Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
sábado, 7 de julho de 2007
Guiné 63/74 - P1930: Diários de um Comando: Gampará (Ago-Dez 1972) (A. Mendes) (1): Um sítio desolador
1. Texto enviado pelo Amilcar Mendes (1) ,com data de 24 de Junho último. O A. Mendes foi ex-1º Cabo Comando, tendo pertencido à 38ª CCmds (1972/74). Esteve do Regimento de Comandos, da Amadora, até 1980. Hoje tem uma táxi na Praça de Lisboa. Há tempos confidenciou-nos: "Enquanto estive na Guiné fui escrevendo uma espécie de diário que, com muito gosto, irei aqui partilhar com toda a tertúlia, porque sei que muito do que escrevi apenas fará sentido para aqueles que trilharam os mesmos caminhos nesses longínquos, difíceis e já saudosos anos".
Amigo Luis Graça,
Depois de algum tempo ausente, lá arranjei tempo para voltar aos escritos (2). Os relatos que se seguem são dedicados a todos os ex-camaradas da 38ª de Comandos (3).
14 de Agosto de 1972 - No aquartelamento dos Comandos em Brá,pelas 09h30, e com a presença do comando-chefe interino das Forças Armadas da Guiné, Comodoro Moura da Fonseca,foram impostos os Crachás, a todos os novos COMANDOS da 38ª Companhia.
Do meu diário: 14 de Agosto de 1972 > Um dia que nunca mais vou esquecer, pois o Crachá que recebi será o simbolo COMANDO até à minha morte (4). Foi uma cerimónia bonita com muitos copos, muitas fotos e de tarde fui para Bissau, direitinho ao Pilão, porque o corpo não é de ferro e a Antónia é um mimo.
Período de 15 de Agosto de 1972 de Outubro de 1972
15 de Agosto de 1972 - Pelas 09H30 do dia 15 de Agosto 1972, a 38ª CCmds segue via fluvial na LDG Alfange com destino a Gampará nos termos da mensagem Confidencial Imediata 3054/c, de 9 de Agosto de 1972, do COMCHEFE (REPOPER). Chega pelas 14h30 deste dia fazendo a sua apresentação e, passando a reforçar o COP-7 [Zona Leste, Bafatá], rendendo a 2ª Companhia de Comandos Africanos.
15 de Agosto de 1972 - Despeço-me de Mansoa com alguma emoção. Fiz aqui muitos amigos, aqui nesta zona tive os meus primeiros contactos de guerra,aqui perdi alguns camaradas,todo os meus primeiros contactos com esta terra maravilhosa foram feitos aqui. Passei boas noites nos copos com bons amigos, recordo o meu amigo Germano Santos (está no blogue), que era cabo cripto do Batalhão,e que me deu muito apoio à minha chegada(podes comentar, Germano) (5).
Fomos direitos ao cais do Pigiguití onde a LDG Alfange nos aguardava. Subimos o maravilhoso Rio Geba, passando em frente a Jabadá, Porto Gole e finalmente Gampará. Fica situada na margem esquerda do Rio Geba. Acostámos ao cais(?) e esperavam-nos os Unimogs, para nos levar do cais para o destacamento, a 3km. Demorámos quase 2h pois a estrada de terra batida teve que ser toda picada,parece que todos os dias aparecem minas aqui.
Gampará à vista! Desolador! O quartel é só tabancas que a tropa divide com a POP, arame farpado a toda a volta e uma dúzia de torreões com sentinelas. É aqui que iremos viver até quando calhe (6).
(continua)
Texto: © Amilcar Mendes (2007).
____________
Notas de L.G.:
(1) "Assentei praça no longínquo ano de 1971 no antigo RAL 1, em Outubro. Ofereci-me para os Comandos onde cheguei em Dezembro de 1971 (CIOE/ Lamego). Completei o curso em Junho de 1972, mês a que cheguei à Guiné, a 26. Iniciei a 2ª parte do curso em Mansoa, na mata do Morés, onde tive o primeiro contacto com o IN. Recebi o crachá de Comando em Agosto, com o posto de 1º cabo. Em Fevereiro de 1974 terminei a comissão mas só regressei a Portugal em Julho de 1974. (...). A minha companhia foi a 38ª Companhia de Comandos, os Leopardos" (...).
2 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXV: Apresenta-se o 1º Cabo Comando Mendes (38ª CCmds, 1972/74)
(2) Vd. alguns dos posts anteriores do Amílcar Mendes:
27 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1123: Um espectáculo macabro na bolanha de Cufeu, em 1973 (A. Mendes, 38ª Companhia de Comandos)
22 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1199: A vida de um comando (A. Mendes, 38ª CCmds) (1): Sete anos de serviço
22 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1200: A vida de um comando (A. Mendes, 38ª CCmds) (2): Um dia de Natal na mata de Caboiana-Churo )
22 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1201: A vida de um comando (A. Mendes, 38ª CCmds) (3): De Farim a Guidaje: a picada do inferno (I parte)
23 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1203: A vida de um comando (A. Mendes, 38ª CCmds) (4): De Farim a Guidaje: a picada do inferno (II Parte)
23 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1205: A vida de um comando (A. Mendes, 38ª CCmds) (5): uma noite, nas valas de Guidaje
24 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1207: Guidaje, Maio/Junho de 1973: a 38ª CCmds, na História da Unidade (A. Mendes)
24 de Outubro de 006 > Guiné 63/74 - P1210: A vida de um comando (A. Mendes, 38ª CCmds) (6): Guidaje ? Nunca mais!...
30 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1223: Soldado Comando Raimundo, natural da Chamusca, morto em Guidaje: Presente! (A. Mendes, 38ª CCmds)
15 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1280: A vida de um comando (A. Mendes, 38ª CCmds) (7): Um tiro de misericórdia em Caboiana
9 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1827: Convívios (14): 38ª Companhia de Comandos, Pínzio, Vilar Formoso, 9 de Junho de 2007 (A. Mendes)
(3) Na nossa tertúlia, além do A. Mendes, há um novo elemento da 38ª CCmds, o ex-Fur Mil Comando Miaguel Vareta: vd. post 14 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1847: Tabanca Grande (12): Apresenta-se o ex-Furriel Mil Miguel Vareta, 38ª Companhia de Comandos, 1972/74
(4) Sobre o significado do crachá, vd. página Comandos - Tropa de elite > Símbolos
(5) Vd. post de 11 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1835: Tabanca Grande (10): Germano Santos, ex-1º Cabo Op Cripto, CCAÇ 3305 / BCAÇ 3832, Mansoa, 1971/73
(6) Gampará fica(va) situada na margem esquerda do Rio Corubal, mais ou menos frente à Ponta do Inglês (vd. carta de Fulacunda). Aqui a CCP 121, do nosso querido amigo Victor Tavares, conheceu o horror e o inferno dos fornilhos.
vd. post de 21 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1540: Os pará-quedistas também choram: Operação Pato Azul ou a tragédia de Gampará (Victor Tavares, CCP 121)
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