domingo, 9 de agosto de 2009

Guiné 63/74 - P4803: Histórias do Jero (José Eduardo Oliveira) (7): O “Caldas” da CCAÇ 675, Binta - 1964/66


1. O nosso Camarada José Eduardo Reis de Oliveira (JERO), foi Fur Mil da CCAÇ 675 (Binta, 1964/65), enviou-nos a sua 7ª estória, que faz parte do seu livro "Golpes de Mao's - Memórias de Guerra", gesto que muito agradecemos, com data de 06 de Agosto de 2009, a que deu o seguinte título:

O “Caldas”

O “Guimarães” levava a bazuca e eu ajudava-o a levar as granadas.


Quando saímos da bolanha para entrar na mata mudámos para o “quadrado”.

Sabíamos que “os gajos” estavam perto. Já tínhamos ouvido vozes...

Ouvi uma rajada e pareceu que o capim à minha frente era “cortado”...

Senti que tinha “levado”... O tiroteio era agora por todo o lado.

Deixei cair a arma... O braço direito não tinha força...

Aguentei-me de pé mas sabia que... ”me tinha calhado”... Não sentia dores mas estava “estonteado”...

O cabo enfermeiro – o "Rato" – ajudou-me a sentar.

Os tiros eram agora só dos nossos... Alguma malta estava à minha volta e lembra-me do nosso Alferes Tavares se chegar ao pé de mim com “cara de caso”.

Mostraram-me a minha arma. A rajada tinha acertado no carregador – 4 tiros –. E havia mais uma marca de bala entre a mola do gatinho e o cano. Quantas levei? Não sei!

Disseram-me que já tinham chamado o helicóptero. Consegui levantar-me e amparado pelo enfermeiro, e com a malta a animar-me, andámos mais um bocado para sair da mata. Onde tinha sido ferido o helicóptero não podia aterrar.

Lá chegamos ao sítio que “devia ser” e... encostei-me para... esperar sentado.

Lembro-me que foram duas horas compridas. Ou... se calhar... quase umas três.

Finalmente lá chegou o helicóptero.

Lembro-me do meu Alferes... ter a lágrima ao canto do olho.

«Olha o nosso Alferes! Isto não é nada. Só acontece a quem cá anda!».

Julgo que chegámos ao Hospital de Bissau por volta das 3 da tarde. Nessa altura já estava cheio de dores. O garrote que levava no braço doía-me “como caraças”!

As caras dos médicos que me viram fizeram-me algum “cagaço”.Ia ser operado logo a seguir. Depois... não sei quanto tempo depois... acordei amarrado a uma cama do Hospital.

Lembro-me de ter os pés amarrados e... o braço ferido estar todo “entrapado”. Só me apetecia dar pontapés... E doía-me. Muito...

Tive 3 dias a leite. Que fome eu passei!

O Joaquim Lopes Henriques, que nasceu nas Caldas da Rainha em 16 de Abril de 1942 e trabalhava na cerâmica até ir para o serviço militar, falou desta fase “complicada” da sua
vida sem dramatizar. Tinha acontecido e... ”prontos”.


Comoveu-se e ficou momentaneamente sem fala quando... se lembrou da visita que o condutor, o Padre Eterno, lhe fez ao Hospital de Bissau.

«Devo-lhe muitos favores! Levou-me uma ventoinha (fazia um calor do caraças no Hospital). Depois... ”à sorrelfa” foi lá fora buscar uma lata de atum e um pão. Nunca nada... me soube tão bem! Que gajo porreiro. Devo-lhe muitos favores!».

Depois... estive uns vinte dias no Hospital. Nessa fase fui só operado uma vez. Aproximava-se o Natal e soube que ia ser evacuado para «casa». Sei que cheguei a Lisboa de avião em 17 de Dezembro de 1965. Fui para o “Anexo” da Rua de Artilharia Um e... deixaram-se ir passar o Natal às Caldas da Rainha, com a obrigação de fazer o “penso” na Enfermaria do R.I. 5. O que fiz.

Depois... regressei a Lisboa e... foram mais 2 anos... de"boa vida"!

Dois anos e... sete operações. Sete!

Tive um ferro no braço.

Depois... chegaram a tirar um bocado de osso da perna para me pôr no braço. Não correu bem. Ficou uma” papeleta” no Hospital Principal e no “Anexo” tive uma semana sem me fazerem o penso(!?). Doía-me mas... tenho a mania de não me queixar!

Foi o Sargento Zé, do Anexo, que me safou. Voltei “de urgência” ao Hospital da Estrela e... mais uma operação.

Nestes “entretantos” com quem é que me havia? Com a minha namorada – a Maria da Conceição –!

Já namorávamos há 4 anos e... com muito tempo livre... engravidei-a! Casámos em 14 de Maio de 1966.

Uns meses depois fui chamado a uma “Junta” de 7 médicos que me disseram: Já foste submetido a 7 operações. Podemos tentar fazer mais alguma coisa, mas... as diferenças para melhor podem não ser muitas...

Não quero mais operações. Já chega.

Foi-me atribuída uma incapacidade de 46% e fiquei com uma “pensão” da Associação dos Deficientes das Forças Armadas. Regressei às Caldas da Rainha e voltei a trabalhar na cerâmica, na SECLA. Tinha limitações mas foram uns gajos porreiros para mim. Também “ajudou” o meu irmão ser encarregado da Fábrica!

Nessa “fase do campeonato” (já com um filho e “teso que nem um carapau”...) valeu-me a Cruz Vermelha Portuguesa que me ajudou a pagar a renda da casa durante 6 meses!

A vida estabilizou e passados alguns anos resolvi ir com o meu irmão para Angola para montarmos uma pequena fábrica de cerâmica. Por acaso... escolhemos bem a altura. Chegámos a Luanda em 18 de Abril de 1974. Uma semana depois dava-se a”Revolução” e... regressámos às Caldas em Dezembro de 1975!

Mais uma vez tesos!

Mais uma mudança na vida. Empreguei-me na “Molde”. Trabalhei até 2003. Agora estou reformado.Com filhos e netos.

Habituei-me ao meu braço da Guiné!

Tenho, apesar de tudo, boas recordações da “guerra”. E a “675” é a minha segunda família. Está claro que todos os anos vou aos “convívios”.

Nos intervalos... tenho tempo e uma “horta” para onde vou sempre que posso. Agriculto alguma coisa e aparecem sempre uns amigos para um petisco!

Mas como aquela “sandes” de atum que o Padre Eterno me deu em Bissau é que nunca mais como!

Um abraço,
JERO
Fur Mil da CCAÇ 675

Fotos: José Eduardo Oliveira (2009). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:

Vd. último poste da série em:

4 de Agosto de 2009 >
Guiné 63/74 - P4792: Histórias do Jero (José Eduardo Oliveira) (6): O “Rato” da CCAÇ 675, Binta - 1964/66

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