1. Mais uma estória do David J. Guimarães, passada no Xitole, nos primeiros tempos da comissão da CART 2716 (1970/1972), e que andava perdida na I Série do nosso blogue:
Um dia, novinhos ainda, piras, com as fardinhas novinhas em folha, aí vamos nós. Sai o 1º Grupo de Combate. Patrulha em volta do aquartelamento para os lados de Seco Braima, o que era normal: acampamento IN....
Era bem de manhã. E a certa altura, zás, ouve-se o matraquear de espingardas automáticas:
─ Que coisa!... Oh diabo, estão a enrolar…
Os morteiros fixos lá fazem fogo de barragem. Novamente os experientes homens de armas pesadas. E que eficientes! Como eles faziam aqueles morteiros dispar tão amiúde e certeiro... Cessar fogo, tudo silêncio à volta, fora os abutres que logo foram ver o que acontecia.
─ Que aconteceu? E agora... Estará alguém ferido? O que aconteceu? O que vamos fazer?
Nenhum deles disse nada... mas voltaram depressa. E nós nem percebíamos ainda porque que é que eles voltaram assim tão rapidamente... Bem, lá regressa, da patrulha, o 1º Grupo de Combate. Ofegantes, e agora dentro do aquartelamento esboçando sorrisos, todos pretos... Que coisa, sempre que havias tiros ficava-se todo preto!
─ Que aconteceu ???
Lá vem a explicação: o grupo estava a instalar-se, para um tempinho em posição de emboscada. Uma cabra de mato passa em frente... Um soldado diz para o Alferes muito baixinho:
─ Alferes, cabra de mato!
─ Atira-lhe ─ responde o Alferes ─ Há rico tiro, pum, pum!!!
E não é que o IN estava lá emboscado, do outro lado da cabra? Seriam poucos, mas ao sentirem-se detectados deram uns tiros e fugiram, pois que entretanto também começaram a cair bem perto as granadas do morteiro do aquartelamento...
─ Manga de cu pequenino…
Olha que sorte, a santa cabra do mato!... Foi ela, afinal, o nosso anjo da guarda. O Correia voltou com o seu grupo de combate inteiro e o soldado que detectou a cabra... herói. Mais tarde foi-lhe proposto e concedido o prémio Governador Geral. Todos achámos muito bem, veio à metrópole. Se não fora assim, nunca iria lá de férias, porque não tinha dinheiro para isso...
Ninguém soube se a cabra morreu ou não, mas os homens, depois de contados, estavam todos... E os abutres também voltaram ao aquartelamento e continuaram a comer o que restava da vaca morta nesse dia...
A guerra tinha disto também, e ainda bem... Como entendê-la? Só um combatente... Este era o nosso tempo de recreio de guerra dentro da guerra.
David J. Guimarães
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Nota do editor:
7 comentários:
Meu caro David,não era nem sou amante da caça... Mas no meu tempo (1969/71), a caça era esquiva e escassa...Tal como aconteceu em Angola e Moçambique, a caça grossa desaperaceu da Guiné, refugiando-se nas regiões mais despovoadas (Boé e Tombali) ou então nos países límitrofes... O PAIGC tinmha caçadores. As nossas milícias, idem. Nas aldeias em autodefsa por onde passei, havia sempre um ou dois caçadores, que saíam do arame farpado, sem dar cavaco a ninguém (pelo menos aos tugas...) e traziam sempre pelo memos uma peça de caça grossa... Ainda cheguei a comprar bifes de gazela, num sítio ou noutro... E vi, uma vez por outro, gazelas atravessar as bolanhas, em altas correrias... Em Bambadinca, à noite, na orla da mata, a seguir à pista de aviação havia quem fosse çaçar lebres e galinhas de mato, de faróis acessos... Estou-me a lembrar do próprio comandanet do BART 2917, ten cor Polidoro Monteiro e dos seus "muchachos"...
A tua história, insólita, não deixa de ter um lado irónico e divertido... Por outro lado, pouco temos falado aqui do famoso Prémio Governador Geral... Ainda bem que alguns soldados foram de férias à metrópole, à pala do senhor Governador...
Da Lourinhã, em férias, com um xicoração. Luis
O meu abraço aos dois.
Gostei eda "estória", David Guimarães.
No meu tempo ou pelo menos o meu Grupo não se disparava. A outra caça...sim!
Luís Graça nas Tabancas em Auto Defesa, onde estávamos,ninguém de lá saía sem sabermos.Aquilo não era um bordel ou a "casa da malta". Iam para os chãos e nem sempre...minas ou IN espreitador...
Havia um ou outro caçador saia á noitinha e só de manhã voltava. Se tivesse tido sorte ia, ele e outros, buscar a caça - já arranjada - que havia ficado em cima de uma árvore ou protegida de outra forma. Nós "comprávamos" uma coxa e tínhamos que deglutir, o que era impossível para a maioria, 4 ou 5 bifes...claro que a pequenada papava depois...bife.Frigorífico "ká tem".
Boas férias e cuidado com os dinossauros. Boas guitarradas para o David. Ab T.
Torcato: Eu sei que eras disciploinado e disciplinador.Eu não sou nem uma coisa nem outra. Ontem como hoje. De quaklquer modo, sou levado pela minha "primeira impressão"... Com certeza que os caçadores da tabanca comunicavam a sua saída, á noite. ao chefe da aldeia ou à comandante da milícia... Um abraço.
O David conta uma estória que na realidade muitos de nós nos deparámos com situações idênticas.É então que me veio á memória duas situações para mim interessantes relacionadas com a "fome " de carne que havia na Guiné.
Quando estive no Biambe também haviam caçadores civis que normalmente iam vender a caça á malta da companhia.É então que num belo dia me apareceu um desses caçadores e me propôs a venda de um " pato da bolanha". Claro que já vinha depenado ,sem pescoço e sem patas.Ou seja o "patinho" já limpinho . Ora como a fome era mais que muita e já estava farto de esparguete com rodelas de chouriço ou arroz com marmelada o pato veio mesmo a calhar e até nem foi necessário grandes temperos e laboração no assado , pois que mal caiu no prato "morreu" logo pela goela abaixo só parando na zona de reciclagem cá do Henrique.Mais tarde e analisando melhor e na procura de novo "pato da bolanha" venho a saber que o pato era afinal um Urubu ou calau penso que se chama assim . Bom era um pássaro necrófago que a malta se deve lembrar porque era enorme e tinha um pescoço nojento.O que é certo não morri nem nada ,embora jamais quis repetir o "petisco".
Outra situação engraçada foi em Bissorã.
Nós CCAÇ13 fazia-mos uma semana de descanso em Bissorã numa localidade na periferia chamada Outra Banda porque era dividida pelo rio Armada.Fazia-mos então durante a noite a segurança daquela entrada em Bissorã , mas de noite os civis iam colher mel ao mato e pela manhã entravam . Deram-me uns favos de mel e levei-os para "casa" (já lá tinha a Ni comigo)e então começamos a pensar como fazer mel.Claro como eu era muito "esperto" na matéria toca de pôr os favos num taxo e meter ao lume para separar a cera do mel.Só que passados uns minutos eu tinha milhões de abelhas a entrar pela casa dentro.Ou seja elas entraram e todos nós saímos.As abelhinhas só queriam o mel felizmente.Claro que foi um elemento da população que lá foi correr com as "Convidadas"com palha a arder e levou o taxo e tudo com ele.(Espera lá...era uma boa ideia agora para os novos tachos.swaps ou lá o que é ...não?)
Um abraço
Henrique Cerqueira
Caro amigo David
Pois é, a vida tem destas coisas, e ainda bem, pois assim podemos estar cá para as contar....
Como dizes, a cabra do mato foi o vosso 'anjo da guarda' involuntário mas vá lá adivinhar-se os desígnios de que não compreendemos?
E, também não chega a ser relevante, se a cabra foi ou não abatida, embora se possa presumir que o foi.
Como dizes, também, "Este era o nosso tempo de recreio de guerra dentro da guerra", embora não fosse propriamente recreio...
Abraço
Hélder S.
Caro David
A tua estória lembrou-me uma amboscada de proteção a uma coluna de reabastecimento na estrada Pelundo Jolmete em que uma gazela pequenina se foi aproximando de mim ao ponto de eu já estar a preparar-me para lhe saltar para cima mas quando fiz o primeiro movimento ela viu-me e fugiu tiros nem me passou pela cabeça.Quem desse um tiro numa situação daquelas tinha seguramente problemas com o capitão.Pois é David a falar vamos avivando as memórias uns aos outros.
Um abraço
Manuel Carvalho
OOOHHHH...meusss...amigooosss..
Bifes de gazela..patos de bolanha..
Eu comi macaco,cobras e ratos..
Como era um privilegiado.. comi isto tudo já devidamente confeccionado num prato de zinco..
Como é que se apanhavam macacos "cão"..julgam que era fácil..uma porra é que era..
A macacada aos montes em cima das árvores.."amandavamos" dois ou três abaixo ..a tiro..claro..quando nos aproximávamos para os apanhar..a restante macacada descia da árvore e defendia à dentada os que tinham "lerpado"..era muitas vezes necessário afastá-los com granadas ofensivas e tínhamos que ser rápidos porque senão eles voltavam como autênticos "suicidas"...
Agradeço que não divulguem esta técnica, senão as "sociedades protectoras de.." ainda me mandam prender..
Quanto à "gazela..emboscada do IN"..acho bem que tenha tido o "prémio"..mas se eu fosse o comandante ..dava uma "porrada" ao alferes que autorizou o premiado a dar o tiro...
C.Martins
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