quarta-feira, 26 de março de 2008

Guiné 63/74 - P2689: Construtores de Gandembel / Balana (2): O papel da CART 1689 (8 de Abril a 15 de Maio de 1968) (Idálio Reis)

Comentário do Idálio Reis, ex-Alf Mil da CCAÇ 2317 (Gandembel / Balana, Abril de 1968 / Janeiro de 1969), a pedido do editor, ao texto do Alberto Branquinho (1).


(i) Luís, é com enorme gosto que procuro gizar um comentário ao que o Alberto Branquinho vos (enquanto editores) enviou. Dado que parece tentar causar algum serôdio protagonismo, envereda por uma atitude insinuativa, pouco cordata, dirigida ao destinatário que melhor lhe convém e apraz: o editor do Blogue.

O que ele aflora na sua parte A, é obvio que merece uma resposta de igualha, pois que, se há muitos ex-combatentes que não têm conhecimento da existência do Blogue, devido a um conjunto de razões fáceis de reconhecer, é de lamentar que outros que detêm essa enorme possibilidade, não queiram contar a sua história ou se demitam de a fazer.

O Blogue tem sido um espaço aberto e plural, que aceita com entusiasmo e agrado as opiniões que cada um deseja subscrever, seguro que não pode nem deve minimamente duvidar que a narração dos factos bélicos que vão surgindo, sejam fictícios ou mesmo meras presunções. O Blogue pretende ser um enorme ponto de aglutinação, onde se forje e cimente uma tertúlia de gentes com muito de comum, e que demonstrem desejar abrigarem-se na Tabanca Grande.

A história da guerra colonial, em que participámos convulsivamente, essa sim, denota fortes omissões ou propositadas distorções, e o Blogue é, se se quiserem, o meio em que cada um que queira apresentar, possa veicular o que dita o seu estado de alma num determinado momento.

O Alberto Branquinho faz afirmações pouco abonatórias em relação a abundantes narrativas que vamos recebendo. Cabe-lhe pois comprovar o que profere, mas que não pretenda ser o único paladino da verdade.

(ii) Quanto ao que está descrito no post de 14 de Março, em que aflora o papel desenvolvido em Gandembel/Ponte Balana, julgo que é primacialmente baseado no que eu fui escrevendo, pois até ao momento, fui o homem que se apresentou como tendo vivido, sem qualquer interrupção, uma longa jornada de 295 dias por aqueles sítios.

Mas, transcreve-se ao que referi quanto à CART 1689.

«Tudo me leva a crer (noite de 8 de Abril), que foi este imenso tiroteio que determinou a que a coluna se refizesse e avançasse mais cerca de meia dúzia de quilómetros para norte, em busca de uma linha de água que nos viesse a proporcionar o fornecimento desse elemento tão vital, e que dado o adiantado da época seca, se tornava um bem bastante escasso. E por via disso, na superior linha de festo do rio Balana, nos viemos a quedar nessa manhã, para de imediato dar início à odisseia que representou a construção de um posto militar fixo, que se viria a chamar Gandembel e mais tarde a uma anexa afastada apenas de poucas centenas de metros, de nome Ponte Balana.

"Sob a vigilância directa de uma tropa já bastante mais experimentada - a CART 1689 -, que já reconhecera o local antecipadamente, e que teve uma acção extraordinária durante a permanência que teve connosco até à sua retirada a 15 de Maio, e que é de elementar justiça salientar o papel relevante que sempre demonstrou, começámos a arranjar as nossas guaridas colectivas, autênticos abrigos-toupeira, que nos ofertassem uma maior segurança pessoal durante o tempo de construção dos abrigos definitivos.».


Mais à frente, expresso o seguinte:

«A briosa CART 1689 despede-se do nosso convívio, e esta sua partida deixou-nos claramente mais pobres, sós e indefesos. Em mais de um mês que nos acompanhou, até 15 de Maio, desenvolveu um trabalho extremamente meritório e empenhou-se forçadamente em nos acompanhar. Passou também por graves tribulações, em que perde um furriel, alvo de um artefacto armadilhado por ele mesmo, e sofre mais de uma dezena de evacuações, por ferimentos e doenças.».

Do que se afirma, a Companhia de Gandembel/Ponte Balana, pelo sentir do Idálio Reis, não escamoteia o relevante papel desenvolvido pela CART do Alberto Branquinho durante o período de pouco mais de um mês que aqui permanece. Ao invés, presta-lhe todo o mérito e engrandece-lhe a sua missão.

(iii) O Alberto Branquinho, como que inquere o editor, se sabe o que foi a operação BOLA DE FOGO?

Tenho em minha posse o historial da CART 1689 enquanto esteve na zona do Forreá, bem como da minha Companhia e da CCAÇ 2316.

Sob o título “Os Heróis de Gandembel”, o saudoso José Neto da CART 1613, no Post DCCLXXXV de 23 de Maio de 2006, relata o seguinte:

«A Operação Bola de Fogo destinou-se à implantação de um aquartelamento para efectivo de Companhia, no Corredor de Guilege. Desenvolveu-se entre 8 e 14 de Abril de 1968, com a seguinte força executante: CART 1613, CART 1689, CCaç 2316, CCaç 2317, 3.a Companhia de Comandos, 5.a Companhia de Comandos, Pelotão de Reconhecimento Fox 1165, Pelotão de Sapadores do BART 1896, Pelotão de Caçadores Nativos 51, Pelotão de Caçadores Nativos 67, Pelotões de Milícias 138 e 139, elementos do BENG 447, APAR (Apoio Aéreo). Durante a operação, o IN flagelou 7 vezes as posições, causando às NT 2 mortos, 13 feridos graves e 34 ligeiros.».

O historial da CART 1689, descrito muito pormenorizadamente, refere que a 14 de Abril, a OP BOLA DE FOGO foi considerada como tendo terminado neste dia. E de forma fidedigna, narra os factos ocorridos nos dias subsequentes até ao dia em que se retira de Gandembel.

Porque o Blogue já se debruçou sobre as circunstâncias da morte do furriel Belmiro dos Santos João, da CART 1689, por premência de seus familiares, fui eu que deu as indicações devidas (P1532 de 17 de Fevereiro de 2007).

Já o historial da minha Companhia refere tão só o seguinte:

«Com o dia 8Abril68, chegou então a data de partida desta CCaç para GANDEMBEL, integrada na operação 'Bola de Fogo' a fim de construir o aquartelamento, onde ficaria instalada a Companhia. Nessa noite sofreu 5 flagelações no itinerário GUILEJE-GANDEMBEL, a cerca de 3 Km de GANDEMBEL, mais propriamente junto ao rio BUNDO-BORO. As NT reagiram pelo fogo, tendo infligido uma baixa confirmada ao IN.»

Quanto ao que sobre o assunto se inscreve no historial da CCaç 2316, é do seguinte teor:

«De 08 a 14 de Abril realizou-se a operação 'Bola de Fogo', tendo por finalidade conseguir a reabertura da estrada GUILEJE-GANDEMBEL, onde seria construído um aquartelamento. Durante esta operação, foram as NT várias vezes flageladas e emboscadas, quer durante o dia quer durante a noite. Passadas buscas aos locais de onde foram efectuadas as flagelações, foi encontrado vário material IN, destacando-se uma PPSH, várias munições e equipamento, além de um elemento IN morto.

"Das várias emboscadas às NT, pode-se destacar a do dia 13ABRIL68, em que o IN utilizou um grande potencial de fogo, combinado com a deflagração simultânea de 4 fornilhos comandados, que nos causaram 8 feridos. Nesta data, cerca das 16H00 atingiu-se GANDEMBEL. Mais uma vez, ao regressar no dia seguinte, as NT foram de novo emboscadas, tendo sofrido 4 feridos, dos quais 1 grave. Registe-se contudo, que se bem que não confirmadas devem ter sido causadas cerca de 15 baixas ao IN.».


Como o Alberto Branquinho pode atestar, o Blogue tomou conhecimento, já há muito tempo, da operação BOLA DE FOGO, mas com as datas que aqui se referem, e não as que menciona. O editor do Blogue foi sempre um operacional do mato, pelo que as funções que cabiam aos elementos sapadores ou de engenharia, não precisa de ser elucidado, pois sabe muito bem distingui-las.

Mas quanto ao desempenho da engenharia militar, na reconstrução da ponte sobre o rio Balana, eu próprio tive de reconhecer que houve muita leviandade, pois apesar de ser muito pouco utilizada, ruiu numa das últimas colunas de reabastecimento provenientes de Aldeia Formosa, a 22 de Novembro [d, ao peso de uma GMC cheia de bidões de combustível.

(iv) A afirmação que não foram só os homens da CCaç 2317 que trabalharam nas obras de construção de Gandembel/Ponte Balana, é no mínimo capciosa.

A Companhia do Alberto Branquinho prestou uma estimável ajuda durante pouco mais de um mês, que bem reconheci. E após a sua retirada, com quem mais contou para a finalização da obra?

Mas como se reconhece, Gandembel foi sujeita a 372 ataques/flagelações, que a CART 1689 sofre uma pequeníssima parte.

Mas na dureza das condições em que Gandembel foi palco, o aspecto que quis mais relevar aquando da retirada, a 28 de Janeiro [de 1969], expresso-o do seguinte modo:

«Na qualidade de ex-militar que viveu todos os dias de Gandembel/Ponte Balana, sinto que os homens desta Companhia foram uns joguetes de uma estratégia macabra, hedionda, vergonhosa. Jamais teve, até à chegada dos pára-quedistas, o apoio que merecia. E tenho de reconhecer em Spínola, um militar de uma enorme dimensão, pois que se não fora a sua persuasão, talvez poucos homens desta Companhia restariam».

E quanto à acção desenvolvida pelas forças pára-quedistas, chegadas a 20 de Agosto [e 1968], crê que ela foi fundamental para o futuro dos homens da sua Companhia, muito em especial no aspecto anímico, onde inclusive conseguiu também criar um clima de muito maior segurança para as demais tropas que estavam de algum modo envolvidas com Gandembel.

Houve muito trabalho de pá e pica, onde o Alberto Branquinho desde que abandonou aquele malfadado lugar, denota não ter acompanhado devidamente o que foi o seu dia-a-dia, da situação crítica em que ficaram aqueles homens, muito em especial como frente de guerra, e por isso, entre todos os que ajudaram essa Companhia, tenho que enfatizar a acção dos pára-quedistas, o que me leva a afirmar:

«Indubitavelmente, foi capaz de incutir uma outra serenidade a estes desalentados homens, renovar estados de espírito abalados, sobrepujar contrariedades inúmeras, remoçar réstias de esperança, que se revelaram cruciais no aumento da auto-estima. E esta extraordinária proeza, este feito inigualável, ninguém lhe conseguiu dar a devida dimensão, tão-só o peso e o testemunho da gratidão dos que o sentiram.

"Alguém que ouse escrever esta epopeia da presença dos pára-quedistas em Gandembel, porventura das maiores que a guerra colonial conheceu, e julgo que omitida».


(v) Uma vez que o Alberto Branquinho refere ter conhecimento da existência do Blogue há alguns anos, julgo que de todo não tem lido o que eu e o editor Luís Graça têm escrito sobre essa saga de Gandembel/Ponte Balana, porque muito provavelmente não chegaria ao motivo do seu escrito.

E assim, desculpar-me-á, mas foi infeliz nas suas afirmações.

O Simpósio de Guiledje, que o Blogue se associou desde logo, e que teve um forte empenho do nosso amigo Carlos Schwarz, teve um único objectivo, que o José Teixeira, tão bem soube apregoar no meio das ruínas de Gandembel: simbolizar o espírito de todos os que ali lutaram, de todos os que aí derramaram o seu sangue, sem distinção de raça ou cor; simbolizar o espírito da paz e fraternidade que seja alimentado por todos, e a esperança na construção de uma Guiné-Bissau onde haja paz, pão, saúde, educação, justiça.

E Luís, tenta dar a volta a tudo isto. Bom regresso, com muitas amêndoas. Um caloroso abraço do Idálio Reis.

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Nota de L.G.:

(1) Vd. poste de 26 de Março de 2008

Guiné 63/74 - P2688: Construtores de Gandembel/Balana (1): Op Bola de Bogo, em que participou a CART 1689, a engenharia e outros (Alberto Branquinho)

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