segunda-feira, 29 de junho de 2015

Guiné 63/74 - P14810: (De)caras (22): Quando os autocarros (de Bafatá e de Gabu) chegavam ao porto fluvial do Xime com população e até com provocadores, simpatizantes do PAIGC... Um dia, já depois do 25 de abril, ía havendo uma tragédia: estava eu a montar segurança na Ponta Coli e os meus homens, fulas, quiseram fazer fogo de bazuca, em resposta às provocações da malta do autocarro (António Manuel Sucena Rodrgues, um dos últimos guerreiros do império, ex-fur mil, CCAÇ 12, Xime, 1973/74)


Guiné > Zona leste > Setor L1 (Bambadinca) > Xime > CCAÇ 12 (1973/74) > Pós-25 de abril de 1974 > Até aqui chegavam autocarros de passageiros!... Não dá para acreditar, diz o Valdemar Queirós, um rapaz do leste de 1969/70!... Mas com a com a nova "autoestrada", Xime-Piche (não sei se chegou mesmo a Buruntuma e a Pirada em 1974!), era já possível recorrer a autocarros de passageiros para transportar populção civil (, não tropa).

Foto ( e legenda): © António Manuel Sucena Rodrigues (2015). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: LG]



I. Mail que enviei ao António Manuel Sucena Rodrigues, em 26 do corrente:

António: Explica lá direitinho o que é que tu fotografaste no cais do Xime em "dia de barco"... Autocarros no Xime ? Bate certo  a bota com a perdigota ?  Não estamos a delirar ?... A verdade é que a tua foto, ampliada, não engana...

Tens a data da foto ?... Fico a aguardar o teu precioso esclarecimento. As fotos do macaréu são para outro poste..

Ab do camarada da CCAÇ 12, Luís Graça

II. Sobre a foto acima, também comentou o Valdemar Queiroz, ex-fur mil art, CART 2479 /CART 11 (Contuboel, Gabu e Piche, 1969/70) (*);

Que confusão, que grande confusão ver estas fotografias do cais do Xime.
Gente que vinha em autocarros de passageiros até ao cais para, depois, seguir de barco para Bissau ??? Em que ano foram tiradas estas fotos? 

Lembro-me, em 1969/70, como era perigoso ir de Bambadinca ao Xime. Só com grande segurança se ia ao Xime buscar frescos vindos de Bissau. Reparavamos como o Xime tinha 'embrulhado', se calhar na noite anterior.
Mas ver agora autocarro de passageiros, nem dá para acreditar. Extraordinário!


III. Resposta, pronta, no mesmo dia, do António Manuel Sucena Rodrigues  [ex-fur mil, CCAÇ 12, Bambadinca e Xime, 1972-74]

 Assunto: Autocarros no Xime

Luís,

1. Bate certíssimo. Nos dia de barcos destinados à população, por exemplo a Bor e mesmo a LDG (também havia barcos destinados prioritariamente a transporte de manadas de gado) havia autocarros que vinham de Bafatá (e não sei mesmo se vinham de Gabu), carregados de população (só população).

Tanto quanto pude observar, havia destes autocarros em Bafatá. Como sabes,  o cais do Xime era a única ligação da zona leste com o "resto do mundo". 

Este dia foi um dos dias de grande afluxo de população, Não era sempre assim mas quase sempre havia pelo menos um ou mesmo dois autocarros. Nunca andei em nenhum, eram civis e não tinham nada a ver com a tropa.

Esta foto deve ter sido tirada em março ou abril de 74.

Tínhamos um pelotão permanente, durante o dia,  montando  segurança na Ponta Coli, entre o Xime e Amedalai, daí ser possível viajar com alguma segurança na estrada [alcatroada].

Conheci a estrada Xime, Bambadinca, Bafatá sempre alcatroada e certamente havia pouco tempo, uma vez que ainda não tinha "remendos" e estava em bom estado. Já bem depois do 25 de abril, fomos um dia a Pirada (???) apenas passear (os capitães conheciam-se). A estrada era toda alcatroada até Gabu.

2. Tenho um pequeno episódio passado na Ponta Coli depois de 25 de abril, com um destes autocarros carragados de "revolucionários de ocasião" e em que me vi perdido para evitar um catástrofe humana. 

Foram nitidamente ao Xime apenas para provocar os militares da CCaç 12, que eram fulas e anti-PAIGC. Eu estava de serviço na Ponta Coli, de segurança à estrada, com cerca de 10 homens. Não havia barco nesse dia, logo não havia justificação para o autocarro estar ali. O autocarro aproximou-se, reduziu a velocidade sem parar (felizmente), e a rapaziada "revolucionária" irrompeu das janelas com os maiores insultos e provocações aos militares da CCaç 12. Estes ficaram indignados e quiseram mesmo abrir fogo. 

O autocarro seguiu até ao Xime enquanto eu os tentei acalmar. Passado cerca de 15 a 20 minutos regressaram com os mesmos insultos e provocações. Passei por dificuldades ainda maiores, pois os meus homens quiseram abrir fogo de bazuca. Eu era o único branco que estava ali e por isso indiferente às rivalidades políticas dessa ocasião. Não sei como consegui acalmá-los. O autocarro aumentou de novo a velocidade. Tinham ido ao Xime apenas para provocar desordem. Estávamos em plena época revolucionária.

Foi por muito pouco que a situação não descambou para uma catástrofe.

Tenho mais fotos do Xime que em breve enviarei.

Um abraço, Sucena Rodrigues (**)

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 Notas do editor:

(*) Vd, poste de 25 de junho de  2015 > Guiné 63/74 - P14797: Memória dos lugares (294): O porto fluvial do Xime, no final da guerra (António Manuel Sucena Rodrigues, ex-fur mil, CCAÇ 12, Bambadinca e Xime, 1972/74)

4 comentários:

António Duarte disse...

Grandes "chapas" são estas pelo inédito. Eu saí do Xime em dezembro de 1973, e ainda não havia estas modernices....

Continua e abraços.
A Duarte

Fernando Gouveia disse...

Eu, em Abril de 1970, regressado de férias, fui num Unimog do Xime até Bambadica mas com um pelotão de picadores à frente...

Luís Graça disse...

Camarada da CCAÇ 12, Sucena Rodrigues:

Estas fotos são preciosas e deliciosas...Mas tens que fazer um esforço de memória: não podem ser de março de 1974... E mesmo abril de 1974 parece-me cedo... Em Bissau, os primeiros vivas ao 25 de Abril, ao MFA, ao Spínola, os primeiros abaixo a PIDE/DGS, as primeiras manifestações de regozijo "popular" (e já de contestação....) são de 27 de abril de 1974, se não erro, depois da prisão de Bettencourt Rodrigues em 26...

Mesmo que as notícias tenham chegado depressa a Bafatá, é preciso esperar mais uns tempos... Eu apontaria mais para maio/junho de 1974 o aparecimento dos autocarros... E já agora, de quem eram, estavam ao serviço de quem ?...

Mas parabéns pelo teu bom senso, lucidez e e disciplina como comandante da secção da CCAÇ 12!... Podia de facto ter acontecido uma tragédia em Ponta Coli!

Luís Graça disse...

António [Sucena Rodrigues]:

Sabes que não tenho a história da CCAÇ 12, posterior a março de 1971... Acho que ninguém deu continuidade ao trabalho feito por mim (elaboração da história da unidade desde a sua origem até fevereiro de 1971)... Pelo menos não há resgistos no Arquivo Historico-Militar.

Vou coligindo, entretanto, elementos da história dos diversos batalhões a que a nossa CCAÇ 12 esteve adida ( e nomeadamente, BCAÇ 2852, BART 2917, BART 3873, BCAÇ 4616/73, esta último de janeiro a agosto de 1974).

Mas falta-me sobretudo informação sobre os últimos tempos que antecederam a extinção da CCAÇ 12 (em agosto de 1974) e que coincide com a história do BCAÇ 4616/73... Sei que houve alguns problemas com a retração das NT e a desmobilização dos soldados e milícias, do recrutamento local, pertencentes ao setor L1 (Bambadinca) ... Houve inclusive uma grave rebelião em Bambadinca, que obrigou à intervenção pessoal do Carlos Fabião... Ainda não tive tempo de aprofundar este período (que conheço mal) e que se presta a intervenções inflamadas...

Conto muito contigo para colmatar estas lacunas... Um abraço. Luis