1ª página do "Diário de Lisboa", 26 de outubro de 1969, 4ª edição, a da noite. O título de caixa alta revela alguma euforia, própria de um jornal diário, conotado com a oposição, dando destaque, no próprio dia das eleições de 26/10/1969, à "grande afluência de votantes, considerada mesmo excecional em alguns pontos do País"... Pela primeira vez as mulheres, maiores ou emancipadas, sabendo ler e escrever, podiam votar, sem restrições, desde que recenseadas. No distrito de Lisboa, estavam recenseados mais de 350 mil eleitores. E pela primeira vez havia listas da oposição democrática em quase todos os distritos do país. Nas "províncias ultramarinas", penso que só existiam as listas da UN - União Nacional. (LG)
Cortesia da Fundação Mário Saoers | Casa Comum | Diário de Lisboa & Ruella Ramos Pasta: 06606.144.24135 Título: Diário de Lisboa. Número: 16829,.Ano: 49. Data: Domingo, 26 de Outubro de 1969.
Citação:
(1969), "Diário de Lisboa", nº 16829, Ano 49, Domingo, 26 de Outubro de 1969, CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_7627 (2017-1-20)
1. Às 00h15 de hoje, a 4 dias e meio de fecharmos o nosso inquérito desta semana, temos um já razoável número de respostas: 70. A tendência da votação dos nossos leitores mantém-se: mais de 2/3 da malta, da "nossa malta" (ex-combatentes da guerra colonial na Guiné), não estava inscrita dos cadernos eleitorais, não recebia o boletim de voto para votar e, portanto, também não votava...
Muitos de nós tínhamos idade (e demais condições) para votar nas eleições legislativas de 1969 e de 1973... Não falo já da anterior, 1965..., a primeira de que me lembro.
Um em cada dez de nós, mesmo recenseado, nunca votou antes do 25 de Abril, é uma das conclusões que já se pode tirar deste "inquérito de opinião".
A verdade é que, com a morte política de Salazar e a "primavera marcelista", houve uma onda de ar fresco que percorreu, saudavelmente, a sociedade portuguesa, ou pelo menos alguns dos segmentos da população mais esclarecida, informada e consciente das grandes mudanças que se estavam a operar (em Portugal e no mundo)... O país estava em guerra... lá longe, e essa realidade não chegava aos jornais, à televisão e à rádio... No entanto, o país dos 3 Fs (Fado, Futebol e Fátima) mexia como um vulcão adormecido...
A malta nova começou a interessar-se pela "coisa pública", pela política, ou mesmo é dizer, pelo exercício da cidadania, daí ter havido campanhas da(s) oposição(ões) democrática(s) para os portugueses se recensearem, nomeadamente nas cidades e vilas mais importantes...
A abertura política, com o marcelismo, era um incentivo à participação cívica, de há muito bloqueada com o salazarismo. Desde que se fosse cidadão português, maior (ou emancipado) e se soubesse ler e escrever, qualquer um, homem ou mulher, podia doravante inscrever-se no recenseamento. "Bastava", para tanto, fazer um requerimento, em papel comum, de 25 linhas, dirigido ao presidente da comissão de recenseamento eleitoral do concelho (ou bairro) de residência...
Mas foi sol de pouca dura, mesmo que em 26/10/1969 tenham sido eleitos alguns deputados reformistas que irão constituir a "ala liberal" da União Nacional (rebatizada logo a seguir, em 1970, como ANP - Acção Nacional Popular), na Assembleia Nacional, entrando em choque com os ultraconservadores, como o Casal Ribeiro, por exemplo.
A "questão do ultramar" foi, de resto, um dos temas fracturantes da campanha eleitoral. Alguns cartazes de propaganda da União Nacional são, a esse respeito, elucidativos:
(i) "Portugal repudia o abandono do Ultramar apoiando os que defendem a integridade da Pátria. Vote na acção de Marcello Caetano, vote na lista da UN";
(ii) "Mulheres, mães de Portugal dizei não aos que querem vender o nosso ultramar"...
2. O que me surpreende, na resposta ao nosso inquérito desta semana, a avaliar pelos resultados preliminares, é a proporção de malta que estava recenseada (24%)...
Se calhar, o processo era também feito por "via administrativa", já não me recordo bem: os funcionários públicos e os militares do QP [, Quadro Permanente,], pelo menos, deviam ser inscritos "automaticamente"... Seria assim?
Tanto quanto me lembro, eu inscrevi-me na comissão de recenseamento eleitoral concelhia, que funcionava, se não erro, na câmara municipal, com 21 anos, em 1968, antes de ser chamado para a tropa e depois mobilizado para a Guiné, com 22 anos...
Daí ter recebido o boletim de voto em Bambadinca, para votar em 26/10/1969... É verdade, o "patrão" sabia onde eu estava... E a lei "cumpria-se" naquele tempo... Os burocratas lá encaminharam o meu boletim de voto, que deve ter andado uns bons quilómetros até chegar ao meu SPM, o pioneiro código postal militar!... Não faço ideia onde foi impresso o boletim, se em Lisboa, se em Bissau...
Eis a desagregação das 70 respostas (resultados preliminares, às 00h15 do dia 20/1/2017):
A verdade é que, com a morte política de Salazar e a "primavera marcelista", houve uma onda de ar fresco que percorreu, saudavelmente, a sociedade portuguesa, ou pelo menos alguns dos segmentos da população mais esclarecida, informada e consciente das grandes mudanças que se estavam a operar (em Portugal e no mundo)... O país estava em guerra... lá longe, e essa realidade não chegava aos jornais, à televisão e à rádio... No entanto, o país dos 3 Fs (Fado, Futebol e Fátima) mexia como um vulcão adormecido...
A malta nova começou a interessar-se pela "coisa pública", pela política, ou mesmo é dizer, pelo exercício da cidadania, daí ter havido campanhas da(s) oposição(ões) democrática(s) para os portugueses se recensearem, nomeadamente nas cidades e vilas mais importantes...
A abertura política, com o marcelismo, era um incentivo à participação cívica, de há muito bloqueada com o salazarismo. Desde que se fosse cidadão português, maior (ou emancipado) e se soubesse ler e escrever, qualquer um, homem ou mulher, podia doravante inscrever-se no recenseamento. "Bastava", para tanto, fazer um requerimento, em papel comum, de 25 linhas, dirigido ao presidente da comissão de recenseamento eleitoral do concelho (ou bairro) de residência...
Mas foi sol de pouca dura, mesmo que em 26/10/1969 tenham sido eleitos alguns deputados reformistas que irão constituir a "ala liberal" da União Nacional (rebatizada logo a seguir, em 1970, como ANP - Acção Nacional Popular), na Assembleia Nacional, entrando em choque com os ultraconservadores, como o Casal Ribeiro, por exemplo.
A "questão do ultramar" foi, de resto, um dos temas fracturantes da campanha eleitoral. Alguns cartazes de propaganda da União Nacional são, a esse respeito, elucidativos:
(i) "Portugal repudia o abandono do Ultramar apoiando os que defendem a integridade da Pátria. Vote na acção de Marcello Caetano, vote na lista da UN";
(ii) "Mulheres, mães de Portugal dizei não aos que querem vender o nosso ultramar"...
2. O que me surpreende, na resposta ao nosso inquérito desta semana, a avaliar pelos resultados preliminares, é a proporção de malta que estava recenseada (24%)...
Se calhar, o processo era também feito por "via administrativa", já não me recordo bem: os funcionários públicos e os militares do QP [, Quadro Permanente,], pelo menos, deviam ser inscritos "automaticamente"... Seria assim?
Tanto quanto me lembro, eu inscrevi-me na comissão de recenseamento eleitoral concelhia, que funcionava, se não erro, na câmara municipal, com 21 anos, em 1968, antes de ser chamado para a tropa e depois mobilizado para a Guiné, com 22 anos...
Daí ter recebido o boletim de voto em Bambadinca, para votar em 26/10/1969... É verdade, o "patrão" sabia onde eu estava... E a lei "cumpria-se" naquele tempo... Os burocratas lá encaminharam o meu boletim de voto, que deve ter andado uns bons quilómetros até chegar ao meu SPM, o pioneiro código postal militar!... Não faço ideia onde foi impresso o boletim, se em Lisboa, se em Bissau...
Eis a desagregação das 70 respostas (resultados preliminares, às 00h15 do dia 20/1/2017):
1. Não estava recenseado, pelo que nunca votei > 48 (68%)
2. Estava recenseado, mas nunca votei > 7 (10%)
3. Estava recenseado e votei, pelo menos uma vez > 10 (14%)
4. Não sei / não me lembro > 5 (7%)
Total de respostas (provisórias) > 70 (100%)
II. Espero que apareçam mais relatos sobre o que se passava a nível de companhia no que diz respeito à participação dos militares nas eleições legislativas...
Até agora só se falou de duas companhias africanas: a CCAÇ 12 (Bambadinca, 1969/71) e a CCAÇ 5 (Canjadude, 1968/70)... Na CCAÇ 12, havia 3 inscritos; na CCAÇ 5, nenhum... Mas estas companhias tinham um número reduzido de pessoal metropolitano (só os graduados e os especialistas, cerca de 1/3 do total, sendo as praças oriundas do recrutamento local)...
Esperamos também às 100 respostas, na terça-feira, dia 24, até às 11h34.
________________
Até agora só se falou de duas companhias africanas: a CCAÇ 12 (Bambadinca, 1969/71) e a CCAÇ 5 (Canjadude, 1968/70)... Na CCAÇ 12, havia 3 inscritos; na CCAÇ 5, nenhum... Mas estas companhias tinham um número reduzido de pessoal metropolitano (só os graduados e os especialistas, cerca de 1/3 do total, sendo as praças oriundas do recrutamento local)...
Esperamos também às 100 respostas, na terça-feira, dia 24, até às 11h34.
1ª página do Diário de Lisboa, 29 de outubro de 1973, no dia seguinte
à realização das eleições para a XI Legislatura da Assembelia Nacional. A única lista candidata foi a da ANP - Acção Nacional Popular. As oposições retiram-se. O tom do jornal já não é de euforia... O regime endureceu e a repressão abateu-se sobre as oposições... (LG)
Cortesia da Fundação Mário Saoers | Casa Comum | Diário de Lisboa & Ruella Ramos
Pasta: 06819.169.26526 | Título: Diário de Lisboa. Número: 18265,.Ano: 53. Data: Segunda, 29 de Outubro de 1973.
Citação:
(1973), "Diário de Lisboa", nº 18265, Ano 53, Segunda, 29 de Outubro de 1973, CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_5340 (2017-1-20)
Nota do editor:
7 comentários:
Em 2015, estavam recenseados 9,4 milhões de eleitores (4,5 milhões de homens, 4,9 milhões de mulheres)... Em 1973, o total de recenseados era de cerca de 1,8 milhões... De 1969 a 1973, cresceu muito pouco... A malta estava-se marimbando para a política e o poder estava-se marimbando para o cidadão...
É verdade que só podiam votar os maior idade (21 anos) ou emancipados, o que excluía uma boa parte do pessoal que estava a cumprir o serviço militar... Não sei se nos quartéis também se fazia o recenseamento eleitoral, mas não me parece... A base era a freguesia ou o concelho de residência...
Olá Luís que tenhas uma boa noite,
Eu,obviamente, não tinha direito a votar. Razões de ordem pesoal fazem-me ser lacónico.
Recordo esse "acontecimento eleitoral" pois recebia a Vida Mundial e, quando havia colagem recebia a Time ou NewesWeeek (se não erro), a "alertar" qualquer envio. Bons tempos e, mesmo lá sabia alguma novidade.
Quando das Eleições estava destacado em Candamã e Áfia. Substituiram-me a meia dúzia de homens do meu Grupo que iam votar. Eles sempre me perguntaram quem era o snr James Pinto Bull...eu dizia que era bom eles sairem dali por dois ou três dias. Era lugar quente. Estiveste lá depois do ataque de fins de Jul/69 e viste a brutalidade...creio que tenho isto em escrito publicado no blog. Recordo agora e estou a sorrir. Quando fomos para la creio que finais de Set/69 fizemos 5 ou6 fornilhos a rodearem cerca de metade de Candamã. Disparo eléctrico e os 5 ou 6,numerados, vinham para o meu abrigo e três iam também para o Fur, Rei. Foi carga a demais e um raio de forte trovoada accionou aquela marmelada em simultâneo...nunca tinha ouvido tamanho estrndo...á cautela agarramos em armas etc. Felizmente só o rádio ficou preto, as granadas da bazuka estavam demasiado encharcadas e não rebentaram. Ficaram dois ou tres militares atordoados e,o mais grave,era o "cozinheiro". Depois de duas colheradas de azeite e um forte apertão estomacal vomitou bastante chispe de porco holandes e recuperou...vidas...
Só Votei em 1975 e estava bastante nervoso. Votei no mesmo Partido onde hoje voto. Infelizmente este Mundo ainda está uma trampa e custa a "endireitar"... um dia melhora.
Abração T.
Obrigadop, Torcato... Deixa-me fazer as contas: se tinhas seis homens do teu pelotão com direito de voto, são 20% do total...Está dentro da média... Na minha companhia, a CCAÇ 2590 /& CCAÇ 12 (reduzida a 60, já que "os guineenses não contavam para esta guerra"...) só contei 3 recenseados (5% do total)...
Candamã e Afiá?... Se me lembro!...
Luís Graça
O primeiro ano em que votei foi em 1956, (tinha 18 anos) no General Humberto Delgado. Daí até hoje, exerci sempre esse direito (que também considero dever de cidadania).
Um Abç.
Camarada João Sacoto. Fiquei com uma dúvida, as eleições presidenciais em que participou o Gen Humberto Delgado, não foram em 1958?
Abraço
Carlos Vinhal
As minhas desculpas.
Fiz alguma confusão. Essas eleições estão muito na minha memória por terem correspondido ao meu primeiro acto eleitoral. Foram realmente em 1958 a 8 de junho, dia em que eu comemorei os meus 20 anos e pude votar, por ter sido emancipado em 1956, (daí a confusão) aos 18 anos.
Um abraço,
JS
João Gabriel Sacôto Martins Fernandes
21 jan 2017 10:17
Luis:
A propósito da sondagem sobre recenseamento e votações, em abono da VERDADE, por dever de cidadania, todos os maiores de 21 anos e os emancipados (18 anos), deveriam recensear-se ( as capacidades informáticas são recentes) cabia a cada um minimamente responsável, fazê-lo.
Enviar um comentário