terça-feira, 3 de julho de 2007

Guiné 63/74 - P1914: O Nosso Livro de Visitas: Em Farim, em 2007, imaginando um Unimog com tropas portuguesas ao virar da esquina... (Fernando Inácio)

Guiné-Bissau > Maio de 2007 > Visto aérea de braços de rio

Guiné-Bissau > Maio de 2007 > Aproximação de Farim, de canoa.

Guiné-Bissau > Maio de 2007 > Farim > Travessia do rio numa canoa típica escavada em tronco de árvore

Guiné-Bissau > Maio de 2007 > Farim > Placa evocativa de uma heroína combatente do PAIGC no jardim junto ao rio... Alguém se lembra deste ataque? (1)

Guiné-Bissau > Maio de 2007 > Farim > Monumento, da época colonial, ao 5º centenário da morte do Infante D. Henrique

Guiné-Bissau > Maio de 2007 > Farim > Casa, de arquitectura colonial, viraada para o jardim onde se situa o Monumento ao 5º centenário da morte do Infante D. Henrique

Fotos e legendas: © Fernando Inácio (2007). Direitos reservados.


1. Mensagem de Fernando Inácio, com data de 12 de Junho de 2007:

Caro Sr.

Antes de mais peço-lhe algumas desculpas por o estar a contactar assim do nada, mas ao ler a sua página, encontrei as suas fotos e tomei a liberdade de lhe enviar uma palavra.

Eu sou da geração que estava na escola a altura do 25 de Abril, tenho 42 anos, tinha 10 em 1974, e como tal não pude viver a experiência que relatam no site com tanta emoção e verdade.

Em Outubro de 1974 estava eu no 1º ano do ciclo preparatório e o meu professor de Historia era um ex-combatente da Guiné, regressado um pouco antes do 25 de Abril, julgo eu. Encheu os nossos imaginários juvenis de imagens da guerra, os ataques a aldeias inimigas, as progressões no mato, os costumes indígenas e eu sei que mais. Posso dizer que esse ano escolar de 1974/75 foi bem marcante para mim. O Ultramar Português ficou marcado em mim com uma nostalgia imensa de lá não ter estado.


Estive na tropa em 1985 como 2º Furriel Miliciano e, mais uma vez, sempre que estava de serviço ou na messe de Sargentos e, sempre que o assunto se propiciava, eu puxava as conversas com os sargentos mais velhos e que tinham estado no Ultramar, para este mesmo assunto, as suas experiências por Africa.

Digo acima com alguma pena que não pude viver a vossa experiência, e pela ousadia em ter este tipo de nostalgia, quiçá desejo, lhe peço desculpas, pois acho que na minha imaginação de criança e jovem o que ficou da guerra colonial foi o lado galante e aventureiro, sem ver o suor, sangue e lágrimas que lá foram vertidas.

Para meu contentamento quis o destino que tivesse que deslocar em serviço á Guiné no final de Maio último.

Fiquei particularmente impressionado pela destruição que se vê e se sente por todo o lado e pelos vestígios da guerra colonial. Os anos 60 quase se respiram ainda no ar e o sacrifício da sua geração é ainda bem presente nos locais e na recordação dos mais velhos com quem contactei.

Estive no interior da Guiné, em Nhacra, e fui até Farim, não sei se andou por estes lados.

Para minha surpresa em Farim encontrei um monumento ao 5º centenário da morte do Infante D. Henrique, erguido no centro de um jardim fantasma, qual tronco de arvore fossilizado, a atestar a nossa passagem por tão remota localização. A arquitectura das casas portuguesas que ainda se encontram de pé dava-me arrepios e sentia que a qualquer momento iria surgir um Unimog com tropas Portuguesas ao virar de uma esquina. Tenho pena de não ter descoberto estas vossas páginas antes da minha ida para a Guiné, pois acho que poderia ter visitado outros locais sobre os quais li nas vossas memórias.

As minhas viagens pelo interior foram escassas, estive para ir a Xitole mas não fui, e passei o resto do tempo em Bissau e arredores. Fiquei alojado no actual Hotel Solmar, acho que ao tempo seria a Cervejaria Solmar.

Tomo a liberdade de lhe enviar algumas fotos tiradas nesta deslocação e lhe enviar um abraço amigo e um Muito Obrigado por partilhar as suas memórias com os muitos leitores das páginas dedicadas á guerra colonial Portuguesa.

Com um abraço amigo,

Fernando Inácio.

2. Comentário de L.G.:

Caro Fernando: Obrigado pelas suas palavras sentidas e emocionadas. É espantoso, como um professor do ensino básico, ex-combatente, nos pode marcar indelevelmente para o resto da vida... A mim, não tem que me pedir desculpa de nada, bem pelo contrário, eu é que lhe fico agradecido por me contactar… Nós temos duas categorias de membros na nossa Tabanca Grande, ou tertúlia: os camaradas (de armas) e os amigos (filhos e outros familiares de camaradas, incluindo alguns que já morreram, lusoguineenses, amigos da Guiné…). Segundo as nossas regras, os camaradas tratam-se todos por tu.

Você, se assim, o entender, pode passar a fazer parte deste blogue colectivo… Na realidade é um verdadeiro amigo, um apaixonado das Guiné. E são pessoas como você, com sensibilidade cultural, que poderão representar o melhor de Portugal e dos poortugueses nas suas relações (incluindo os negócios) com a actual Guiné-Bissau.

Vou publicar o seu texto, no nosso blogue, a par das suas fotos… Gostaria apenas que acrescentasse umas curtas legendas, a cada uma delas (no mínimo, o local onde foram tiradas)… A partir do nosso blogue, tem a acesso às cartas da Guiné (estão quase todas ‘on line’, vamos tê-las todas em breve, incluindo as das ilhas)…

PS – Não, não estive em Farim, estive na Zona leste (Contuboel e depois Bambadinca)… Mas temos cento e muitos camaradas que andaram por tudo o que era sítio na Guiné…

3. Resposta do Fernando Inácio:

Caro Luis (Dr., perdoe-me a falta de título),

Ao ler as suas palavras abaixo sinto uma estranha familiaridade, quase uma irmandade com os sentimentos que consigo ler por detrás do grafismo puro das letras que compõem o seu texto. É como se pudesse sentir em mim o fogo que arde sem se ver do amor ao tempo que por lá passou o meu Amigo e os seus camaradas.

Envio então uma legenda a cada foto na forma de tabela identificativa e é com muita Honra que aceito fazer parte da vossa Tabanca Grande.

Tenho muitas mais fotos, passo enviar mais umas quantas. São sobretudo vistas das ruas de Bissau, tiradas sem qualquer motivo específico, só para recordação.

Gostaria de saber se algum Camarada se lembra da pensão da D. Berta, na avenida principal de Bissau, quase em frente aos CTT. Fui lá almoçar quase todos os dias da semana que estive na Guiné. Esta deveria ser uma casa bem conhecida nos tempos Portugueses.

Tenho algum contacto com Guineenses da minha geração, nomeadamente com um filho do comandante das tropas do Norte, Oio-Farim, seria um tal de Nascimento (2). O filho chama-se Manuel Alves Nascimento. Os Guineenses que conheço prezam muito os Portugueses e preferem fazer negócios com Portugal.

No meu caso pessoal senti-me muito bem na Guiné, fui bem recebido e senti-me seguro em todos os locais onde estive. O que me dizem os Portugueses que por lá se mantém é que a vida corre sem sobressaltos de maior.

Emociona-me especialmente ver fotos de reencontros, como a foto do Camarada Guimarães com o Saído, bem como outras do tipo que pude ver nas vossas páginas.

Com um abraço amigo,

Fernando
___________

Notas de L.G.:

(1) Titina (Ernestina) Silá tornou-se numa das raras heroínas da luta de libertação ao lado de dirigentes e combatentes lendários como Amílcar Cabral ou Domingos Ramos, muito embora muitas outras mulheres guineenses, anónimas, também tednham morrido em consequência da guerra colonial /guerra de libertação.

Tititina morreu em 30 de Janeiro de 1973, em consequência de emboscada montada pelas tropas portuguesas próximo do Rio Farim, na região do Oio. Deslocava-se para Guiné-Conacri para participar no funeral de Amílcar Cabral, assassinado dias antes (23 de Janeiro de 1973). Daí o Dia da Mulher, na Guiné-Bissau, ser celebrado a 30 de Janeiro.


Sobre esta dirigente histórica do PAIGC:

Vd. post de 28 Julho de 2005 > Guiné 63/74 - CXXVIII: Bibliografia de uma guerra (10): Segredos do PAIGC (A. Marques Lopes)

(...)"A Titina Silá dirigia a Norte o Comité da Milícia Popular, que tinha como
missão organizar a passagem das pessoas e mercadorias nas cambanças do rio Cacheu (nunca a apanhei...);

Vd. também: Blog de Umaru Djau (Atlanta, Geórgia,. EUA) > 5 de Maio de 2004 > Onde estão os sinais do nacionalismo ?

(...) "Era o nascer da jovem República nacionalista da Guiné-Bissau que se sentia na obrigação de reconhecer os ideias dos que empunharam as armas e libertaram a pátria do jugo português. Por isso mesmo, e sob à manta de uma nova cidadania, novos nomes, novas regras de convivência e tantas outras novas referências históricas passaram a fazer parte do novo quotidiano. Para a geração desse tempo a qual pertenço, ficou-se a conhecer os heróis ditos imortais como Amílcar Cabral, Domingos Ramos, Areolino Cruz, Titina Silá, Canha Na Tungé e outros imemoráveis nomes da luta de libertação" (...).

(2) Seria o Irénio Nascimento Lopes, um dos comandantes da Região Norte ? Vd. post de 28 Julho de 2005 > Guiné 63/74 - CXXVIII: Bibliografia de uma guerra (10): Segredos do PAIGC (A. Marques Lopes)

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