sábado, 17 de abril de 2010

Guiné 63/74 - P6172: Da Suécia com saudade (24): Histórias desconhecidas do 25 de Abril: Quando Marcelo Caetano quis armar a GNR com as G3 de Beirolas

1. Texto do José Belo, com data de 13 do corrente:


Assunto: Histórias desconhecidas do 25 de Abril




Caro camarada e Amigo:

Volto a incomodar, para te chamar a atenção do que acabo de publicar na TABLAP [, Tabanca da Lapónia,]  quanto à tentativa desesperada de Marcelo Caetano de armar a GNR de G-3, a curtas semanas de Abril.

Não sei se interessa ao blogue, mas é sem dúvida uma das pequenas/grandes histórias, sempre por muitos desconhecidas, que (e quem sabe hoje?) poderá ter tido alguma influência no decorrer daquele histórico dia!

Meia-dúzia de humildes empregados civis de armazém de material de guerra, um Ten Cor para todos desconhecido e alguns jovens oficiais menos convenientes podem, nas suas obscuridades, terem evitado banhos de sangue, naquela FESTA que foi ABRIL!

Valerá a pena ser mais divulgada que...SÓ...na Lapónia?!


Um grande abraco do José Belo.




Lisboa > Quartel do Carmo > Sede da Guarda Nacional Republicana (GNR). 2007.
Foto de JSobral. Copyleft. Cortesia de Wikipédia.

2. Histórias desconhecidas do 25 de Abril: Quando Marcelo Caetano quis armar a GNR com as G3 de Beirolas (*)

por José Belo

O Regime já podre de Caetano é sacudido pela revolta militar das Caldas da Rainha. As greves, a agitação e e os confrontos com as forças policiais, tanto por parte de milhares de operários nas zonas industriais como também de jovens estudantes criavam nos círculos governamentais uma crescente preocupação com o 1 de Maio que se aproximava.

Tudo levava a presumir que a data seria uma verdadeira apoteose de agitação e as numerosas inscrições, um pouco por toda a parte, referindo um 1 de Maio "vermelho", não contribuíam para acalmar os responsáveis pela "seguranca".

Surge então, por parte do Governo, a ideia de armar a GNR com espingardas-metralhadoras G-3. O Depósito Geral de Material de Guerra em Beirolas é superiormente encarregado de fornecer alguns milhares dessas armas. O Oficial que na altura Comandava o Depósito prestara, anteriormente, serviço, durante longos anos, na GNR, tendo um conhecimento mais do que abalizado da organização e funcionamento da mesma.

A  organização do MFA dentro de Servico de Material, conhecendo-o, assim como o seu irmão, oficial de Cavalaria, como elementos democratas, já o tinham contactado, insinuando aproximar-se para breve "algo". Entretento, e invocando a sua experiência de anos de serviço na GNR, comentava o Comandante do Depósito em roda de amigos Oficiais:
- A GNR tem mantido a ordem,e de que maneira, nas últimas dezenas de anos, utilizando as espadas de Cavalaria para umas "chanfalhadas" oportunas, e a espingarda Mauser que lhes está distribuída. A coronha da espingarda Mauser presta-se às mil maravilhas para dar umas boas cacetadas, e a cadência de tiro é mais que suficiente para acções de ordem pública!... Agora a G-3?!...Uma metralhadora de guerra?.........SÓ SERVE PARA MATAR!... E reparem que, com a sua pequena coronha de plástico, nem serve para dar as tais cacetadas! E as quantidades requisitadas que significado têm? Para fazer frente a operários armados com pedras e a estudantes com livros? Não será antes para outros voos?

Mas as pressões faziam-se sentir sobre Beirolas. Apoiado por elementos do MFA, foi conseguindo protelar os fornecimentos, invocando mil e uma razões burocráticas. Mas as pressões aumentavam, por parte de quem não estava habituado a não ser rapidamente...obedecido. Tornou-se necessário utilizar o bluff para ganhar mais algum tempo precioso...

Algumas centenas de mecanismos de disparar das G-3 foram desmontados (Nota: não me refiro a culatras, mas sim à totalidade dos mecanismos de disparar), em todos os seus diminutos componentes, e espectacularmente colocados sob panos de tenda ocupando chão de enorme armazém. Quando os Oficiais da GNR, responsáveis pelo levantamento das armas, se deslocaram a Beirolas, foi-lhes mostrado todo este "espectáculo", seguido do comentário do Comandante:
- Como podem verificar, a montagem de todos estes mecanismos de disparar é trabalho demorado, e infelizmente o DGMG não dispoe de pessoal qualificado em quantidade suficiente para acelerar o mesmo como seria desejável!...

E continuou:
- Têm duas hipóteses: Ou aguardam que nós terminemos a montagem, o que será demorado, ou assinam documento responsabilizando-se pelo levantamento de todas estas pequenas peças e componentes, podendo montá-las depois vocês próprios na GNR... No entanto,e falo-lhes com experiência, não vos aconselho a segunda hipótese, pois como vêem são milhares de pequenas peças que facilmente se podem extraviar com o transporte e armazenamento, e depois sao só mais problemas e problemas.

O ar paternalista do Comandante, aliado por certo ao facto de terem que "assinar papel", levou-os a partir mais uma vez sem o armamento, perante crescente dificuldade de alguns presentes, "dentro do assunto", em conterem o sorriso irónico.

Abril aconteceu! O Largo do Carmo foi o símbolo da resistência de um Regime que caiu de podre. A GNR, honra lhe seja feita,serviu esse regime com lealdade, até ao último minuto. Foram dos poucos que, com armas na mão, demoraram a capitular. No entanto, como profissionais, sabiam e sentiam o "peso" da inferioridade do armamento individual de que dispunham frente ás forças militares que os cercavam. Teriam sido mais "arrogantes" se dispusessem das centenas de milhares de espingardas metralhadoras que nessa altura deveriam já estar-lhes distribuídas?

BEIROLAS CUMPRIU... ANTES DE ABRIL...EM HUMILDE SILÊNCIO... na pessoa de um Ten Cor desconhecido, de uma meia-dúzia de humildes trabalhadores civis de armazém, e de alguns jovens Oficiais... menos convenientes.

 José Belo

_____________

Nota de L.G.:

(*) Vd. último poste da série > 23 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P6038: Da Suécia com saudade (21): A Tabanca da Lapónia em mudanças para a... Flórida! (José Belo)

7 comentários:

Anónimo disse...

Caro José Belo,
Obrigado por este texto. Estas "pequenas" histórias fizeram também Abril. Só fico com pena de não ficarmos a conhecer o nome do TenCor. Foi preciso ter muita categoria para levar a bom termo aquela importantíssima "antimissão".
Imagino depois o gozo que aquilo deu entre os outros oficiais.
Um abraço,
Carlos Cordeiro

Ralf Wokan disse...

na próxima revolta em Portugal vamos conhecer o Eurogendfor
http://www.eurogendfor.eu/
e depois boa noite!
Ralf

Anónimo disse...

Pois...Pois...e assim ficaram as G3 a serem montadas (cuidado com a língua, montadas de voltarem a ficar funcionais - nada de cavalarias ou outra montaria...) e esperaram coitadas. Penso que foi bom para os militares a quem seriam entregues.
Daí, para todos certamente.
Teriam enferrujado ou foram entregues em boas mãos?
Há tempo senti saudades da minha G3; coisas de velho...vi soldados de hoje com as ditas...ainda???
Em vez de G3 podiam ter enviado,aos tais militares, uns machados Fulas...eram bons, os tais militares a dar cacetada e os alentejanos e não só que o digam... -ver Tab. Lap II a visita do general e sua viagem em jeep...sobre machados Fulas e não sobre cacetada! Abraços do TM

Anónimo disse...

Pois...Pois...e assim ficaram as G3 a serem montadas (cuidado com a língua, montadas de voltarem a ficar funcionais - nada de cavalarias ou outra montaria...) e esperaram coitadas. Penso que foi bom para os militares a quem seriam entregues.
Daí, para todos certamente.
Teriam enferrujado ou foram entregues em boas mãos?
Há tempo senti saudades da minha G3; coisas de velho...vi soldados de hoje com as ditas...ainda???
Em vez de G3 podiam ter enviado,aos tais militares, uns machados Fulas...eram bons, os tais militares a dar cacetada e os alentejanos e não só que o digam... -ver Tab. Lap II a visita do general e sua viagem em jeep...sobre machados Fulas e não sobre cacetada! Abraços do TM

Zé da Silva disse...

Tiveram pejo em entrega-las à guarda mas não se envergonharam de as por "em boas mãos" (civis). De qualquer forma e para que conste a guarda já possuía algumas armas G-3 bem como outro armamento pesado. Só não utilizou por que foi entendido não ser conveniente e se sentir que não valia a pena. O tal TCor bem como o irmão vieram depois servir na guarda. Haveria alguma conveniência?Zé da Silva

Anónimo disse...

Caro Sr.José da Silva. Gostaria de esclarecer 3 pontos,quanto a mim importantes. O Sr.Ten.Cor.Comandante do DGMG serviu na GNR no tempo do Governo do Dr.salazar.O seu irmao oficial da Arma de Cavalaria creio nao ter servido na GNR. As armas que foram roubadas ao Exército,as tais "em boas maos",desapareceram de um anexo ao Regimento da Polícia Militar junto a Belem,e nao de Beirolas,no extremo oposto de Lisboa. Sempre ao Seu dispor.

Zé da Silva disse...

Sr Cap José Belo
Julgo que falamos das mesmas pessoas. São dois irmãos um do SM ex-mil tb cav(?),condecorado da Índia e nessa qualidade teria estado(?) na guarda o outro of cav. Não me recordo se foram contemporâneos nas guarda mas conheci-os nessa qualidade.
o resto são histórias e comportamentos nem sempre muito correctos entre militares. Pessoalmente e passado o fervor revolucionário tive boas relações com o DGMG . Cumprimentos José da Silva (Zé Silva)