quinta-feira, 4 de abril de 2013

Guiné 63/74 - P11344: Prosas & versos de Ricardo Almeida, ex-1º cabo da CCAÇ 2548, Farim, Saliquinhedim, Cuntima e Jumbembem, 1969/71) (6): Em Farim... Dei-lhe o título de sonho

1. Texto enviado em 10 de março último, pelo nosso camarada Ricardo Almeida (ex-1.º Cabo da CCAÇ 2548/BCAÇ 2879, Farim, Saliquinhedim, Cuntima e Jumbembem, 1969/71) (*):


Em Farim... Dei-lhe o título de sonho.

Quem de tão longe me conversa,
encontrará ao pé das dunas,
pendurado nas palavras,
o mar inteiro.
Neste sentido
encontrarão,
das coisas do tempo
e dos seres,
o poeta irreconhecível.

Cantar-te-ei de mansinho e doce como tu és, ao deitar do sol. 

Quando o tempo chegar,
e o mistério que te suporta, 
e a mistura harmoniosa que nos une.
Destes tempos não sei que fazer 
e descrevê-los é tão difícil como pensá-los. 
Direi, imperturbável,  como tu és serena,
mais que todos os pacíficos. 
E voltarás ainda a animar o dia previsto! 
A água não sobe mais além, o meu corpo,
de quem é o canto que me beija as mãos a esta hora...
Eu e ainda eu...
Todos lá chegaram.
Direcção (como dizer) esta (língua a ler como quiserem),  
não encontrareis,
só o que me escape.
E esta acalmia,
aqui estou seguro,
as questões são as minhas e ninguém virá procurar-me.
De resto onde encontrar-me? 
A escrever,
amaldiçoando o dia.
Finalmente dia,
nem noite pisando a garganta, 
num momento de coragem agora como habitualmente, 
o sol levanta-se: 
Escrito em todos os livros,
o meu emprego do tempo,
sabeis...

O constante barulho nauseabundo dos últimos dias 
subiu-me à garganta 
como se ele tivesse chegado a este lugar, 
todavia tão pacato e simples.
Assim não serei nunca eu, 
o rio tranquilo,
nem o nome daquele que eu me dei, por algum tempo!Das palavras a criar...
Ainda há sol e letras nos campos verdes ao amanhecer.
Direi:
Enquanto o tempo for o mesmo 
e manifestar a insignifícancia do estar aqui... 
Estarei por cá!
 Não é uma questão de tempo;
 e continuamente, enquanto houver verão,
direi a nostalgia de outros meandros e outros corações. 
Então, por cá...assim é,
escreverei por caminhos entre giestas na serra.Por caminhos tortuosos a noite não tem estrelas. 
Sinto um odor forte: manhã! 
O navio volta guiado pelo vento. 
Terra! 
O vento bate forte, acentuando o ar doentio (do poeta). 
Não é ter muita força. 
E o vento faz novamente inchar as velas.O sol tinha desaparecido e passeava-me ainda contigo,
como se nada tivesse acontecido.
Guine retém ainda a frescura dos primeiros dias, recordas-te? 
Tão longe, direi eu... 
 E o meu íntimo tão alegre. 
No porto a velha casa está cansada. 
Os garotos brincam nas ruínas, um instante; 
silêncio entre a chegada e a partida dos dois navios. 
Faz-se tarde como habitualmente à mesma hora. 
Não, nada pode segurar-me. 
Nem o sol nem a velha casa nem a ponte.O poente já não serve. 
É isso: armadura, a velha casa,  
do lado de fora puxam-me com força. 
A palavra pode difícilmente significá-la.
O barulho acabou agora: os garotos desaparecem; 
no velho porto, fico eu sozinho. 
Poder talvez alcançar a miragem de um repouso infinito. 
No sitio onde as árvores fossem verdadeiras árvores. Sem mais! 
Chegou a manhã. 
Acordo,  percorro praças, ruas, lugares do sonho.
Espraio-me inteiro no olhar desconhecido que passa. 
As confidências tomam cada vez mais a proporção da paixão.
Avanço no futuro, como a paisagem dum país ao sul, 
com o sol ao meio dia:Guiné, junto-me a vós, amigos.

Em forma de carta estas linhas. 
O monólogo: por detrás da escrita, a moral.
A vós todos. O diálogo.
A TI.

De oiro e púrpura se vestiam os bosques. 
O sol resplandecente brincava com a copa das árvores.
Esperava: e os dias perdiam-se com o acabar dos meses.Dias agonizantes, milhares de dias. 
Sei portanto algumas palavras.
Interessa que as esgote, 
antes que empregá-las não tenha cabimento.Ainda o sol não chegado ao fim:
Grito pelo silêncio que estas palavras criam.

Marques de Almeida
CCÇ 2548 /  BCAÇ 2879

[Fixação de texto: L.G.]
_________


2 comentários:

Bispo1419 disse...

Uma explosão de palavras, de imagens, de ideias com traços flamejantes de poesia.
Maravilha:

"Quem de tão longe me conversa,
encontrará ao pé das dunas,
pendurado nas palavras,
o mar inteiro."

"Finalmente dia,
nem noite pisando a garganta,"

"de quem é o canto que me beija as mãos a esta hora ..."

"Espraio-me inteiro no olhar desconhecido que passa."

"Esperava: e os dias perdiam-se com o acabar dos meses."

Espero por mais, gulosamente, meu caro camarada Ricardo Almeida.
Um grande abraço

Manuel Joaquim

Gumerzindo Caetano da Silva disse...

Meu caro Ricardo.Palavras para que.Um abração.