quinta-feira, 17 de junho de 2010

Guiné 63/74 - P6608: Notas de leitura (124): A Guerra de África, 1961-1974, Volume II, por José Freire Antunes (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso Camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil At Inf, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 11 de Junho de 2010:

Queridos amigos,
Parto para férias, estarei no posto de trabalho no dia 28.
Continuo confiante que ainda há almas generosas dispostas a vasculhar nas estantes o que sobre a literatura da guerra da Guiné ainda não está inventariado no blogue.

Um abraço do
Mário



A Guerra de África, 1961 – 1974, Volume II (conclusão),

Por José Freire Antunes


Beja Santos

Conclui-se hoje a síntese dos depoimentos de determinados protagonistas que podem ajudar a esclarecer a problemática da guerra da Guiné, entre 1963 e 1974.

Não foi levianamente que aqui incluímos Dias Rosas, Ministro das Finanças de Marcelo Caetano. As despesas de guerra foram aumentando progressivamente e chegaram a atingir 40% do Orçamento Geral do Estado. Numa conferência proferida no Instituto de Altos Estudos Militares o ministro fez saber que pelo ritmo que as despesas levavam a situação iria decompor-se em poucos anos. Ele confessa que pediu demissão exactamente por causa de Cahora Bassa e as despesas militares. Diz que foi uma das poucas vozes em Conselho de Ministros favoráveis à negociação com os movimentos de libertação e também contra o esquema de financiamento de Cahora Bassa. Não há infelizmente estudos fidedignos sobre a evolução das despesas militares e muito menos à luz dos acontecimentos gravosos de 1973. A inflação disparou astronomicamente e chegámos a Março de 1974 com dois dígitos gordos. Quem fala em sustentabilidade das despesas militares ilude a argumentação utilizada por Dias Rosas e os factos da crise petrolífera de 1973, desencadeada após a guerra dos 6 dias.

O depoimento de Alípio Tomé Pinto, general do Exército e que foi capitão na Guiné, de 1964 a 1966, é de grande interesse. É um relato de densidade psicológica, fala de adaptação, da construção de aquartelamentos e das razões porque passou a ser conhecido pelo “capitão do quadrado”. É uma história rica de ensinamentos na aprendizagem do relacionamento com as populações da região de Farim.

Hélio Felgas fez duas comissões na Guiné (1963/1965 e 1968/1969). Na primeira comissão o seu sector estendia-se do Atlântico a Farim e Mansoa, num total de 13 mil quilómetros quadrados. Considera que andou a apagar fogos como os bombeiros, diz ele numa carta a Marcelo Caetano. Na segunda comissão, e de novo dirigindo-se a Marcelo Caetano, diz que a situação se tinha vindo a agravar tanto entre Piche e Nova Lamego como na região Xime – Bambadinca. Falando de Bambadinca diz que a região é o cordão umbilical de todo o Leste: “É só pelo rio Geba que se faz todo o reabastecimento do Leste e se processam todas as evacuações, se eles afundam um barco entre Xime e Bambadinca e conseguem cortar a estrada Xime – Bambadinca, colocam-nos numa situação desesperada. Nesta região de Bambadinca o inimigo tem mais de 500 combatentes (e nós cerca de 300)... As populações fulas começam a fugir no Leste e apresar de todo o pulso que tenho nelas são capazes de me fugirem na região de Bambadinca – Bafatá. E como podem os pelotões de milícias lutar contra canhões, morteiros e bazucas só com espingardas Mauser e G3? Tenho tomado as medidas que posso, dispersando as poucas tropas que disponho, de modo a dar às populações e aos pelotões de milícias alguma sensação de segurança. Mas contra centenas de bandoleiros excelentemente armados, que podem fazer estes pequenos efectivos? Morrer, é claro. Mas o pior é que este sacrifício será inútil, visto aumentar o moral do inimigo e desmoralizar ainda mais as populações nossas amigas. Precisamos de socorro imediato. Daqui a dois ou três meses será tarde, pois as populações terão já fugido... Sinceramente desejo que não se repita na Guiné o caso de Goa.

Deixamos sem qualquer comentário as notas da correspondência entre Spínola e Caetano, é um pensamento largamente difundido, não traz qualquer esclarecimento ao que tem sido publicado em dezenas de livros.

O depoimento de Rui Patrício foi de grande importância, era a primeira vez que um membro do governo tornava público que o governo de Marcelo Caetano entrara em negociações com o PAIGC. Diz sem ambiguidades: “Fui defensor das negociações secretas com o PAIGC, que decorreram em Londres, já em 1974. Eu nunca fui partidário de que a derrota militar seria o melhor. É evidente que queria a negociação. Depois procuraremos explicar os princípios, procuraríamos dizer que a Guiné vivia numa situação diferente. Qualquer explicação era possível porque qualquer coisa era melhor do que a derrota militar”.

Compreende-se como estas declarações de negociação sobre o futuro político da Guiné atormentaram e ainda atormentam os saudosistas e as direitas radicais.
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Notas de CV:

(*) Vd. postes de:

9 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6569: Notas de leitura (120): A Guerra de África, 1961-1974, Volume I, por José Freire Antunes (1) (Mário Beja Santos)

11 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6577: Notas de leitura (121): A Guerra de África, 1961-1974, Volume I, por José Freire Antunes (2) (Mário Beja Santos)

14 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6594: Notas de leitura (122): A Guerra de África, 1961-1974, Volume II, por José Freire Antunes (1) (Mário Beja Santos)

Vd. último poste da série de 16 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6600: Notas de leitura (123): O capitão Nemo e Eu, de Álvaro Guerra (Mário Beja Santos)

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