quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017

Guiné 61/74 - P17011: Os nossos seres, saberes e lazeres (197): Pelos caminhos de Trancoso até chegar a Foz Côa (2) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) com data de 15 de Setembro de 2016:


Queridos amigos,
Tratava-se de sair de Pedrógão Pequeno e viajar até aos castelos históricos da Beira Alta, primeira paragem em Trancoso para rever um grande amigo, a etapa seguinte era Foz Côa. Tudo na última semana de Julho de 2016, com temperaturas elevadíssimas e uma criança de 5 anos e meio a bordo, por sinal bem conformada.
Inesquecíveis castelos, inesquecível museu de Foz Côa, inesquecíveis trilhos do Alto Douro vinhateiro, com uma passagem muito feliz por esse esplêndido museu do Douro. E lá se apontou para o Porto, uma velha amizade, um antigo comandante da Guiné, fazia 90 anos, a família fez-lhe uma linda festa, almoçamos os dois e rememoramos, mais divertidos que agastados, aquelas ásperas experiências que tudo mudaram nas nossas vidas.

Um abraço do
Mário


Pelos caminhos de Trancoso até chegar a Foz Côa (2)

Beja Santos

A estadia em Foz Côa previa um passeio local, incluindo o Parque Arqueológico do Vale do Côa, o Castelo de Numão e de Freixo de Numão, o deslumbramento daquelas paisagens de montes pintados ou livros abertos e depois o Museu do Côa, remate antes da viagem até à Régua, a travessia do Douro, depois a cidade do Porto. A meteorologia alterou tudo, era um calor incendiário que nem a uma garrafa de litro e meio de água na mão de cada um apaziguava. Havia que tomar decisões, escolheu-se o Museu do Côa, ganhámos todos.



Viaja-se por uma paisagem árida, aterra-se num parque de estacionamento em frente a uma construção monumental, um bloco de linhas puras com uma frecha por onde o viajante entra e sai, faz parte de uma inserção paisagística a todos os títulos impressionante. O que aqui viemos visitar é o cadinho museológico e museográfico da arte rupestre do paleolítico superior que uns senhores da UNESCO exararam em acta: “A arte do vale do Côa é uma ilustração excecional do desenvolvimento repentino do génio criador, na alvorada do desenvolvimento cultural humano”. Aqui estamos, para exultar esse primeiro antepassado da humanidade".



Tem o viajante sido cumulado de benefícios espirituais em diferentes museus onde assenta os pés. Para que conste, este é um assombro que enche de orgulho a alma portuguesa. Tudo bem organizado em salas, gigantes, cavernosas, como se andássemos nas ramificações do parque, talvez mesmo na Canada do Inferno. Na sala que funciona como apresentação, somos informados das principais localizações desta arte no Côa, temos aqui o itinerário de 25 mil anos de iniciação estética.



O viajante obtém imensa informação, às vezes pensa que entrou num romance de ficção científica, fala-se da evolução do planeta Terra e da especificidade destes vales protegidos do Côa onde habitaram grandes herbívoros, auroques e cavalos, dão-se explicações para esta arte paleolítica, depois mergulhamos num género de santuário, assistimos a projeções de conjuntos magníficos entre a Penascosa e a Quinta da Barca, fazem-se comentários e a gente apreende: a invenção do movimento numa única figura; a sobreposição intencional de figuras, temos à vista réplicas, caso da cabra pirenaica com duas cabeças, aqui e acolá vemos placas de pedra decoradas com finas incisões de animais e até temos possibilidade de vermos indicados na Península Ibérica outros lugares aparentados, mas nada com este volume e com tanta direções da inspiração deste senhor, o tal primeiro antepassado da humanidade.


Tudo isto é uma história interminável, se estamos no paleolítico superior com milhares de manifestações daqui caminhamos para a Arte Pós-paleolítica, é uma caminhada até à arte das sociedades guerreiras da Idade do Ferro


Nem tudo fica dilucidado, há mistérios que enxameiam tudo este período da pré-história. E assim se acaba numa sala onde se celebra uma arte sem tempo. Por convite do museu do Côa, Alberto Carneiro expõe aqui uma escultura que se desenvolve como uma mandala sobre um castanheiro e cujos quadrantes correspondem a relações entre Arte-Vida/Natureza-Cultura. Sai-se do museu do Côa não às arrecuas mas impantes de orgulho como fazemos bem a preservação deste património mundial. Inesquecível.



De Foz Côa desce-se ao Pocinho, vamos apanhar o comboio para Peso da Régua, viagem deslumbrante, em paralelo com as sinuosidades do Douro, não fosse este calor sem trambelho e até se captaria umas imagens, optou-se por guardar na retina os socalcos, as reentrâncias, as penedias e penhascos. Chegou-se a Peso da Régua e até o chão fervia, lá se encontrou um tasco com refrigério, deu gosto ver a Benedita a derrubar a vitela estufada. E seguimos para o museu do Douro, outro relicário com muitas perdas preciosas. Não conheço maior hino à alegria da saga vinhateira do que esta mostra, exibem-se usos e costumes, as fainas de todo o ano, há fotografias comoventes de trabalhos épicos para que aquele vinho viaje para todas as partidas do mundo. Abençoada a ideia de aqui vir. É museu moderno que conserva os diferentes materiais desta economia, desta sociedade, desta cultura. E a loja do museu satisfaz o curioso mais exigente, parece que convocaram tudo o que de essencial tem sido escrito e publicado sobre o Douro.
A viagem prossegue, é um regresso até ao Pocinho, depois há que acalmar a fome, descansar e amanhã retomar a viagem, ver mais montes pintados e avançar garbosamente para a Invicta. Depois o viajante separa-se da sua comitiva, vai participar na festa de um seu antigo comandante na Guiné que festeja 90 anos. Outro dia memorável, e à noite regressa-se a Lisboa.
Até à próxima!
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Nota do editor

Último poste da série de 25 de janeiro de 2017 > Guiné 61/74 - P16985: Os nossos seres, saberes e lazeres (196): Pelos caminhos de Trancoso até chegar a Foz Côa (1) (Mário Beja Santos)

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