quarta-feira, 15 de julho de 2015

Guiné 63/74 - P14880: Os nossos seres, saberes e lazeres (106): Tomar à la minuta (8) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) com data de 12 de Junho de 2015:

Queridos amigos,
Onde vivo passa regularmente o comboio que vai ou vem do Entroncamento, tudo começou com o ramal da Lamarosa-Tomar, em 1928, e depois de mil peripécias de uma cidade pujante de agricultura e indústria insistir, décadas e décadas a fio, para que Lisboa lhe desse o necessário caminho-de-ferro.
Saio de casa e ali bem perto na Estrada de S. Lourenço ou do Padrão tenho belos monumentos maltratados e em espaços pouco amigáveis para uma visita com tempo, a velha estrada Real é bastante cruel com os pedestres, não se recomenda tais passeatas, o pedestre pode ser colhido mortalmente por veículos ligeiros ou pesados. É por aqui vamos agora passear, com a promessa de recomeçar na Mata Nacional dos Sete Montes.

Um abraço do
Mário


Tomar à la minuta (8)1

Beja Santos


Arnaldo C. Coelho, primo da minha tia-avó Lucília, envia-lhe notícias de Tomar no fim da monarquia, para o seguinte endereço, África Ocidental, Luanda, Lucala. Anos depois, em Malange, nasce a minha mãe. Guardo numa caixa de sapatos postais maravilhosos, desde esta época até aos anos 1930, uns dirigidos à menina Gigi, a minha mãe, outros para a minha avó, até em férias na Figueira da Foz, e até encontrei um postal endereçado à Rua Newton, Bairro Brás Simões, depois Bairro de Inglaterra, hoje integrado no Bairro das Colónias, onde eu nasci. Pais, irmãos, sobrinhos e primos, todos se correspondiam; e eu acabo por ser um felizardo, herdei bilhetes-postais de Tomar, com o convento, a Corredoura, os jardins da Avenida Marquês de Tomar, a Fábrica do Papel do Padro, este timbrado com um selo com a efígie do rei D. Carlos.



A epopeia do caminho-de-ferro chegar a Tomar começa na monarquia constitucional e conhece concretização em 1928, o caminho-de-ferro veio pela Lamarosa. Puseram-se inúmeras hipóteses: de Tomar pela Lousã, de Tomar pela Foz do Alge e Pedrógão, de Tomar por Dornes, de Tomar por Ourém, de Tomar por Torres Novas. Ganhou a ligação ao Entroncamento. A estação ferroviária de Tomar foi construída na Várzea Grande, após a decisão de construir o ramal Lamarosa-Tomar. Em Lucala, em Vila Salazar, em Malange, em Luanda, os meus avós iam conhecendo esta caminhada por bilhetes-postais, hoje assombrosos.


Pego no fio à meada de novo no aqueduto do Convento de Cristo, ou dos Pegões, Filipe I quis obsequiar o local onde foi coroado com uma conduta majestosa, é uma estrutura aparentada aos aquedutos de Elvas e Évora, temos aqui 6 quilómetros, 180 arcos de volta perfeita, 2 mães d’água. E quando o aqueduto desemboca no convento é num tanque de rega. As obras do aqueduto findaram em 1619. E agora desço até à estrada de S. Lourenço, ainda não falei das maravilhas próximas de onde habito.





Aqui ficam imagens da fonte de S. Lourenço, parte integrante do complexo de S. Lourenço, há a capela, o padrão e mais à frente temos outro padrão, o de D. Sebastião. Até às autoestradas e ao desafogo viário que leva até Coimbra e outras Beiras, esta era a estrada de Lisboa e seguramente um dos eixos fulcrais da circulação Norte-Sul. O que é deplorável é o abandono, o esquecimento, a degradação dos monumentos. Andar a pé aqui nas bermas correm-se riscos de vida, não são poucos os atropelamentos e estamos a falar da entrada de uma cidade, e estamos a falar de monumentos de grande carga simbólica. Compreende-se o carinho que merecem o Convento de Cristo e a sua charola, as muralhas do castelo, o centro histórico. Mas é inaceitável esta marginalização de monumentos indelevelmente ligados a um período áureo de Tomar.




Em 10 de Agosto de 1385, as hostes do Condestável D. Nuno Álvares Pereira e as do Mestre de Avis encontram-se aqui e depois marcham para Aljubarrota. Os reis da casa de Avis estreitarão laços com Tomar, logo D. Duarte e o Infante D. Henrique, regedor da Ordem de Cristo, vive perto da charola e ativa o Paço dos Estaus. Estamos portanto numa área nobre, a estrada de S. Lourenço ou do Padrão, foi sempre bastante arborizada, era um regalo para o olhar e para dar sombras frescas. O professor José-Augusto França acha que aqueles azulejos adossados à capela são coisa indecorosa. Falando por mim, acho-os enternecedores, é uma azulejaria inocente, e ainda por cima tem o condão de chamar à atenção para os automobilistas, é extremamente difícil parar aqui. E para visitar a capela tem que se contactar previamente o turismo.


Sigo agora de perto o que se escreve na brochura “Tomar: lugares e memórias”, que O Templário editou em Agosto de 2008. Aqui se diz que o denominado Padrão de D. Sebastião foi erguido em 1567 para comemorar a edificação e consolidação da estrada Real entre Lisboa e Porto. O monumento é formado por alto plinto retangular, na face virada para a estrada grava-se uma inscrição alusiva à sua edificação, e o latim trocado por miúdos reza: “O juiz de fora, tendo dado princípio a esta obra no reinado de D. Sebastião I, terminou-a ao largar o cargo no ano do nascimento de Cristo de 1567”. E a informação ainda diz que, sobre este pedestal, e tendo a separá-lo uma moldura, ergue-se o fuste escalonado, em forma de pirâmide, rematado por simples ábaco coroado de um pequeno coruchéu. É tempo de pôr os olhos em coisas da mãe natureza, até porque Tomar é pródiga em arvoredo e lazeres para os passantes. Há um parque inconfundível, à beira da encosta onde se assoma o castelo, a Mata Nacional dos Sete Montes, da Várzea Grande já falámos, mas a Várzea Pequena e o Mouchão têm estado silenciados. E estas belezas naturais dialogam com marcas de progresso industrial, a cidade teve saboarias, fiação, moagens. Há belos edifícios recuperados e que são contadores de História, são bem dignos de uma visita demorada, a partir dos Lagares d’El Rei.

(Continua)
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Nota do editor

1 - Vd. poste anterior de 8 de julho de 2015 > Guiné 63/74 - P14849: Os nossos seres, saberes e lazeres (104): Tomar à la minuta (7) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 11 de julho de 2015 > Guiné 63/74 - P14865: Os nossos seres, saberes e lazeres (105): Sou reformado a tempo inteiro, mas... nas horas vagas escrevo, pinto, aperfeiçoo o Inglês e sou secretário geral da Anetta – Associação Nacional das Empresas e Técnicos de Trabalhos em Altura (José Melo)

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