sábado, 29 de março de 2008

Guiné 63/74 - P2700: Construtores de Gandembel / Balana (4): Estive lá 120 dias, com o meu Pel Caç Nat 55, até ao fim (Hugo Guerra)

Guiné-Bissau > Região de Tombali > Sector de Bedanda > Iemberem > Simpósio Internacional de Guileje > Visita ao sul > Ao meio, o Dr. Francisco Silva, madeirense, ortopedista no Hospital Amadora-Sintra, médico do nosso camarada Hugo Guerra. O Francisco Silva, que viajou de jipe, na viagem à Guiné, de ida e volta, foi Alferes Miliciano, tendo pertencido à CART 3492, que esteve no Xitole (com o Joaquim Mexia Alves). O Francisco Silva tem, no seu currículo militar, a particularidade de ter ido substituir um alferes morto na parada, pelos homens, africanos, do seu Pel Caç Nat 51, uma história incrível (não fora ele a contar-ma, em directo)... Do lado esquerdo, vê-se Salifo Camará, régulo de Cadique Nalu e Lautchandé, antigo Combatente da Liberdade da Pátria. Tem 87 anos. Do lado direito, a Maria Alice. Foto tirada por ocasião da visita ao centro de saúde materno-infantil de Iemberem.

Foto: ©
Luís Graça (2008). Direitos reservados.




1. Texto do nosso camarada Hugo Guerra, que comandou os Pel Caç Nat 55 e Pel Caç Nat 60 (Gandembel, Ponte Balana, Chamarra e S. Domingos, 1968/70):

Caro Luís:

O nosso Povo tem uns ditados muito acertados. Por exemplo, dizer-se que "Quem não se sente não é filho de boa gente", é um daqueles que tem muita aplicação prática.

Já estava à espera que mais dia menos dia "rebentasse a bronca" com outros camaradas nossos que, tal como o Alberto Branquinho e o Mexia Alves, não concordam com o protagonismo exagerado que alimentas no Blogue acerca de Gandembel e Ponte Balana, sempre imputadas ao Idálio Reis da [CCAÇ] 2317 e dos seus homens ....

Tiveste agora que tirar a limpo com o Idálio aquilo que eram as opiniões do Branquinho, como se só o 1º fosse o detentor de todo oconhecimento e acho a resposta do Reis muito brusca, para quem sabe perfeitamente que, só enquanto não se construiram os abrigos de betão, é que o pessoal "imitava as toupeiras".

Eu optei sempre por dormir dentro do Paiol em Ponte Balana, em cima dos cunhetes de munições, junto ao rádio-transmissor, sabendo perfeitamente que se tivessemos um ataque a sério, com a tomada do destacamento, só nos restava abrigar naquele bunker, pedir a Gandembel que nos enchessem de morteiradas e obuses e havia de ser o que fosse.

Claro que não obrigava ninguém a praticar esta loucura comigo, mas tinha sempre companhia,pois enquanto Gandembel estava "a embrulhar" havia sempre quem jogasse as cartas...e alguém contava as flagelações do in.

Assim como o Idálio pode dizer que foi o homem que mais tempo esteve em Gandembel com mais cerca de 150 a 200 homens, incluindo as tropas especiais e os especialistas , foi o meu Pelotão de Nativos 55 que mais meses esteve na Ponte Balana: Talvez uns 4 meses.

Como sabes os Pel Caç Nat tinham graduados brancos e sempre de rendição individual, o que originava duas coisas: (i) Eram apêndices das Companhias,para o pior.... até porque eram Nativos (sem comentários); (ii) Estavam completamente desgarrados das Companhias, o que era péssimo a nível humano e psicológico.

Quando o meu Pel Caç Nat saíu de Ponte Balana, já a cabeça da coluna ía a uns quilómetros de distância e, enquanto a 2317 seguiu para Buba, o Pel Nat 55 ficou logo na Chamarra.... nem sequer os quiseram em Aldeia Formosa.

O Zé Teixeira, que correu todos aqueles destacamentos , possivelmente até me conhece. Além de Aldeia Formosa, onde estive uns oito dias antes de seguir para Gandembel, ainda fui dormir duas ou três noites a Mampatá...

Dos 120 dias que o meu Pel esteve em Ponte Balana lembro-me de três Furréis brancos, do operador de transmissões - esse sim toupeira do 1º ao último dia- e talvez em Dez 68 foi lá colocada mais um ex-Alferes, Barge de seu nome, e que foi uma salutar companhia para mim. Salvo erro comandava um Pelotão da CCAÇ 2317.

Não me lembro de haver qualquer contacto comigo a questionar sobre o que eu teria a dizer de Gandembel-Ponte Balana, aquando da vossa romagem por aqueles lugares. Haverá algum engulho com a minha ida ao Corredor da Morte?

Como é que eu posso pronunciar-me sobre a Guerra da Guiné em locais onde nunca estive, a dormir numa cama, a comer um bife na tasca do não sei quantos ou a ter direito a uma lavadeira - pagando, claro - quando Gandembel e Ponte Balana não tinham contacto com o exterior excepto nos helis que levavam enfermeiras paras- querida Ivone e outras-que só lá iam buscar os mortos e feridos do ataque anterior...

Pista de aviação nada
População nada
Gado nada
Comida pouca e péssima...Nas chuvas o Balana fornecia peixe, à granada, claro.

Colchões para dormir cheios de buracos - remendos nem vê-los. Os poucos que havia eram para as viaturas. Bebida muita. Medo ainda mais. Médico uma vez em Dezembro.
Padre e Missa uma vez no Natal.

Gandembel e Ponte Balana são dois locais com misticismo, feitos de heroísmo e medo e os fantasmas ainda por lá andam e por cá também.

Gostaria, portanto, de te pedir , se assim o entenderes, que não esqueças os demais protagonistas que também forçados fizeram aquele pedaço da História.

Como diz o Branquinho,também lá estive e não vou deixar que outros contem as coisas por mim.

Um abraço do
Hugo Guerra


PS - Tenho muita pena de não ter podido ir ao Simpósium que acho correu muito bem. O meu Ortopedista, que esteve lá, ex-Alferes Francisco Silva, tirou-me as veleidades de aguentar as viagens de picada. Sou agora muito colunável....

2. Comentário de L.G.:

Hugo, errar é humano...Neste caso, pequei por omissão, ao fazer tábua rasa dos teus 120 dias (quatro meses, entre Agosto de 1968 e Janeiro de 1969), no destacamento de Ponte Balana. Tens que me dar o desconto: a minha base de dados, neuronal, não é assim tão grande e tão fiável que não me deixe mal, em certas circunstâncias... Lamento profundamente ter-me esquecido de ti e dos teus homens do Pel Caç Nat 55. Não o fiz intencionalmente, nem tinha nenhuma razão, objectiva, para o fazer... Como não tenho nenhum razão, manifesta ou latente, para pôr o Idálio Reis no Olimpo dos deuses e dos heróis. Sou anti-herói. São os homens, meus camaradas, que fizeram a guerra, que me interessam. Tu, o Idálio, e tantos outros, nos mais diversos pontos da Guiné...

Chegaste à nossa Tabanca Grande em Novembro de 2007 e temos, eu e os meus/nossos co-editores, publicado sempre as tuas mensagens... Foi pena não teres, em tempo útil - isto é, antes do Simpósio Internacional de Guileje - falado,com mais detalhe, da tua estadia em Ponte Balana... A ter havido injustiça, fica aqui reparada. Como eu costumo dizer, a nossa Tabanca Grande não tem portas nem janelas, não há convidados, nem VIP, nem membros de 1ª e 2ª classe... Há apenas amigos e camaradas da Guiné, que têm a liberdade de entrar e sair, quando lhes apetece...Caro que temos algumas regras de convívio e de comportamento...

Procurei em tempo útil incluir nas estórias de Guileje o relato da tua ida (voluntária à força...) ao Corredor da Morte (1)... Como seguramente publicaria o teu relato da estadia no hotel de muitas estrelas de Balana, se me tens avivado a memória... Já publiquei 2700 postes neste blogue e recebi, em três anos, muitos milhares de emails, .. Não me peças, por favor, que memorize todos os detalhes curriculares de toda a gente... Por outro aldo, não vale a pena a gente entrar pelo lado das insinuações e provocações, do género A Minha Guerra Foi Pior que a Tua... É uma picada que não nos leva a lado nenhum e é totalmente contrária ao espírito, aberto, franco, assertivo, frontal, leal, deste blogue...

Dito isto, Hugo, digo-te que apreciei a tua franqueza e aqui vai um abraço. Sem ressentimentos. Luís Graça (que, como tu, foi tropa-macaca, de 2ª classe).

PS - Não tenho fotos tuas do Tombali... Em contrapartida, mando-te uma foto com o teu médico de quem só posso dizer que foi um camaradão no fim de semana que passámos juntos, no sul...E a quem já convidei para ingressar na nossa Tabanca Grande.

__________

(1) Vd. postes de:

29 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2489: Estórias de Guileje (4): Com os páras, na minha primeira ida ao Corredor da Morte (Hugo Guerra)

7 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2415: Uma guerra entregue aos milicianos: onde estavam (estão) os nossos comandantes ? (Hugo Guerra, Coronel, DFA, na reforma)

22 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2374: O meu Natal no mato (10): Bissau, 1968: Nosso Cabo, não, meu alferes, sou o Marco Paulo (Hugo Guerra)

29 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2312: Tabanca Grande (43): Hugo Guerra, ex-Alf Mil, Pel Caç Nat 55 e 50 (Gandembel, Ponte Balana, Chamarra e S. Domingos, 1968/70):

(...) Chamo-me Hugo Guerra, nasci em Estremoz em Abril de 1945 e estudei na Escola de Regentes Agrícolas de Évora onde acabei o meu curso em 1964. Em Agosto de 1968, sem perceber bem como (depois hei-de contar), estava no Ana Mafalda a caminho da Guiné em rendição individual e, como a sorte nunca me bafejou, quando desembarquei já tinha guia de marcha para Gandembel onde fui comandar o Pel Caç Nat 55 que estava adstrito à CCaç 2317 [, Gandembel/Balana, 1968/69]. Passei por Aldeia Formosa, num heli, e aterrei, ainda em Agosto [de 1968], em Gandembel.

"Passei a maior parte do tempo em Ponte Balana e estava lá quando fechámos a porta em Janeiro de 1969. Nessa altura, e porque a sorte continuava alheia à minha
odisseia, fiquei num destacamento logo a seguir, de nome Chamarra.


"A CCAÇ 2317 foi para Buba e mais tarde foram acabar a sua martirizada comissão em território menos hostil.

"Eu tive, mais tarde, uma passagem rápida por S. Domingos no comando do Pel Caç Nat 50 mas o suficiente para ficar ferido com o rebentamento duma anti-pessoal, salvo erro a 13 de Março de 1970.

"Sou hoje DFA e Coronel" (...).

(2) Vd. postes de:

26 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2688: Construtores de Gandembel/Balana (1): Op Bola de Bogo, em que participou a CART 1689, a engenharia e outros (Alberto Branquinho)

26 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2689: Construtores de Gandembel / Balana (2): O papel da CART 1689 (8 de Abril a 15 de Maio de 1968) (Idálio Reis)

28 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2692: Construtores de Gandembel / Balana (3): Nunca falei em protagonismo pessoal, mas sim da CART 1689 (Alberto Branquinho)

2 comentários:

Anónimo disse...

Caro Hugo Guerra

Li com atenção o que escreveste e a resposta do Luis Graça.
Compreendo-as ambas e acho que talvez seja fruto da gestão com certeza dificil do blogue.
Tenho a certeza também que tudo aquilo que escreveres e contares será publicado no blogue e compreendo bem que "te sintas, porque és com certeza boa gente".
Dou razão ao Luis Graça no aspecto de não começarmos a trocar galhardetes sobre quem esteve pior ou melhor, fez mais guerra ou menos guerra.
Por mim a que fiz chegou bem e nem por isso foi intensa, mas lembro-me sempre que para nós fazermos alguma coisa no terreno de combate, outros têm que trabalhar às vezes em condições muito duras para que nós possamos ter, às vezes apenas um minimo de coisas para sobrevivermos.
"Todos não somos demais".
Se te respondo, é apenas porque francamente não percebo bem a inclusão do meu nome no teu texto a propósito de Gandembel e Ponte Balana.
Já agora uma curiosidade, o teu ortopedista, meu camarada de companhia, passou pelos Paraquedistas, ao que me lembro.
Sabias?
Abraço amigo do
joaquim Mexia Alves

Anónimo disse...

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