terça-feira, 15 de junho de 2010

Guiné 63/74 - P6598: Controvérsias (86): A violência inusitada e gratuita do PAIGC no caso dos Três Majores e do Fur Mil Costa, da CART 3567, morto à punhalada (António Costa)

 1. Mensagem, datada de 7 de junho de 2010, enviada pelo  António José Pereira da Costa:

Camarada
A propósito da polémica levantada pelo Poste P6538 e das respostas do Ansaly e do Pepito,  gostava de fazer algumas considerações. (*)

Como sabes,  os povos têm reacções estranhas, como sejam o apoio maciço aos ditadores (Salazar) e seus delegados (como é o caso) e às vezes nem se compreende bem porque o fizeram, se depois os amaldiçoam. (Hitler, Mussolini, para não dizer outros).

No caso vertente, como noutros, (por exemplo  nas cerimónias fúnebres do Salazar),  o povo parece ter sido acometido de uma hilaridade que não se compreende. Ou compreende? Sabemos bem como se organizavam "as espontâneas": com a força pública e não apenas o público "à força", mas também seduzido em jeito, e apenas os (poucos?) simpatizantes.

Além disso, como vemos pela decoração, quem detém o Poder até pode organizar melhor manifes com todo o rigor e exactidão.

O que é um facto é que eles lá estavam. Hoje se fores perguntar não encontras um que lá tenha estado.
Enfim coisas estranhas e não apenas malhas que o Império tece...

Sobre a "Morte dos Majores" deixo a minha visão.

Tratou-se de uma operação psicológica que falhou porque o inimigo a detectou e entrou no Jogo da Espionagem. Em todas as guerras há operações deste tipo - e muito mais na guerra subversiva - em que se pretende desequilibrar uma unidade inimiga (maior ou menor) com ou sem população anexa.

O passo seguinte é a exibição do resultado e, se possível, virar os combatentes seduzidos a combater contra os seus ex-camaradas. No final da guerra ajustam-se as contas e "aí dos vencidos!"

Creio que, pelo nosso lado, os envolvidos estariam convencidos(?) de que estavam a fazer a Paz, pelo menos num sector, o que não seria nada mau numa guerra sem fim à vista...

Pelo lado do IN a operação pode ter sido detectada (cedo ou mais tarde) e levada até onde se quis. Depois foi uma explosão de barbárie que nada justifica, nem mesmo a táctica ou a estratégia. Imagina o que seria termos de negociar o resgate de 4 oficiais (3 superiores e homens de mão do Com-Chefe) e três civis...
O governo do tempo não podia calar-se como fizera com o Lobato, piloto, no início da guerra. E se o fizesse quais seriam as consequências? Estou certo de que haveria consequências. Quais? Não sei. 

O PAIGC andou mal nos dois planos (humano e bélico) e hoje pretende passar a imagem de que os seus guerrilheiros eram integérrimos, seguríssimos dos seus ideais e agiram assim sobre os "criminosos colonialistas tugas" porque se sentiram ofendidos e ridicularizados.

E eu,  com esta idade e a saber o que sei, a acreditar... (Olha para a minha cara de crédulo!).

Também não colhe a desculpa de que era necessário abandonar o local e os prisioneiros "pesavam muito" e retardavam o movimento. Sabemos que até podiam ter usado as nossas viaturas, pelo menos em parte do movimento, e que a unidade que recolheu os corpos só chegou ao local quase dez horas depois dos assassínios.

Enfim,  selvajaria como há em todas as guerras.  Relembro entre outros o caso do Furriel Mil Costa,  da CArt 3567 [,  Mansabá, 1972/ 74], morto à punhalada...

Acho que estamos perante mais um caso de falta de modéstia de quem ganhou a guerra. Relembro o programa do Joaquim Furtado sobre o raide a Conacri em que se discutia se as lanchas da Guiné tinham sido ou não neutralizadas no porto. Luis Cabral diz que não,  por não terem sido destruídas,  o que dá a ideia da sua falta de modéstia. A neutralização impede o uso de um meio bélico durante um período mais ou menos longo. Até com um simples martelo se podiam neutralizar as lanchas (partindo o sonar e radar) mas por pouco tempo. Aliás,  se elas permitiram a saída dos barcos portugueses do porto,  é porque estavam "neutralizadas".

Enfim, começo a não ter paciência para operações psicológicas e muito menos destas, demasiado infantis.

Farás com este mail o que quiseres pois não quero atirar achas para a fogueira...
Podes mantê-lo em banco de dados e jogá-lo no momento oportuno...

Um Ab. do
António Costa

PS: Viste o programa do Joaquim Furtado sobre os GE e GEP de Moçambique? Tens contacto com ele? Parece-me que 84 Gr de GE e GEP num total de cerca de 5000 homens é muito grupo e homens a mais...
Parece-me que há um uso abusivo das estatísticas como no caso da Guiné onde 20% eram militares do recrutamento local... Vamos fazer as contas.


2. Resposta do Carlos Vinhal, com data de 8 do corrente:


Caro Pereira da Costa

Obrigado pela tua opinião baseada em conhecimentos que terás mais abalizados, mercê da tua formação profissional. Vou endereçá-la ao Luís para ele dizer se a vamos publicar.

Nunca compreendi porque teve aquele caso um fim tão trágico. Saberiam os nossos camaradas Majores o perigo que corriam? Fariam aquilo a contragosto ou por dever de ofício? Ou por temerem o Spínola? Ou por ingenuidade?

Do outro lado é ainda mais complicado especular. Dependia de até que nível ia o conhecimentos das conversações, quem manobrava quem e por que é que de repente (?) mudaram de ideias. Que aconteceu aos mediadores e a quem tinha conhecimento do que se passava, no lado do PAIGC? Porque vieram a abater o Amílcar?

Quanto aos relatórios das operações, descrição de objectivos, aprendizagens, mortos, feridos, material gasto ou danificado, etc, sabe-se que era tudo feito conforme o fim em vista. Impressionar o IN, enganar os superiores hierárquicos, justificar material desaparecido, promover amigos, etc, etc. Falo por experiência própria porque trabalhei na Secretaria da minha Companhia praticamente toda a comissão. Fui escrivão de montes de autos de, e para tudo e mais alguma coisa.

Diga-se que como funcionário público vivi experiências similares, porque estive num gabinete de estudos como preparador de trabalhos, mais tarde como chefe de secção, cerca de 33 anos, fiz parte em comissões de recepção de todo o tipo de equipamentos, fiscalização de obras, etc, etc.

Tentaram subornar-me, chamaram-me nomes bons e maus. O que possas imaginar.

Mas quando se fala de manobrar massas por parte dos políticos, aí a coisa é mais complicada. Estes tipos têm formação específica para aprenderem  como isso se faz e quando não querem sujar muito as mãos não falta quem faça isso por eles.

Julgo que já no tempo do Marcelo (ou ainda Salazar?) houve aquela enorme manifestação de apoio ao regime aí em Lisboa, e era ver carregar funcionários públicos de todo o país a caminho do Terreiro do Paço. Mas atenção, porque agora faz-se o mesmo, ou parecido, seja o Governo, ou alguém por ele mandatado, os partidos, os sindicatos e até os clubes de futebol. Ofereça-se um passeio à borla e almoço bem regado com tintol e aí aparecem os espontâneos.

Um abraço, companheiro.
Carlos

[Revisão / fixação de texto / título: L.G.]
________________

Nota de L.G.:



5 comentários:

manuelmaia disse...

CARO ANTÓNIO COSTA,

RELATIVAMENTE AOS CASOS QUE REPORTAS SOBRE OS ASSASSÍNIOS ABJECTOS,PENSO QUE JÁ SE DISSE TUDO.
GOSTEI PARTICULARMENTE DA OBSERVAÇÃO DO CARLOS VINHAL QUANDO REFERIU À "ESPONTANEIDADE" DAS MANIFESTAÇÕES QUE AGORA SE FAZEM...
AFINAL,O NOVO REGIME USA AS MESMÍSSIMAS ARMAS DE SALAZAR:
A POLÍTICA DOS TRÊS EFES ESTÁ AÍ PARA DAR E VENDER,E COM MUITO MAIS PUJANÇA...
FOI HÁ DIAS O F DE FÁTIMA COM A PRESENÇA DO PAPA NAS DUAS MAIORES CIDADES DO PAÍS,(PARA ALÉM DE FÁTIMA...)FOI O FESTIVAL DA CANÇÃO( QUE CONTINUA COM OS PROGRAMAS SIMILARES SOBRE MÚSICA NA CAPTAÇÃO DE "TALENTOS"), TIVEMOS O CAMPEONATO DE FUTEBOL COM OS NOTCIÁRIOS TELEVISIVOS A ABRIREM COM NOTÍCIAS SOBRE A BORRACHINHA,E AGORA O CAMINHAR COLECTIVO PARA A IMBECILIDADE ATRAVÉS DAS IMAGENS DOS SELECCIONADOS NA ÁFRICA DO SUL,ONDE AS TELEVISÕES DISSECAM A VIDA DOS DITOS E NOS INFORMAM SOBRE A MARCA DA SUA ROUPA INTERIOR, BEM COMO DA IMPORTÂNCIA VITAL PARA O PAÍS QUE É PASSAR A CONHECER, EM DIRECTO, O PEQUENO ALMOÇO DOS DEUSES,DOS HERÓIS LUSITANOS...
QUANTO A SALAZAR,SEM TER NENHUMA PROCURAÇÃO PARA O DEFENDER,NEM SEQUER SER SEU ADEPTO INCONDICIONAL,DEVO RECONHECER,E PENSO QUE QUALQUER PESSOA DE BEM O FARÁ,QUE ERA UM HOMEM HONESTO( COISA MUITO DIFICIL,SENÃO MESMO IMPOSSÍVEL DE ENCONTRAR NOS POLÍTICOS DESTE NOVO REGIME...) E FUNDAMENTALMENTE INTELIGENTE,EM CONTRAPONTO COM A CHICO ESPERTICE DAQUELES COM QUE SOMOS CONFRONTADOS DIÁRIAMENTE NOS TEMPOS ACTUAIS...

ABRAÇO
MANUELMAIA

Anónimo disse...

O título tem que se lhe diga: «A violência inusitada e gratuita [...]».
Agora, já não há "turras". Há, "fulanos que usavam 'violência inusitada e gratuita' ".
Por quê, e para quê, tanto eufemismo, sendo certo que "o PAIGC" usou e abusou, também nas suas próprias fileiras, de idênticos, digamos, métodos...?!
Cpts,
João dos Santos

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Camarada (presumo) João dos Santos:

Violência
s. f.
1. Estado daquilo que é violento.
2. Acto violento.
3. Acto de violentar.
4. Veemência.
5. Irascibilidade.
6. Abuso da força.
7. Tirania; opressão.
8. Jur. Constrangimento exercido sobre alguma pessoa para obrigá-la a fazer um acto qualquer; coacção.


Inusitado
(do latim inusitatus, -a, um)
adj.

1. Que quase não se usa. = desusado, raro ≠ corriqueiro, usual
2. Que causa estranheza por ser fora do comum. = estranho, esquisito, insólito

Gratuito
(latim gratuitus, -a, -um, dado ou recebido de graça)
adj.
1. Feito, dado de graça.
2. Desinteressado.
3. Espontâneo.
4. Que não tem fundamento.


Como já dizia o general prussiano Clausewitz, "a guerra não é mais do que a continuação da negociação por outros meios"... Esta genial definição aplica-se à "guerra de guerrilha", à "guerra subversiva", à "luta de libertação", à "guerra colonial" ou à "guerra do ultramar", como se queira chamar ao conflito armado que, no caso concreto da Guiné, nos opôs ao PAIGC...

A guerra na Guiné terá sido mais violenta do que noutros TO (uma tese a desenvolver e a demonstrar), mas pelo menos no meu tempo (1969/71) essa violência, de parte a parte, parecia obedecer a certas regras, que são próprias dos militares (mesmo que os guerrilheiros não o fossem, obedeciam às orientações dos comissários políticos)...

Nós, pelo nosso lado, sabíamos que não era pela força, "pura e dura", que íamos conquistar as almas, depois de destruirmos os corpos... Sabíamos, por outro lado (bastava ouvir a "Maria Turra", na Rádio Libertação em Conacri), que o PAIGC fazia questão de dizer e reafirmar que não lutava contra o povo português mas contra um regime político e um sistema económico, baseado na opressão e na exploração dos povos africanos... Amílcar Cabral esteve (mais do que uma vez...) aberto ao diálogo, às conversações de paz, à negociação política... Esse, sim, foi vítima de "violência inusitada e gratuita"... Tal como os nossos camaradas, no caso conhecido tristemente como o dos "Três Majores"...

E a verdade é que ainda hoje ninguém, dentro do PAIGC, veio para a praça pública a reivindicar, com sentido de orgulho, honra e glória, a morte "inusitada e gratuita" dos tugas, no chão manjaco... Matar homens desarmados, mesmo no "calor da batalha", nunca honrou ninguém, em nenhum teatro de guerra, clássica, convencional ou revolucionária... É um acto miserável, cobarde, sem grandeza nem risco...

Era isto que o Cor António J. Pereira Costa disse, ou quis dizer, por outras palavras... O título é do editor, e de facto "tem que se lhe diga"...Não me parece que atraiçoe o espírito e a letra da intervenção do nosso camarada António Costa... nem sequer é um eufemismo: não "branqueamos a violência revolucionária", como não "escamoteamos a nossa própria violência", também ela inusitada e gratuita, em certas alturas e contextos...

Em suma, julgo que o João não nos lê com regularidade ou então ainda entendeu o espírito que preside a este blogue... Por exemplo, não usamos (a não ser em certos contextos) termos como "turra" e "tuga"...

Por outro lado, interessa-nos muito mais "compreender" do que "acusar", "julgar", "incriminar"...

Claro que o João está no seu direito de não concordar com o que aqui se escreve e edita... Mas ser-nos-ia mais útil um comentário com princípio, meio e fim... embora eu pessoalmente um bom, texto, "claro, conciso e preciso"...

Saudações bloguísticas

Luís Graça

Antº Rosinha disse...

O caso do massacre dos Majores portugueses, bem como o assassinato de Amilcar Cabral, e atá as mortes recentes dentro dos dirigentes do PAIGC, só podem ser analizadas por guineenses.

Mesmo por caboverdeanos nunca é a mesma análise.

A Guiné nunca funciona apenas dentro daquelas fronteiras geográficas.

Embora a guerra do Ultramar, que é aquela até onde nós e os africanos que nos acompanharam, já quase não há segredos nem mistérios, o mesmo não acontece com a guerra de libertação dos diversos paises.

Embora as armas e a guerra fosse encaminhada por Moscovo, Cuba e Conakry, ainda havia (há), toda a intromissão familiar das populações dos paises vizinhos, que continua a influenciar o comportamento dos guineenses.

E isso, é mais dificil para a nossa compreenssão de certos casos.

Antº Rosinha

manuel quelhas disse...

Meu caro Coronel António Costa,
O Furriel Costa da 3567,a quem se refere, era do meu pelotão ( 2º), junto dele estava também o 1º cabo António Gonçalves do Amaral, igualmente do meu pelotão, morreu em circunstâncias semelhantes, se não mesmo iguais.
Paz à sua Alma.
Ex 1º cabo
Manuel Quelhas