1. O nosso camarada Jorge Araújo (ex-Fur Mil Op Esp / Ranger, CART 3494, Xime e Mansambo, 1972/1974), a seguinte mensagem com data de 13JUL2015.
Camaradas,
A presente narrativa, bastante mais ligeira do que tem sido habitual, surge com o objectivo de ajudar a desvendar o mistério relacionado com o aparecimento de autocarros civis no Cais do Xime, nos anos de 1972 e 1974, quando aí estavam aquartelados os efectivos da CART 3494 e, depois, os da CCAÇ 12.
Ela acontece na medida em que, como sabem todos aqueles que estiveram instalados no aquartelamento aí existente [Xime], ou aqueles que por lá tiveram de passar rumo ao leste ou a Bissau [Cais], a distância entre ambos era curta, permitindo registar/gravar alguns factos.
Independentemente da distância, o que estava em causa na nossa missão era garantir, por todos os meios disponíveis, a segurança a esses dois pontos estratégicos, particularmente o Cais, local sujeito aos nossos olhares mais atentos.
Por via dessa responsabilidade, o Cais registava visitas constantes dos militares, sendo que aos domingos, o objectivo era mais lúdico, onde se batiam umas «chapas à civil» para se enviarem para a metrópole, como sinal de vida e, ainda, como meio terapêutico regulador da angústia, da saudade e do sofrimento familiar.
Para a história, aqui ficam mais estas curtas memórias desses tempos no CTIG.
AS FOLGAS NO COLECTIVO DA CART 3494 NO XIME
(OS PASSEIOS DE DOMINGO AO CAIS E OUTRAS ESCAPADELAS)
- De duplo efeito: consolação e alívio pessoal e meio de comunicação regulador da angústia, da saudade e do sofrimento familiar -
1.- INTRODUÇÃO
Não foi fácil chegar ao título e subtítulos destas curtas memórias relacionadas com a gestão dos diferentes tempos diários do contingente militar da CART 3494 nos primeiros treze meses da sua comissão ultramarina passados no Xime, entre 1972/1973, uma vez que o seu modelo e método utilizados estavam sempre dependentes da dinâmica do conflito, influenciando, de forma impiedosa, os desempenhos nas missões/acções delas emergentes e, naturalmente, o número de efectivos envolvidos.
Por via dessa dinâmica, e porque estamos de acordo com os teóricos da comunicação que defendem que o título do objecto [assunto] deve corresponder ao seu conteúdo, e vice-versa, eis então a justificação para essa dificuldade de partida, que tentámos superar.
Uma vez que toda a agenda de actividades era organizada a partir da interface entre diversos tempos: o tempo operacional contextualizado nas diversas missões/acções, o tempo social como meio de aprofundamento de valores, nomeadamente a partilha, a solidariedade e o companheirismo [que ainda hoje perduram, passadas que estão mais de quatro décadas], o tempo da escrita, do luto e da solidão, pela angústia, saudade e sofrimento familiar implícitos na distância e nas incertezas diárias de que se revestiam todas as nossas práticas, que nem sempre eram coincidentes entre os seus pares, e que ocorriam em momentos diferentes ao longo das vinte e quatro horas do dia.
Por isso, as “folgas ao domingo” é um conceito que não existe no quadro do conflito como foi aquele que experienciámos nos longínquos anos de 1972/1973, nas matas do Xime, ainda que o seu significado se refira a “espaço de tempo destinado ao descanso”. Mesmo assim, o colectivo conseguiu encontrar alguma consolação e alívio das pressões do seu quotidiano em actividades informais de lazer e/ou recreio.
Uma das principais consolações era a mudança de indumentária, trajando à civil sempre que era possível pendurar o camuflado. Era o que acontecia maioritariamente à noite, aquando do jantar. O outro dia era o domingo, independentemente de este ser igual a todos os restantes, onde as actividades operacionais marcavam a sua presença regular, com destaque para a já estafada referência à segurança da Ponta Coli e às embarcações no Geba.
Caso estivessem institucionalizadas as “folgas ao domingo”, então não estaríamos certamente numa guerra de guerrilha, a não ser que a quiséssemos ironizar plagiando o nosso grande humorista Raul Solnado (1929-2009) na sua “A História da Guerra de 1908 - … os domingos são para descanso”.
Para quem não conhece esta história ou a queira recordar, eis o seu endereço [www.youtube.com/watch?v=YnW4SvF8yYU].
Sempre que o tempo livre era desfrutado fora do aquartelamento, só existiam três locais possíveis: o Cais e o seu espaço envolvente, situado a duas centenas de metros e, naturalmente, percorridas a pé. Bambadinca e Bafatá eram as duas outras hipóteses, mas que implicavam recurso a transporte militar, e que se poderiam classificar de escapadelas.
Em função da situação geográfica do Aquartelamento do Xime, e para o competente enquadramento do texto, seleccionámos o conjunto de imagens que seguem.
2.- FOTOGALERIA
Foto 1. Cais do Xime – 1974. Imagem do camarada António Rodrigues [P14797-LG], com a devida vénia, tirada do Aquartelamento do Xime.
Foto 2. Cais do Xime -Jun/1972. Imagem do macaréu… um fenómeno da natureza que, diariamente, era observado com muita curiosidade e respeito, pelas razões que já são conhecidas.
Foto 3. Cais do Xime - Jun/1972. Margem esquerda do Rio Geba. Pontão e grua utilizada na colocação e retiro de objectos pesados nas/das embarcações civis.
Foto 4. Cais do Xime - Jun/1972. Estrada velha Xime-Bambadinca. Da esqª/ditª, os furriéis: Josué Chinelo (20.º Pel. Artª.), Carola Figueira, Jorge Araújo, António Carda e Mário Neves [substituto do camarada Manuel Bento, morto em combate].
Foto 5. Bafatá - Jun/1972. Café do Libanês. Da esqª/ditª, os furriéis: Carvalhido da Ponte, Sousa Pinto [1950-2012], Jorge Araújo, Mário Neves e Ferreira [motorista] e o Libanês (?).
2.1-QUANDO UM AUTOCARRO CIVIL ENCONTRADO NO CAIS DO XIME SE TRANSFORMOU EM ESPAÇO DE ANIMAÇÃO
No domingo 24SET1972, em novo passeio ao Cais do Xime, agora organizado por alguns dos elementos da equipa das “Transmissões”, foi encontrado um autocarro civil, para espanto dos presentes, sem motorista e sem passageiros.
Logo o mesmo foi tomado de assalto, com os operacionais a procederam à sua competente inspecção e a divertirem-se “à grande e à guineense” com os diferentes desempenhos e peripécias.
Com a narrativa deste episódio, para o qual contámos com a preciosíssima ajuda do camarada Sousa de Castro [fotos], pretendemos ainda desvendar o mistério dos autocarros que surgiram em 1974 no Cais do Xime e que suscitaram, também, muitas interrogações expressas nos textos publicados no blogue da «Tabanca Grande», como são os casos dos P14797-LG + P14810-LG + 14832-LG.
Foto 6. Cais do Xime – 24SET1972. O autocarro “apreendido” (a brincar) pelos operacionais das transmissões da CART 3494, sob o comando do Furriel Luís Domingues, à porta da frente.
Foto 7. Cais do Xime – 24SET1972. Consumada a apreensão, o grupo de oito elementos pousa para a posteridade. Da esqª/dtª. = Fur. Trms Luís Domingues; António Correia (electricista); Manuel Ramos (1.ºC ap.m’81 - 1950-2012); Rogério Silva (S Radiotelegrafista - 1950-2002); Pinóquio (Op. Cripto); José Vicente (S Trms Inf); Emílio Tojal (S Trms Inf); e, sentado, Sousa de Castro (1.ºC Radiotelegrafista).
Foto 8. Cais do Xime – 24SET1972. Com a situação controlada, cada elemento do grupo toma o seu lugar na protecção ao autocarro.
Foto 9. Cais do Xime – 24SET1972. O Sousa de Castro é nomeado para conduzir o veículo para lugar seguro.
Será que o autocarro “aprendido” pelos operacionais da CART 3494, em 24SET1972, é um dos que aparecem na foto abaixo do camarada António Rodrigues [furriel da CCAÇ 12] em 1974?
É difícil saber-se… na justa medida que não é possível comparar as fotos a preto e branco com as fotos a cores, a não ser que se conseguisse identificar a matrícula, o que não é o caso.
Eis uma história diferente (mais soft) passada no Xime em 1972 em que intervieram elementos da CART 3494.
Com um forte abraço de amizade.
Jorge Araújo.
Fur Mil Op Esp / Ranger, CART 3494
___________
Nota de M.R.:
Vd. Também o último poste desta série em:
10 DE JULHO DE 2015 > Guiné 63/74 - P14861: História da CART 3494 (8): O 1.º ano da CART 3494 no Xime (Janeiro de 1973 – mês de mais recordações) (Jorge Araújo)
3 comentários:
História intrigante, esta, a de um autocarro no Xime, aparentemente abandonado, junto ao cais, em setembro de 1972 !!!.... Reparem que até ao 25 de abril de 1974 ainda vai um ano e meio...
Seguramente que o veículo não era do PAIGC, mas deve haver uma explicação...Seria autocarro da administração de Bafatá ? Seria para transporte de gente VIP (por ex., peregrinos para Meca e Medina, a cargo do orçamento da província) ?...
No leste estava o grosso da população, nomeadamente os fulas, que apoiavam a política spinolista da "Guiné Melhor" e a mais hostil ao PAIGC... Teoricamente podiam vir autocarros do Senegal, e sabemos que podiam vir de Bissau, em LDG e na BOR...
Palpites e sobretudo pistas, precisam-se. Dão-se... alvíssaras!
Este autocarro apareceu no cais e deixaram-no aberto, não o vimos chegar, não forçamos a entrada, mas como chegou também saiu da mesma maneira, não sei se para além do condutor levou mais alguém. Esta "camioneta" também para nós causou estranheza, daí a curiosidade de o "assaltar"
A. Castro
Meu caro Jorge, uma das perversões daquela guerra era a perda da noção do tempo... Os dias de descanso não coincidiam com sábados, domingos, feriados... Como sabes, estive numa companhia de intervenção, ao serviço dos senhores da guerra de Bambadinca: apanhei dois batalhões, o BCAÇ 2852 (1968/70) e o BART 2917 (1970/71)... A atividade operacional era intensa, algum descanso acontecia quando se era destacado, a nível de seção (!) para alguma tabanca fula em autodefesa... A única escapadela era Bafatá... E ás vezes fazíamos aqui umas "noitadas" com as miúdas do Bataclã de Bafatá... A escapadela maior era Bissau, uma semaninha de desenfianço...
Tema que dá pano para mangas... Ab. Luis
Enviar um comentário