1. Mensagem de José Brás* (ex-Fur Mil, CCAÇ 1622, Aldeia Formosa e Mejo, 1966/68), com data de 21 de Novembro de 2010:
Carlos
Com um abraço
O Simples e o Erudito
(na Tabanca Grande)
É lá!
O que é que este gajo quer com um título destes?
Contar a história de carochinha?
Armar em teórico de qualquer coisa, inventando no Monfurado¹ um bacoco pensamento e voltando ao sapateiro do rabecão?
Bem!
Isto é o que algum dos meus eus estão a pôr de caras aos outros, retirando já a terra aos pés dos que, lendo, o diriam eles próprios só na sombra do título disto.
É uma técnica quase perfeita, esta de reduzir-se a si próprio, antes que outros o façam, somando ainda a mais que duvidosa virtude da humildade, duvidosa mas que pega quase sempre na ingenuidade de muitos.
No entanto, confesso que, esperando o mais que certo franzir das vossas testas, ainda assim não troco o título por um outro qualquer que anuncie modéstia ou caldos de galinha.
Se pego nisto por aqui, eu próprio confesso sem medos que não passa de bengala. Bengala dessas que tantas vezes dão jeito a quem tem de começar.
Como se diz que "comer e coçar (não sei o quê), o mal é começar, começando, lá vou eu directo ao assunto.
Frequentemente se lê no blogue o lamento de camaradas que se queixam de limitações na arte de escrever, temendo, provavelmente, que essa sua alegada deficiência, lhes apouque o esforço à palavra e prejudique o que querem dizer.
Muitas vezes, lê-se, lê-se e pasma-se do medo prévio do escrevente, já que o que quis dizer está ali todo, claro e transparente como dizem (talvez erradamente) que é sempre a verdade.
E algumas vezes está lá, mesmo o que, quem escreveu, não quis dizer, ou não pensou dizer, coisas mais intimas do seu foro moral e psicológico, das suas crenças, das suas dores e alegrias, escancarando a alma mais do que era seu desejo e acanhamento.
E se lá está tudo, porque tudo é tudo, o que é que pode estar mais que não esteja?
A forma? O estilo? O embrulho da encomenda?
Pois!
É verdade que muitas vezes a forma é, já em si, parte do próprio conteúdo, frequente e lamentavelmente, aliás, o único conteúdo da coisa.
Mas acredito que nenhum dos amigos que se lamenta de carências semânticas, quisesse trocar o que diz pelo que... não dizem tais prosadores empoleirados.
Não quero nomear, não direi nomes mas garanto que de alguns que já me renderam homenagens pelo que escrevo, tenho é inveja.
Inveja da boa, diga-se, da sua capacidade de descrever, de mostrar, de criar as imagens adequadas ao que dizem, de guardar a castidade da palavra, justa, curta, esgalhada e simples como deve ser toda a comunicação.
Ponhamos os olhos (os ouvidos) nas grandes sinfonias e tentemos lembrar partituras e passagens, quase sempre o centro da construção da musical do mestre, a rotunda de onde partem e aonde chegam sempre os caminhos que a justificam. São ou não são peças simples, sons que não parecem mais do que canções genuinamente populares, cujo contorno não perdemos?
Ou nesses sons fantásticos do jazz, trabalhados por grandes músicos nos salões do mundo, mas chegando dos instrumentos populares dos campos de algodão americanos e, ainda antes, dos pastores do Mali e de outros países oriundos da escravatura.
Dizem e acredito piamente que o mais difícil nesta vida é...ser simples.
É verdade que algumas vezes, fazendo o contrário, de coisas simples construímos coisas meias parvas, apenas. Ou, também, que metendo por matérias para as quais não temos preparação específica, académica ou outra, acabamos tristes e de má figura.
Noam Chomsky, em "O Poder Americano", abordando em algumas passagens a questão do Vietnam, diz que cabe aos intelectuais, porque a sociedade lhes deu meios de analisar e de entender a realidade que a gente comum não tem, a obrigação de explicar e de denunciar medidas, abusos e manipulações do poder.
Muitas vezes, contudo, gente como eu e outros ainda piores, que de intelectuais têm apenas as fumaças, assumem tal obrigação, afinal e ao contrário do propósito alegado, para mal do mundo.
Espero, pois, que com esta prosa também ela algo emproada, possa ajudar ao ânimo dos que, erradamente, se acham demasiado simples incentivando-as a soltar a língua aqui, para nosso consolo e glória da Tabanca Grande e do seu régulo.
José Brás
__________
Notas de CV:
(*) Vd. poste de 19 de Novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7307: (Ex)citações (110): Se não discutir com os meus amigos que são diferentes, mas meus amigos, discutirei com quem? (José Brás)
Vd. último poste da série de 22 de Novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7317: (Ex)citações (111): Mensagens de saudade… em tempo de Guerra! (José Marcelino Martins)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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1 comentário:
Meu caro José Brás
Em 1º lugar, um abraço.
Concordo com o sentido das tuas palavras mas não com a contraposição "simples/erudito". Para mim o erudito só o é se, ao mesmo tempo, for simples, se for capaz de se fazer entender por aqueles a quem dirige a palavra mas sei (vejo)que há quem fale um tal "latim" que nem os "latinistas" o percebem.Mas tu não és desta casta, tens provas dadas.
Considero minha mãe, perante as exigências que a "Vida" lhe apresentou, uma pessoa erudita mas era uma camponesa analfabeta. No entanto este facto não a impediu de ser o esteio que permitiu a minha formação (o meu desenvolvimento) intelectual.E ela sabia que era, e desejava ser, esse esteio.
Eu sei, "conheço-te", que concordas comigo. Temo é que o título deste "post" aumente ainda mais o "medo" naqueles camaradas que têm uma vontade enorme de aqui escrever mas se sentem inibidos perante as (reais) dificuldades que têm de enfrentar para redigir um texto.
Permite-me alargar o comentário a outros "tabanqueiros", aos que gostariam de participar no blogue mas não o fazem por se sentirem com dificuldades na escrita:
Eu, que ensinei muitas centenas de alunos a exprimirem-se através da escrita, quero dizer o seguinte aos camaradas que se sentem inibidos por acharem que não são capazes de escrever para este nosso blogue:
"Cag..." nisso, falem, desembuchem, não tenham vergonha, o que conta é o que querem dizer, se as palavras vierem com erros de ortografia, ou as frases mal construídas, os nossos editores tratarão delas com toda a devoção(não é verdade, caros editores?).Sei que , de vós, podem sair textos importantes, tenha esta importância o sentido que tiver.
A nossa Tabanca Grande não é nome de curso de Expressão Escrita e/ou de Literatura, é um centro de convívio. E conviver quer dizer conversar, rir, chorar,lamentar, regozijar, recordar,falar, ouvir, aprender, discutir e mais tudo o que se pode fazer para nos ajudarmos, mutuamente, a viver melhor.Como vêem, escrever só é importante devido às caraterísticas deste nosso centro de convívio.
Para todos, um abraço
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