sábado, 29 de março de 2008

Guiné 63/74 - P2695: Uma semana inolvidável na pátria de Cabral (29/2 a 7/3/2008) (11): Iemberém, uma luz ao fundo do túnel

Guiné-Bissau > Região de Tombali > Mata do Cantanhez , algures entre Iemberém e Cananime, na margem direita do Rio Cacine > Simpósio Internacional de Guiledje > 2 de Março de 2008 > Visita, da parte da manhã, ao Acampamanto (Baraca) Osvaldo Vieira, de que se fará um detalhado relato em próximas notas desta viagem memorável à pátria de Cabral...

Mas agora que estou a chegar a Imberém, vindo de Guileje, ao fim de hora e meia de jipe, pela picada poeirenta e imprópria para gente com coluna vertebral (1), deixem-me pôr no ar um pequeno microfilme com o Hino da Guiné-Bissau, que um grupo de jovens, de ambos os sexos, pioneiros de qualquer coisa, irão cantar, amanhã, em pleno Cantanhez... Acho que todos os hinos nacionais são um pouco pimbas, românticos, panfletários (desculpem-me os nacionalistas, puros e duros!...), já que só há hinos nacionais porque há/houve Revoluções e Contra-Revoluções ... Mas não posso deixar de acreditar que esta é, para os guineenses, a sua Pátria Amada... Não posso duvidar da sua sinceridade.... Todos precisamos de um cantinho na terra a que chamemos nossa, a nossa casa, a nossa morança, a nossa aldeia, a nossa tabanca, a nossa nossa terra, a nossa pátria... Mesmo que seja pobrezinha. Cantada ao ar livre, sob as árvores seculares e sagradas da floresta do Cantanhez, a letra de Cabral (com música, por encomenda, de um chinoca, maoísta, que nunca terá posto os pés na Guiné) tem algo que me arrepia, ao olhar para trás, para os últimos trinta e poucos anos do pós-independência da Guiné-Bissau... Ao lançar um olhar, crítico, para a terra (Guiné-Bissau, separada de Cabo Verde, os dois ramos do mesmo tronco...), para o Continente (África), para o mundo que herdámos do Séc. XX...

Como está ainda bem longe, Cabral, o ideal por que lutaste e morreste, tu e tantos outros combatentes da liberdade da pátria (é assim que agora chamam, aqui, aos teus guerrilheiros)... Nada que tu não saibas, ou não soubesses já, que a História é fértil em exemplos de efeitos perversos, de Revoluções que devoram os seus filhos... Tudo isto, para te dizer que os jovens do teu país cantam o teu hino com o mesmo fervor do que qualquer outro jovem noutra parte do mundo, em Portugal, em Cuba, na China... Pelo menos os teus sabem a tua letra, e até a música que foi composta pelo Sr. Xiao He.

E ao mesmo há nele, no poema musicado de Cabral, algo que me emociona, positivamente, ao desejar, para estes jovens, e para os seus pais e/ou avós que aqui combateram, nalus, balantas e outros, a tão frágil paz que leva tempo a consolidar e o tão suspirado progresso que não chega, ou que é tão lento, desesperadamente lento, ou só chega para uma meia dúzia de privilegiados, a nomenclatura do poder e do dinheiro... Esta é a nossa Pátria amada Letra: Amílcar Cabral Música: Xiao He (2) Sol, suor e o verde e mar, Séculos de dor e esperança! Esta é a terra dos nossos avós! Fruto das nossas mãos, Da flôr do nosso sangue: Esta é a nossa pátria amada Refrão Viva a pátria gloriosa! Floriu nos céus a bandeira da luta. Avante, contra o jugo estrangeiro! Nós vamos construir Na pátria imortal A paz e o progresso! (repete as três últimas linhas) Paz e o progresso! Ramos do mesmo tronco, Olhos na mesma luz: Esta é a força da nossa união! Cantem o mar e a terra A madrugada e o sol Que a nossa luta fecundou, Vídeo (1' 45'): © Luís Graça (2008). Direitos reservados. Alojado em: You Tube >Nhabijoes

Guiné-Bissau > Bissau > AD - Acção para o Desenvolvimento > Foto da semana > 23 de Março de 2008. "De 1 a 7 de Março de 2008 realizou-se o Simpósio Internacional de Guiledje que contou com a participação de mais de 60 participantes vindos do estrangeiro, para contribuir para o registo da história recente da Guiné-Bissau, para recordar e confraternizar com combatentes, então de lados diferentes da trincheira e para assinalar uma página pioneira de um reencontro de companheiros que nutrem entre si uma grande amizade". Foto e legenda: AD- Acção para o Desenvolvimento (2008). Direitos reservados (com a devida vénia...)


Guiné-Bissau > Região de Tombali > Iemberém > Visita dos participantes do Simpósio Internacional de Guileje (1) > 2 de Março de 2008 > Monumento assinalando a passagem, por aqui, da CCAÇ 4942/72, de origem madeirense, mobilizada pelo BII 19 (Funchal).

Há três locais e datas assinaladas no monumento: Mansoa, 3/2/73; Cadique, 27/3/73 (3); Jemberém, 20/4/73. O brazão da companhia era constituído por um Galo, com os dizeres Cantamos de Galo. A unidade designava-se a si prórpia como Pioneiros e Contrutores de Jemberém Também sabemos como se chamavam os seus Grupos de Combate: Os Primitivos (1º Gr Comb); Os Descavilhados (2º Gr Comb); O Zigue-Zague (3º Gr Comb); Os Tais (4º Gr Comb). O nosso camarada A. Marques Lopes já há tempos tinha referido, na lista das unidades que passaram por Barro, na região do Cacheu (onde ele esteve com a sua CCAÇ 3), a existência desta CCAÇ 4942/72, cuja actividade operacional era resumida nestes termos (1): (i) Em princípios de Abril de 1973, seguiu para Cadique, na zona de acção do COP 4, a fim de tomar parte na operação Caminho Aberto, com vista à instalação de uma subunidade em Jemberém [hoje, Iemberém]. (ii) Em 20 de Abril de 1973, após o desembarque [em LDM ou LDG ?] e ocupação daquela área, assumiu a responsabilidade do subsector de Jemberém [ou Iemberém], então criado, iniciando a construção do respectivo aquartelamento e ficando integrada no dispositivo e manobra do COP 4 e depois do BCAÇ 4514/72, e ainda, após reformulação dos limites dos sectores, do COP 5 [ que incluía Guileje]. (iii) Foi substituída no subsector de Jemberém pela CCAÇ 4946/73. (iv) Instalou-se em Barro, a partir de 23 de Fevereiro de 1974, a fim de efectuar a sobreposição e render a CCAÇ 3519. (v) Em 12 de Março de 1974, assumiu a responsabilidade do respectivo subsector de Barro, ficando integrada no dispositivo e manobra do COP 3 e depois do BART 6522/72 e ainda do BART 6521/74. Destacou ainda um pelotão para Bigene, em reforço da guarnição local. Em resumo: esta companhia - de pessoal maioritariamente madeirense (4)- chegou até Jemberém, no coração do mítico Cantanhez, numa região que o PAIGC considerava de há muito libertada, construiu aqui, de raíz, um aquartelamento (de que não há muitos vestígios, visíveis, actualmente), e depois foi substituída por uma companhia mais nova, a CCAÇ 4946/73, em Fevereiro de 1974. Guiné-Bissau > Região de Tomboli > Parque Nacional do Cantanhez > Jemberém (ou Iemberém, de acordo com a toponomia actual) é uma localidade onde a AD - Acção para o Desenvolvimento tem a sua base operacional (instalações de apoio aos projectos desenvolvidos no Cantanhez). Por aqui também passou a 1ª CART do BART 6521/72 (1972/74)... De acordo com a inscrição que se encontra na base do respectivo monumento, colocado na actual Praça IMVF [Instituto Marquês Valle Flôr-IMVF ], há também três locais e três datas-chave na história desta companhia: Pelundo, 27 Out 72; Cadique, 21 Jan 73; Jemberém, 20 Abr 73. Tudo indica que os militares da 1ª CART do BART 6521/72 (Os Nómadas) tenham sido os verdadeiros Pioneiros de Jemberém. Outra hipótese é terem estado em Jemberém em sobreposição com a CCAÇ 4942/72, na sequência da Op Caminho Aberto (Abril de 1973). Mas voltemos às notas do viajante (1): Vindos de Guileje, por volta das 17h, chegámos ao fim da tarde do dia 1 de Março de 2008 a Iemberém, para jantar e pernoitar... Ou melhor, para passar o resto do fim de semana, com regresso a Bissau, marcado para segunda-feira de manhã, dia 3. Às cinco da tarde é oficialmente aberto o Simpósio Internacional de Guileje, com conta cerca de 6 dezenas de participantes estrangeiros... De Guileje a Iemberém levámos cerca de hora e meia, por estradas más que exigem boas máquinas e melhores condutores, como o nosso Antero, balanta, que a guerra civil de 1998 trouxe à AD (até então trabalhava como motorista numa ONG sueca, que se fartou dos guiné...). Iemberém foi, para mim, para todos nós, uma caixinha de surpresas, a começar pela luz eléctrica!.. Em Bissau não há luz, à noite, a não ser nos estabelecimentos e nas casas particulares que dispõem de gerador.... Quero destacar, antes de mais, a afabilidade e a hospitalidade da população local, que nos recebeu em festa. E depois tenho que falar, mais uma vez e antes que seja tarde, na eficácia e na eficiência da equipa de apoio logístico da AD - Acção para o Desenvolvimento que tomou conta de nós, que cuidou de nós. Eles merecem um destaque especial, nestas minhas notas de viagem à pátria de Cabral (1). Foram superiormente dirigidos pelo Domingos Fonseca, que jogava em casa, uma vez que é técnico do Programa Integrado de Cubucaré (PIC), de que é director o Abubacar Serra, ocupando-se preferencialmente das acções ambientais em Cantanhez, nos domínios de eco-turismo, formação de professores das EVA (Escolas de Verificação Ambiental), recolha de plantas medicinais e identificação de percursos naturais. Sob o olhar (discreto mas atento) do Tomané Camará e do Pepito, tudo funcionou às mil maravilhas. A tarefa não era fácil: no último dia, antes do nosso regresso a Bissau, o Domingos estava visivelmente cansado... Mais quinze dias, confidenciou-me ele, e baixava... à psiquiatria (que deve ser um supremo luxo na Guiné-Bissau!). Mulher de armas, incansável, deslocada do norte para o sul, eis a Domingas Badinca. Como outros quadros da AD, foi mobilizada para o apoio ao Simpósio, e nomeadamente para a visita dos participantes ao sul. Não sei se deixou em casa marido e filhos. Disponilidade a 100%. "Há mais de um mês que AD está toda, literalmente, envolvida na realização do Simpósio. Todos os demais projectos estão parados" - confidencia-me, baixinho, quase a medo, o Patrão (leia-se, o Pepito, que espantosamente irá ter sempre um low profile durante o decorrer do Simpósio, em Bissau, no Hotel Palace... É aqui, no campo, no interior, no Cantanhez, que ele se sente como peixe dentro de água... É aqui que a gente o apanha com um brilhozinho nos olhos)... Esteve sempre omnipresente, a Domingas, desde Guileje, onde foi servido o almoço para as largas dezenas de convidados da AD, participantes do Simpósio, nacionais e estrangeiros. Com uma camioneta, com a tralha, os talheres, as geladeiras, as bebidas sempre frescas, da cerveja portuguesa à coca-cola mundial, sem esquecer as bebidas artesanais, que fizeram sucesso noalmoço de Guileje, como o Pó de Pila...) Irei novamente encontrá-la nas sessões do Simpósio, no Hotel Palace. Sempre discreta, sempre omnipresente, sempre afável, sempre hospitaleira, sempre preocupada com o bem-estar dos outros, um traço comum à mulher africana. Na equipa da AD ela é responsável dos serviços administrativos e financeiros do programa de desenvolvimento da AD-Norte, zela pelo património, organiza os relatórios de despesas e entradas de fundos e assegura os contactos organizativos com as autoridades locais. Posso - e vou seguramente - cometer a injustiça de omitir nomes da comissão organizadora, de colaboradores da AD que trabalharam anonimamente, discretamente, nas tarefas de apoio à visita ao sul, sem esperar sequer o reconhecimento público ou particular dos hóspedes da AD e do Simpósio. Digo isso por que nem sequer conheci todos ou a maior parte deles. Mas deixem-me que mencione aqui o nome da Cadidjatu Candé, que chamou a si sobretudo as tarefas hoteleiras (vulgo, os comes e bebes). Com ela, e com a Domingas, ninguém passou sede ou fome, em Guileje, em Iemberém ou em Cananime... De qualquer modo, a Candé, pela sua beleza e simpatia, também era difícil não dar nas vistas... Amanhã, domingo, dia 2 de Março, está programado visitar um centro de saúde materno-infantil (ou maternidade ?), uma rádio comunitária e - imaginem - uma TV comunitária. Para quem vem de Bissau, Iemberém não é a porta do paraíso, mas representa uma luz ao fundo do túnel, é um marco de referência, é um farol de esperança... Aqui há gente feliz, sem lágrimas, e miúdos com ar saudável. E diferentes grupos étnico-linguísticos (balantas, fulas, nalús, tandas, sossos...) coexistindo pacificammente, integrados na mesma comunidade... Amanhã de manhã, até os macacos do Cantanhez nos vêm cumprimentar... De repente, olho e vejo Iemberém transformado num acampamento... Algum pessoal (nomeadamente, motoristas dos jipes e escolta policial da ministra...) vai ter que dormir em tendas... Só o pobre do Xico Allen teve que dormir no carro!... E aqui a solidariedade devia ter funcionado e não funcionou, por falha no processo de comunicação: na casa onde eu fiquei, havia três quartos, nove camas e uma casa de banho... Eu fiquei num quarto com o Nuno Rubim e o Pedro Lauret... (Claro, mulheres de um lado, homens do outro). Ao lado, havia uma entrada, espaçosa, com sofás... O Xico, que estava hospedado no Saltinho e veio à pendura, poderia lá ter dormido, connosco... Pobre Xico, jipe não é mesmo o melhor sítio para se dormir em África, queixava-se ele, na manhã seguinte... Escrevi no meu bloco: Oxalá Iemberém se multiplique, já não digo por mil, por dez, por cem, de norte a sul, e de leste a oeste, por toda a Guiné-Bissau. Noutra crónica explicitarei melhor as razões deste elogio... (Continua)

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 Notas de L.G.: 

 (1) Vd. postes de: 8 de Março de 2008 >Guiné 63/74 - P2618: Uma semana inolvidável na pátria de Cabral: 29/2 a 7/3/2008 (Luís Graça) (1): Regresso a Bissau, quatro décadas depois... 

 9 de Março de 2008> Guiné 63/74 - P2620: Uma semana inolvidável na pátria de Cabral: 29/2 a 7/3/2008 (Luís Graça) (2): O Hino de Gandembel, recriado pelos Furkuntunda ~

9 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2621: Uma semana inolvidável na pátria de Cabral: 29/2 a 7/3/2008 (Luís Graça) (3): Pequeno-almoço no Saltinho, a caminho do Cantanhez 

 11 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2625: Uma semana inolvidável na pátria de Cabral: 29/2 a 7/3/2008 (Luís Graça) (4): Na Ponte Balana, com Malan Biai, da RTP África 

 14 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2640: Uma semana inolvidável na pátria de Cabral: 29/2 a 7/3/2008 (Luís Graça) (5): Um momento de grande emoção em Gandembel 

 16 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2650: Uma semana involvidável na pátria de Cabral: 29/2 a 7/3/2008 (Luís Graça) (6): No coração do mítico corredor de Guiledje 

 17 de Março de 2008 > Guine 63/74 - P2655: Uma semana inolvidável na pátria de Cabral: 29/2 a 7/3/2008 (Luís Graça) (7): No corredor de Guiledje, com o Dauda Cassamá (I) 

 17 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2656: Uma semana inolvidável na pátria de Cabral: 29/2 a 7/3/2008 (Luís Graça) (8): No corredor de Guiledje, com Dauda Cassamá (II) 

 19 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2667: Uma semana memorável na pátria de Cabral (29/2 a 7/3/2008) (Luís Graça) (9): O grande ronco de Guiledje 23 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2673: Uma semana memorável na pátria de Cabral: 29/2 a 7/3/2008 (Luís Graça) (10): Guiledje: Homenagem ao Coronel Coutinho e Lima 

 (2) Vd. 7 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2332: O Hino da Guiné-Bissau: letra de Amílcar Cabral e música de Xiao He (Virgínio Briote)

(3) Por Cadique, na margem esquerda do Rio Cumbijã, passou e montou tenda a CCAÇ 4540 ("Somos um Caso Sério"), de 12 de Dezembro de 1972 a 17 de Agosto de 1973: vd. poste de 25 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1876: Restos de aquartelamentos (1): Cadique, na margem esquerda do Rio Cumbijã (CCAÇ 4540, 1972/73) (Pepito) 

 (4) Vd. poste de 8 de Janeiro de 2008 >Guiné 63/74 - P2421: Em busca de... (15): Pessoal da companhia madeirense que esteve em Jemberem (1973/74) (Luís Candeias, amigo do Arsénio Puim)

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