas divididas em Áreas cujas Bases foram estabelecidas nas matas de muito difícil acesso.
"As Forças Armadas Revolucionárias Populares (FARP) são constituídas pelo Exército Popular (EP), Guerrilha Popular (GP) e Milícia Popular (MP). Estas últimas são o instrumento local de defesa e vigilância das populações.
"Nas tabancas (povoações) das zonas que considera libertadas, nomeou responsáveis -2 homens e 2 mulheres- que constituem o comité da tabanca, controlando os movimentos dos elementos combatentes e também da própria população.
"As bases dispõem de escolas que fazem a doutrinação dos jovens ao mesmo tempo que desenvolvem uma intensa campanha de alfabetização das massas. É numa destas escolas que Pami Na Dondo lecciona dando todo o seu empenho ao Partido.
"A guerrilha é a base de recrutamento do Exército Popular e actua regionalmente apoiando a MP e o EP.
"Os 1°-, 2°- e 3°- comissários militares, os 1°-, 2°- e 3°- comissários políticos, são as categorias dos chefes existentes nas FARP. Os elementos combatentes são militantes (EP), guerrilheiros (GP) e milicianos (MP), e revelam-se atacando ou flagelando os quartéis, alvejando aviões ou embarcações, implantando abatises, minas e armadilhas nos itinerá rios, destruindo pontes ou casas de alvenaria, coagindo as populações e exercendo represálias. Furta-se normalmente ao contacto com as tropas regulares, mas resiste nos locais de refúgio. Ataca ou flagela as tropas quando estas estão a destruir as tabancas abandonadas pela população ou estão a remover os abatises colocados nos itinerários.
"É dentro deste ambiente e vivendo esta situação que vamos encontrar a bajuda Pami Na Dondo que nos descreverá quanto se passa sob os seus olhos, o que ouvem os seus ouvidos e, enfim, descobrindo os seus pensamentos e raciocínio.
Guerrilha e contraguerrilha: a imprepação do exército português
"Convêm acrescentar que o PAIGC bem treinado e mentalizado, desfruta de uma vantagem ímpar: enfrentava e dava luta a um exército que não fazia a mais pequena ideia do que era a luta de guerrilhas onde o inimigo pode surgir de qualquer direcção, que se esvaía no seio da população - como o peixe na água - com superioridade de armamento, o que nada tinha a ver com a guerra convencional que se ministrava nas escolas militares.
"No Exército o oficial de patente mais elevada que pisa o terreno, que enfrenta o guerrilheiro e que tem de resolver todos os problemas de ordem logística que se lhe deparam diariamente, é o Capitão. O capitão tem de possuir caracter e personalidade, é orgulhoso e cheio de brio, tem coragem física e destemer, não evita o combate com o inimigo e no decorrer da actividade operacional procura sempre ter do seu lado a iniciativa das operações, com o intuito de retirar o espaço de manobra ao guerrilheiro.
"Um capitão consciente procura compreender a guerrilha e as populações e preparar-se para em comissões futuras poder aplicar da melhor forma os conhecimentos colhidos. Com o decorrer dos anos muitos desses capitães, de novo no T.O. (Teatro de Operações) ou ainda capitães ou já promovidos a majores, vão dar o seu melhor na contenção da guerrilha. Infelizmente o Exército vai buscar os melhores para os ingressar no Corpo do Estado Maior (CEM), desfalcando os operacionais, o que se torna grave com a falta de quadros de capitães tendo de se recorrer a capitães milicianos sem qualquer vocação ou preparação para a guerra.
"O CEM é um escol onde não se toca a não ser para funções políticas, governamentais ou diplomáticas, o que não tem implicações directas na guerrilha que se enfrenta; assim, ficam por aproveitar os possíveis ensinamentos que eventualmente pudessem ser aplicados no terreno.
"Por outro lado, e infelizmente, os oficiais superiores (majores e tenentes-coronéis, nomeadamente) trabalham nos QG (Quartel General) ou Agrupamentos de forças e não faziam ideia do que era a luta de guerrilhas, não baixam ao terreno e limitam-se a manterem-se nos PC (Posto de Comando) durante o desenrolar das operações pelo que as suas instruções (e mesmo as Ordens de Operações) se tornam razoavelmente irreais ou de difícil cumprimento.
Uma unidade de excepção: A CCAÇ 763
"Enfim, e apesar de todas as dificuldades, é de justiça mencionar que a Companhia de Caçadores 763 conseguiu pacificar a sua Zona de Acção. Apesar de tantas vicissitudes é com prazer e orgulho que realçamos a acção da CCAÇ 763 a cujos efectivos pertenceu o autor.
"A CCAÇ 763, transportada no M/M Timor, chega a Bissau em 17/ 02/1965 e em 17/03/1965 ocupa a Zona de Acção (ZA) que lhe foi atribuída, entrando em quadrícula em CUFAR, no Sul da Guiné (3).
"A Companhia empenha-se operacionalmente com um sentido de missão e de patriotismo dignos de registo, não há interrogações sobre as razões por que ali se encontram, não havendo a registar um único caso de deserção, toma a iniciativa das operações tácticas desalojando os guerrilheiros dos seus refúgios o que permite desarticular a guerrilha que perde totalmente o controlo da situação; por outro lado constróem-se as infra-estruturas do futuro aquartelamento, cria-se um campo de futebol, um de voleibol e um de badmington, por forma a manter os seus elementos permanentemente ocupados.
"Não deixamos de mencionar que a Companhia, por sua iniciativa e à revelia do Exército, consegue recrutar ainda em Lisboa oito cães Pastores Alemães (6 machos e duas fêmeas) aos quais tendo sido atribuídos os respectivos tratadores à custa dos seus efectivos, se ministrou instrução com vista ao seu emprego em patrulhas, guarda, sentinela, esclarecedor do terreno, ataque e combate, todos bastantes acarinhados pelo pessoal da Companhia, e tendo vindo a tornar-se extremamente úteis no decorrer das operações.
"Desenvolvendo a maior actividade em todos os sectores, sempre empenhados, em menos de seis meses a ZA foi pacificada, a guerrilha abandonou a zona e o contacto com as povoações vizinhas tornou-se um facto natural; a criação de uma escola dentro do aquartelamento para cento e oito (108) crianças, com um instrutor desportivo e um professor, e tendo os alunos direito ao pequeno almoço e almoço, foi um passo de grande valia no âmbito da acção psicológica sobre as populações. Por outro lado sendo a ZA maioritariamente Balanta (povo animista) e tendo a Companhia ao seu serviço um Pelotão de milícia nativa constituído por Fulas e Mandingas (povos vindo do leste de África e muçulmanos), e que tradicionalmente se odiavam, conseguiu-se um estreito espírito de cooperação entre todos, o que muito veio contribuir para o bom êxito das nossas actividades em todas as vertentes.
"O Governador e Comandante-chefe na altura, chegou a confidenciar a alguém que se tivesse seis Companhias como a CCAÇ 763 o problema da guerrilha estaria resolvido.
"Infelizmente este problema não foi resolvido, tendeu a agravar-se, considerando do nosso lado a falta de quadros preparados, e do lado da Guerrilha a sua melhoria em todo o tipo de armamento enquanto nós nos mantínhamos agarrados à G-3 e à bazooka.
"Em 1973 o PAIGC consegue abater no Norte da Guiné, numa única manhã, dois aviões Dornier e um avião T-6; no Sul em dias não consecutivos, abate dois aviões a jacto Fiat; estava detentor dos mísseis terra-ar, apanhando as forças Portuguesas completamente de imprevisto. Isto vem afectar seriamente a nossa cobertura aérea e o moral dos nossos soldados. No entanto, apesar de tão sérios revezes, continuou a lutar-se até ao dia 25/04/1974.
Putos, gândulos e guerra: uma autobiografia
"Vai longo o prefácio e há que dar a palavra a Pami Na Dondo.
"Mas não queremos terminar sem frisar que para nós foi extremamente honroso o convite do autor para elaborarmos este prefácio, que, esperamos, tenha servido para esclarecer alguns aspectos ligados à subversão na Guiné-Bissau.
"Ainda não há muito tivemos o ensejo de ler a obra do autor Putos, gandulos e guerra, uma autobiografia elaborada com bastante mérito, onde aborda a sua infância, adolescência e a passagem pelas fileiras do Exército.
"Agora, depois de tomado o contacto com a GUERRILHEIRA congratulamo-nos com o salto estilístico e linguístico que o autor sofreu, facto pelo qual o felicitamos vivamente.
"Um abraço ao Mário Ralheta na certeza de que no futuro saberá fazer jus às suas capacidades literárias, vindo a engrandecer as letras portuguesas.» (4)
________
Notas de L.G.:
(1) Vd. post de 26 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1884: Tabanca Grande (16): Mário Fitas, ex-Fur Mil da CCAÇ 763 (Cufar, 1965/66)
(2) Vd. post de 29 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1899: PAIGC: O Nosso Primeiro Livro de Leitura (A. Marques Lopes / António Pimentel) (1): O português...na luta de libertação
(3) Vd. post de 27 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1893: Notícias de Cadique (Mário Fitas, CCAÇ 763, Cufar, 1965/66)
(4) O autor faz questão de oferecer, a quem o desejar, um exemplar do seu último livro Pami na Dondo, a Guerrilheira.
Contacto >
Mário Fitas
Rª D. Bosco 1106
2765-129 Estoril.
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