sábado, 15 de agosto de 2009

Guiné 63/74 - P4824: (Ex)citações (39): "Ainda estás pouco lixado, pá?"

1. Mensagem de J. Mexia Alves (*), ex-Alf Mil da CART 3492 (Xitole / Ponte dos Fulas), Pel Caç Nat 52 (Ponte Rio Udunduma, Mato Cão) e CCAÇ 15 (Mansoa), com data de 14 de Agosto de 2009:

Caros camarigos editores

Aqui vai um textozinho assim como que de Verão, que os meus camarigos farão o favor de julgar da pertinência de publicação.

Como sempre agradeço que me acusem a recepção do mesmo.

Um abraço camarigo do
Joaquim Mexia Alves


As práticas do tipo: “Ainda estás pouco lixado, pá”!

Algures aqui na Tabanca, li recentemente um texto que me fez lembrar uma prática em voga na Guiné e que eu sempre considerei um erro, mas que era infelizmente muito usada por vários comandantes.

Consistia essa dita prática, quase como se fosse uma NEP, em mandar o pessoal mais difícil, mais punido, mais insurrecto, para os sítios mais difíceis e complicados, os chamados buracos.

Assim, aqueles que esses comandantes não conseguiam ou não queriam disciplinar nas suas Companhias ou sedes de Batalhão, enviavam-nos para os que já sofriam as estopinhas em lugares isolados e degradados, como um castigo, que acabava muitas vezes por castigar os que já estavam castigados pelas condições em que viviam.

Isso aconteceu-me no Mato Cão uma ou duas vezes, por exemplo.

Ou seja, não chegava um gajo já estar nas piores condições, mas ainda se mandavam para lá os problemas difíceis de tratar, assim como se aqueles destacamentos ou quartéis fossem uma colónia penitenciária.

Lembro-me que assim que chegaram ao Mato Cão, tive com os insurrectos, uma conversa franca e objectiva, com umas ameaças a preceito, e acabei por não ter mais problemas.

Mas a verdade, quer queiramos quer não, é que o castigo que era dado a esse pessoal, acabava muitas vezes por se transformar em dores de cabeça para aqueles que já as tinham que chegassem.

E os senhores comandantes ficavam mais descansadinhos nos seus sítios, e os outros… que se lixassem!!!
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 5 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4781: Também quero homenagear os nossos picadores (J. Mexia Alves)

Vd. último poste da série de 11 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4813: (Ex)citações (38): Resposta a J. Mexia Alves (A.J. Pereira da Costa)

2 comentários:

Unknown disse...

Caro Mexia Alves
Quando cheguei a Tomar para formar o pelotão e fazer o IAO - coisa que nunca existiu - fui encontrar uns rapazes com vários problemas disciplinares. Entre eles sobressaía um que vinha directo do Forte de Elvas. Nunca soube porquê. Sobressaía sobre todos os outros rapazes, não só pelo seu tamanhão, mas pela imagem que queria impôr. Ao mesmo tempo que nao lhe davamos importância, aos poucos fomos-lhe dando tarefas. No Niassa, nas primeiras duas refeições, comeu a quintuplicar, no mínimo. Depois a viagem foi uma desgraça. Acompanhei-o de perto. Na Guiné, exigiu ser o meu guarda-costas. Bastava dar-lhe uma missão que ele cumpria e arrastava os outros com ele. Naquele tempo não havia rapazes maus. Apenas homens que nem sequer sabiam porque andavam neste mundo. Esse rapaz, o Narciso, um bruto de força, talvez com 1,90 m e 85 kg de peso, sem família, sem saber ler nem escrever, era um menino grande de 26 ou 27 anos, homem grande à nossa beira, com os nossos 23 e 24 anos.

MANUEL MAIA disse...

CARO MEXIA ALVES,

DE FACTO CASOS DESSE TIPO ACONTECIAM UMPOUCO POR TODOD O LADO.

RECORDO QUE EM PLENO CANTANHEZ,CAFAL/BALANTA,RECEBI( NA QUALIDADE DE COMANDANTE DE PELOTÃO INTERINO) UM SOLDADO AÇOREANO QUE VINHA "CUMPRIR" UM CASTIGO QUALQUER.
TINHA JÁ MAIS DE UMA COMISSÃO NO PELO E ERA UM DAQUELES CASOS PERDIDOS...

CHEGOU E LOGO ARRANJOU PROBLEMAS.
RECUSOU FAZER TURNO DE VIGIA.

ÉRAMOS TÃO POUCOS DEVIDO A RAZÕES DE VÁRIA ORDEM QUE EU ENTENDI DEVER FAZER COMO TODOS OS DEMAIS HOMENS DO GRUPO DUAS HORAS DE VIGIA À NOITE.
POIS O HOMEM INCLUÍDO POR MIM NA LISTA DISSE-ME QUE NÃO FARIA O SERVIÇO,AO QUE CONTRAPUZ DIZENDO: -SE FAÇO,VOCÊ TERÁ TAMBÉM DE FAZER!
-O MEU FURRIEL SE QUIZER ESTAR AS SUAS DUAS HORAS ESTEJA,EU É QUE NÃO AS FAREI.
ACABEI POR FAZER QUATRO.
DIAS DEPOIS CHEGOU O RESTO DA COMPANHIA CONTEI O SUCEDIDO AO SARGENTO QUE INFORMOU ESTAR A RAZÃO DO SEU LADO.
ELE NÃO COMPLETARA 24 OU 48 HORAS(NÃO SEI JÁ) NO AQUARTELAMENTO,PELO QUE NÃO PODERIA ENTRAR DE SERVIÇO.

DEVO DIZER QUE TIVE UMA CALMA EXTAORDINÁRIA PARA ME SEGURAR,NÃO POR MEDO FÍSICO DO DITO SOLDADO(NÃO TINHA "CARA PARA LEVAR UM ESTALO,COMO SOE DIZER-SE"...)MAS PORQUE ELE ERA JÁ UM CASO PERDIDO NAQUELA GUERRA...

LEVARA-ME AO DESESPERO AO AFRONTAR-ME DAQUELA FORMA.
A MIM QUE NUNCA TRATARA NINGUÉM POR TU,A MIM QUE SEMPRE SOUBERA GRANJEAR AMIZADES NO SEIO DO MEU GRUPO DE COMBATE.
MAS A GUERRA TAMBÉM FOI FEITA DE PEQUENOS NADAS COMO ESTE.