1. Um texto do Paulo Santiago, já de 26 de fevereiro último, mas que esteve em "stand by", por decisão dos editores já que fazia referência explícita a um camarada nosso, que ainda está vivo, e que foi alf mil médico... Omite-se o seu nome, de acordo com as nossas regras editoriais. Não faz parte da Tabanca Grande. (LG
Assunto: Polidoro
Luís:
Ainda a propósito do poste do Armando Pires (*), e também do muito que se tem falado de praxes (**), lembrei-me de uma história do Polidoro [, ten cor inf, último comandamte do BART 2917, Bambadinca, 1970/72, e entretanto já falecido], aflorada em tempos, muito pela rama. Se achares interessante, publica.
Paulo Santiago.
2. O Polidoro Monteiro que eu conheci:
"O médico está preso!"
Quando em outubro de 1971 cheguei a Bambadinca, havia lá um médico que conhecia de vista e de nome, melhor de alcunha...
No meu tempo, na Escola Agrícola de Coimbra, não havia praxes, tinham sido proibidas uns anos antes no seguimento de uma situação que tinha corrido mal. Os alunos dos liceus, e os caloiros da Universidade de Coimbra, ao contrário, viviam num certo "terror", evitando ter encontros, após o toque da "cabra" com os "praxadores mores". Nestes, os mais conhecidos, e mais temidos, eram o nosso futuro médico, e o "Mata-Gatos", assim chamado por maltratar gatos, naqueles dias em que se sentia frustrado por não efectuar "rapanços".
Foi o ex-praxador coimbrão que eu fui encontrar em Bambadinca como médico.
Um dia, estava a fazer um "cross" com a companhia de milícias, repentinamente caí redondo. Meio reanimado, trouxeram-me para o posto médico. Diagnóstico: tensão arterial situada em 4-7,5. O clínico manda uma caralhada, diz que estou bastante fodido, e receita-me... whisky, em bastantes tomas durante o dia. Também aconselhou descanso.
Pedi ao ten cor Polidoro para me dispensar de duas ou três formaturas matinais, mas não lhe disse qual tinha sido a receita para a subida da tensão arterial. Esta normalizou ao fim de uns dias e, claro, bebi mais que aquilo que já bebia. Soube mais tarde que não faltavam medicamentos para a baixa tensão.
Num dia de novembro, há uma coluna de abastecimentos ao Xitole, e um Unimog 411 vira-se. O condutor, um militar da CCAÇ 12, suicida-se dando um tiro na cabeça. Trouxeram o corpo para a capela de Bambadinca, onde numa pseudo autópsia aconteceu algo que não devia ter acontecido.
Pela mesma altura, o Pelotão Daimler foi rendido. O alferes médico em questão tinha lá a mulher (a primeira) mas quase todos os dias à hora de jantar, deixava-a no quartel e vinha comer e beber (bastante) para casa do gajo da PIDE/DGS, ou para casa do Rendeiro [, comerciante,] de quem era conterrâneo.
Na primeira noite de serviço dos "periquitos" do pelotão de cavalaria, o soldado de sentinela no posto, ao cimo da rampa, vê a altas horas um civil, branco, a aproximar-se, manda-o parar e pede-lhe a identificação. O civil era o médico, vinha bem "carregado" e pôs-se a disparatar com o militar. Felizmente, apareceu o sargento de dia, que informou o soldado:
- É o nosso alferes médico.
Tudo acalmado, o nosso alferes médico vira-se para o soldado de sentinela, dizendo:
- Andas com uma cor muito pálida, amanhã passas no posto médico para te dar um medicamento.
"Periquito", ingénuo, cumpridor da ordem de um superior, no dia seguinte lá estava no posto médico. Neste existia um soldado maqueiro, bruto, meio sádico... Quando o médico topou o militar de sentinela na noite anterior, disse:
- Oh Fulano Tal, este gajo necessita levar cinco ampolas de Vitamina C, subcutâneas dadas como tu sabes, e hoje leva duas e nunca mais vai esquecer a minha cara.
Diziam que aquelas injecções eram extremamente dolorosas, o certo é o militar ter ficado cheio de dores, nem sentado, nem deitado podia estar durante mais de um dia.
Acabou o curso de formação de milícias, fui passar o Natal e Ano Novo ao Saltinho. No dia 6 de janeiro de 1972, fui de heli para Bissau e, passados três ou quatro dias, regressei de avioneta a Bambadinca, juntamente com o 2.º comandante, o major Anjos de Carvalho. Na pista, à nossa espera, estava o ten cor Polidoro:
- Só vim aqui para vos dizer que o médico está preso. Está no quarto, a mulher foi embora e ele, quando terminar os dez dias, vai recambiado.
O pelotão de cavalaria, no fim do ano, fez uma festa convidando o comandante. Veio à baila a cena das injecções de Vitamina C. Parece que a tampa do Polidoro saltou, já havia os rumores da "autópsia" e outras cenas pouco edificantes. No dia seguinte, arranjaram transporte para a mulher do médico, e na Ordem de Serviço saiu a punição...
Julgo que ninguém ficou admirado com o sucedido.
Paulo Santiago
[ex-alf mil, cmdt, Pel Caç Nat 53, Saltinho, 1970/72. instrutor de mílícias em Bambadinca; engenheiro técnico agrícola reformado; natural de Águeda]
_______________
Notas do editor:
(*) Vd. poste de 19 de fevereiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12742: Furriel Enfermeiro, ribatejano e fadista (Armando Pires) (12): Chegou Polidoro, "O Terrível"
(**) Vd. poste de 15 de agosto de 2014 > Guiné 63/74 - P13498: "Francisco Caboz", um padre franciscano, natural de Ribamar, Lourinhã, na guerra colonial (Horácio Fernandes, ex-alf mil capelão, BART 1913, Catió, 1967/69): Parte III: Um periquito praxado com pornografia à mesa do comandante... E as primeiras impressões (más) de Catió e do destacamento de Ganjola...
Polidoro Monteiro, em Bissorã, 1971. Foto de Armando Pires (2014) |
Ainda a propósito do poste do Armando Pires (*), e também do muito que se tem falado de praxes (**), lembrei-me de uma história do Polidoro [, ten cor inf, último comandamte do BART 2917, Bambadinca, 1970/72, e entretanto já falecido], aflorada em tempos, muito pela rama. Se achares interessante, publica.
Paulo Santiago.
"O médico está preso!"
Quando em outubro de 1971 cheguei a Bambadinca, havia lá um médico que conhecia de vista e de nome, melhor de alcunha...
Pedi ao ten cor Polidoro para me dispensar de duas ou três formaturas matinais, mas não lhe disse qual tinha sido a receita para a subida da tensão arterial. Esta normalizou ao fim de uns dias e, claro, bebi mais que aquilo que já bebia. Soube mais tarde que não faltavam medicamentos para a baixa tensão.
Pela mesma altura, o Pelotão Daimler foi rendido. O alferes médico em questão tinha lá a mulher (a primeira) mas quase todos os dias à hora de jantar, deixava-a no quartel e vinha comer e beber (bastante) para casa do gajo da PIDE/DGS, ou para casa do Rendeiro [, comerciante,] de quem era conterrâneo.
- É o nosso alferes médico.
Tudo acalmado, o nosso alferes médico vira-se para o soldado de sentinela, dizendo:
- Andas com uma cor muito pálida, amanhã passas no posto médico para te dar um medicamento.
"Periquito", ingénuo, cumpridor da ordem de um superior, no dia seguinte lá estava no posto médico. Neste existia um soldado maqueiro, bruto, meio sádico... Quando o médico topou o militar de sentinela na noite anterior, disse:
- Oh Fulano Tal, este gajo necessita levar cinco ampolas de Vitamina C, subcutâneas dadas como tu sabes, e hoje leva duas e nunca mais vai esquecer a minha cara.
Julgo que ninguém ficou admirado com o sucedido.
Paulo Santiago
[ex-alf mil, cmdt, Pel Caç Nat 53, Saltinho, 1970/72. instrutor de mílícias em Bambadinca; engenheiro técnico agrícola reformado; natural de Águeda]
_______________
Notas do editor:
(*) Vd. poste de 19 de fevereiro de 2014 > Guiné 63/74 - P12742: Furriel Enfermeiro, ribatejano e fadista (Armando Pires) (12): Chegou Polidoro, "O Terrível"
(**) Vd. poste de 15 de agosto de 2014 > Guiné 63/74 - P13498: "Francisco Caboz", um padre franciscano, natural de Ribamar, Lourinhã, na guerra colonial (Horácio Fernandes, ex-alf mil capelão, BART 1913, Catió, 1967/69): Parte III: Um periquito praxado com pornografia à mesa do comandante... E as primeiras impressões (más) de Catió e do destacamento de Ganjola...
6 comentários:
Paulo:
O suicídio do soldado condutor auto da CCAÇ 12, em novembro de 1971, não consta na história do BART 2917. A tropa tinha, no nosso tempo (e ainda tem hoje), multa dificuldade em lidar com estes casos. O suicídio é sempre descrito como "acidente com arma de fogo"...
Quanto "pseudo autópsia" feita em Bambadicna pelo alf médico de então... Não queres fornecer mais detalhes ?... Estás á vontade, já que os editores decidiram omitir o nome do visado, de acordo com as nossas regras editoriais... Não estamos aqui para julgar e muito menos criminalizar nenhum cmarada, meso que a sua conduta tenha sido (ou pudesse ter sido) etica, moral, humana, disciplinar, legal e criminalmente reprovável...
E desculpa o atrasdo com que a história foi publicada... Como sabes, trocámos bastantes mails sobre este assunto... delicado.
Luís
O condutor,era conhecido por ser grande bebedor,não sei se era balanta,ou de outra etnia,nem estou a ver qual a razão da "autópsia"que foi feita na capela.Não se faziam autópsias.O médico,segundo relato de um maqueiro (doido)presente,quis "deixa ver como está o fígado deste gaijo que bebia muito bem".Também houve cortes no crâneo,com alguns derrames...No bar,mais tarde,ouvi da boca do médico"afinal o fígado do xx não estava estragado"
Na história da unidade deve constar o nome do soldado condutor que morreu numa coluna para os lados do Xitole,talvez já a caminho do Saltinho.Conduzia um Unimog 411.
Também é possível,que a autópsia tenha sido uma profanação.O corpo foi levado para a capela para ser preparado e metido na urna.
Isto nunca devia ter acontecido.
"Estou a modos que apalermado"
Vou comentar apenas na qualidade de médico.
Há princípios éticos que um médico deve preservar no desempenho das suas funções mesmo que isso implique o risco da própria vida.
Juramos o formulário de (Hipocratis)hoje adaptado aos tempos modernos, no início da nossa actividade profissional que não é vinculativo é apenas uma formalidade.
O que verdadeiramente rege a nossa actividade profissional são os estatutos da ordem dos médicos que são periodicamente reformulados.
O que é relatado julgo ser do foro psiquiátrico e inimputável tal é a gravidade da situação para ser apenas considerado criminal.
Numa autópsia faz-se uma incisão horizontal na base do couro cabeludo no pescoço e desloca-se todo o couro cabeludo para a cara ficando assim o crânio exposto para ser aberto permitindo a observação da massa encefálica após a qual é novamente colocada no respectivo lugar anatómico e colocada a calote craniana.
O couro cabeludo é reposicionado no respectivo lugar e a incisão suturada.
Garanto-vos que um leigo não nota nada se o processo for executado correctamente.
Para observação interna do corpo é feita uma incisão vertical desde a base da garganta até ao púbis.
Após observação dos orgãos estes são colocados nos respectivos lugares e a incisão suturada.
Uma cadáver tem direito ao mesmo respeito que um ser vivo.
Faço esta explicação não empregando termos técnicos.
C.Martins
Pois! Vitamina C ou Ácido ascórbico. Um líquido pastoso que mesmo injetado lentamente deve doer para caraças. Dei algumas eos cmamaradas gemiam por todos os lados. A "martelo" deve ser horroroso.
Zé Teixeira
Caro camarada "infermero" Zé Teixeira.
As ampolas de Vit.C deviam ser dadas em bolus de soro fisiológico por via E.V.
Já agora serviam para quê !
Só se fosse para prevenir o escorbuto.
Todos tínhamos uma péssima alimentação no mato, mas isso podia ser e era colmato com comprimidos polivitaminicos.
Se por via I.M. aquilo doía "pra burro" então por via sub-cutânea imagino...julgo que nem a PIDE se lembrou de tal tortura.
A.B.
C.Martins
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