Olá Camarada
Pareceu-me grande demais para inserir como comentário.
Por isso, segue em anexo "A Minha Guerra a Petróleo n.º 12".
Um Ab.
António J. P. Costa
A MINHA GUERRA A PETRÓLEO
12 - Como vejo o 10 de Agosto de 1972
Ficámos ali junto à margem do Geba, no tarrafo, e reagrupámo-nos. Ainda vimos o sintex à deriva com alguns homens a bordo. Fiquei logo a saber que faltavam três camaradas e não os vendo por ali, decidi que iríamos em direcção a Nhabijões, cujos telhados de zinco brilhavam ao Sol. A progressão foi difícil, porque a bolanha, entre o rio e a tabanca, estava muito alagada. Além disso, o Sol estava muito forte – já passava das 11 da manhã – e o esforço de quem tinha andado dentro de água e agora progredia com o equipamento e o uniforme molhados, era redobrado.
Perto da tabanca, as crianças que por ali brincavam, fugiram quando nos viram. Não sei se de medo se para irem informar a guarnição da tabanca. Fomos recebidos pelo alferes do Reordenamenmto, cujo nome não fixei e fomos tomar duche vestidos, tal era a quantidade de lama que levávamos em cima.
Foto © de Jorge Araújo
Depois dirigimo-nos para a estrada onde fomos recolhidos por uma coluna da CCaç 12 que vinha de Bambadinca, comandada pelo 2.º Cmdt, major Sousa Teles. Dirigimo-nos ao Xime onde deixei o pessoal que estava comigo. Aqui tenho “uma branca” de algum tempo. A idade não perdoa e eu já falei com o Araújo que também não sabe explicar o que se passou.
Sei que fui Bambadinca e vi que havia um helicóptero que serviria para fazer um reconhecimento à área do acidente. Ainda havia a possibilidade de algum dos desaparecidos ter ficado perdido e exausto no tarrafo. Fiz o reconhecimento aéreo e sugeri ao comandante que batêssemos a zona a pé à procura de sobreviventes. Pedida autorização à BA 12, fui largado com o furriel Domingos (homem muito generoso) e três soldados da CCaç 12 nas imediações do local do naufrágio.
Cabe aqui referir que o piloto era um meu ex-colega de liceu Passos Manuel – o Luís Cabanelas – que, em vez de nos largar a cerca de 4 metros, como era “do regulamento” deixou-nos a cerca de um metro. O terreno e a área da operação permitiam-no e evitámos o pancadão, o que, para mim que estava consideravelmente cansado, foi uma boa ideia.
Eu levava apenas a espingarda e os carregadores emprestados pelo comandante, sem qualquer outra espécie de equipamento. Vim depois a aperceber-me de que nem lenço levava. Estava previsto que, no final da batida à margem do rio, seríamos recuperados pelo helicóptero, se o tempo o permitisse, ou, pelo rio, por um sintex, se assim não fosse.
Batemos a margem do rio para montante e jusante e não encontrámos o menor sinal de vida. Entretanto, o helicóptero partira e nós começámos a cortar ramos para podermos chegar o mais à frente possível sobre o lodo, quando o sintex nos viesse recuperar. Era o que esperávamos.
Entretanto, por razões que não consegui determinar, perdemos o contacto rádio com comando do BArt 3873. A noite caiu e tendo falhado o contacto rádio com Bambadinca, entrei em contacto com o Xime e procurei fazer sair um GrComb que viesse recuperar-nos pela estrada. Subitamente, as comunicações com Bambadinca restabeleceram-se e recebemos ordem de para ali nos dirigirmos. O percurso a fazer era maior do que para o Xime, mas começámos a progressão debaixo de uma chuvada tropical acompanhada de trovoada que deixava o céu iluminado durante segundos, de um tom róseo depois de a faísca ter caído.
Aproximámo-nos de Bambadinca num percurso em que mal se via o caminho e orientando-nos somente pelas luzes dos aquartelamentos. Já perto do quartel fomos recolhidos por um pequeno grupo da CCaç 12, sob o comando do capitão Bordalo Xavier, que, com um petromax à cabeça, nos ia orientando.
Já agradeci ao ex-alferes Cabanelas e ao capitão Bordalo, pessoalmente, o apoio que nos foi dado. Deixo-o agora aqui também em público.
Como entrei no quartel não me lembro. Lembro-me que a esposa do comandante ficou admiradíssima de quanto eu estava molhado e concluiu que “felizmente, eu só tinha 25 anos”…
Tomei uma bica no bar de oficiais e tenho presente uma cena em que eu sentado no chão do quarto do major Sousa Teles estou a despir-me revoltadíssimo e ele a tentar acalmar-me. Efectivamente, se as minhas relações com o comando já não eram boas, a partir daí… pioraram.
Regressei ao Xime com uma farda n.º 2 que me emprestou.
Depois, foi feito o relatório da acção que eu contestei, enviando a minha versão às mesmas entidades que o tinham recebido emitido pelo Batalhão.
Entretanto, apareceu o corpo do Sousa a boiar no rio. Éramos oito a tirá-lo e eu quero repetir um pouco do meu texto “As Idas ao Fiofioli” (que publiquei no blog) para prestar homenagem à generosidade do alferes Gomes, que tanto sofreu, na sua inadaptação à vida militar:
Quando retirámos da água o corpo sem vida do Sousa, afogado no Geba, queria, recorrendo aos toscos conhecimentos dum primeiro ano de medicina incompletissimamente estudado, retirar do corpo, a água que impedia que fosse metido no caixão. O Sousa acabou por ser sepultado em Bambadinca, dentro de um caixote de bacalhau, ao fim de vários dias de espera pelos ferros e luvas de autópsia que permitissem aproximar o corpo das suas dimensões normais.(1)
As consequências do relatório e contra-relatório não se fizeram esperar. E de tal forma que, no domingo posterior ao naufrágio, um helicóptero demandou o Xime. A bordo, um alferes para a companhia – que tinha falta deles – o adjunto-operacional do general Spínola e o comandante da Defesa Marítima da Guiné. Queriam ver o macaréu que, por casualidade, nesse dia, seria o maior do ano. Assim o dizia a tabela das marés que até dava a hora de passagem em Caió.
Recebi-os e descemos ao cais. Tranquilamente, o barqueiro Adelino navegava no rio. O oficial da marinha mandou-me avisá-lo de que o macaréu estava a aproximar-se. Assim fiz e o Adelino, no seu melhor sorriso gritou, do meio do rio:
- “Ah! Nosso captão inda falta”!...
Calmamente, remou para a margem, atracou o dongo e descarregou o que trazia. Cumprimentou-nos com vénia e continuou o seu caminho. Nós ficámos ali a ver e do macaréu… nada.
Por fim, com um atraso apreciável surgiu um macaréu de altura verdadeiramente “júnior” e que não correspondia às características indicadas na tabela. A Natureza tem destas particularidades!
Entretanto, após um período de “averiguações sumárias” entrou-se num processo de corpo de delito. Fui, como já disse, ouvido como declarante, assim como todos os outros ocupantes do sintex.
Deixei a CArt 3494 em Novembro de 1972 sem nada saber da marcha dos autos. Nunca mais fui inquirido, nem por deprecada, acerca do sucedido. Soube depois do desfecho e, só recentemente, o Jorge Araújo fez um esforço para determinar a data e os detalhes do julgamento.
Preparei este texto que sintetiza a minha visão sobre o sucedido no dia 10 de Agosto de 1972 na margem esquerda do Geba.(2)
Um Abraço
António J. P. Costa
____________
Notas do editor
(1) - Vd. poste de 13 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5456: A minha guerra a petróleo (ex-Cap Art Pereira da Costa) (1): Esta noite fomos ao Fiofioli
(2) - Vd. poste de 10 de Agosto de 2014 > Guiné 63/74 - P13482: Efemérides (171): Relembrando o naufrágio no Rio Geba, no dia 10 de Agosto de 1972, em que perderam a vida três camarada da CART 3494 (Jorge Araújo)
Último poste da série de 6 de Julho de 2013 > Guiné 63/74 - P11810: A minha guerra a petróleo (ex-Cap Art Pereira da Costa) (11): Ainda o poste do Cherno Baldé e outros
1 comentário:
Não sei se li bem! Mas o que "li" nas entrelinhas diz-me mais do que li nas linhas. E neste caso tendo em conta que o testemunho é quem acompanhou e viveu momentos tão dramáticos deve ser valorizado. Nas entrelinhas notei um sentimento de desilusão em relação como o "assunto" foi tratado pela hierarquia. Foi esse sentimento de impunidade que estava presente em Bambadinca quando em janeiro de 1973 cheguei à CCAC 12.
João Silva CCAÇ 12
Enviar um comentário