domingo, 26 de março de 2017

Guiné 61/74 - P17180: In memoriam (281): João Vieira de Melo, 1.º Cabo Auxiliar de Enfermeiro da CCAV 1485, falecido, vítima de ferimentos recebidos em combate, no dia 20 de Fevereiro de 1966, um herói limiano que tarda em ser homenageado (Mário Beja Santos / Mário Leitão)

João Vieira de Melo. Na Recruta e como 1.º Cabo Aux Enf
Fotos editadas por CV

Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 13 de Março de 2017:

Queridos amigos,
Ao contrário do que muitas vezes se ouve dizer, há heróis por quem se luta e cujo o nome se pretende ver plasmado no nome de uma rua ou uma instituição, por exemplo.
Mário Leitão tem me dado ajudas, diretas e indiretas. Foi graças a ele que conheci aquele militar que viu a sublevação no sul da Guiné, ao longo do segundo semestre de 1962, na região de Fulacunda, e que finda a sua comissão foi chefe de posto na região de Bissorã, assistiu, de 1963 para 1964, à escalada da guerrilha, é um testemunho iniludível.
A sua investigação é altamente meritória, li esta página a um limiano cego, ele prontamente ma deu para aqui dela dar notícia, a memória de João Vieira de Melo deve ficar entre nós, é mais um herói do nosso blogue.

Um abraço do
Mário


João Vieira de Melo, herói limiano

Beja Santos

Leio regularmente jornais, revistas e livros a um grande amigo que é cego. Ele é natural de Ponte de Lima, e por essa razão todas as semanas lhe leio o Aurora do Lima e o Cardeal Saraiva.

No Cardeal Saraiva de 2 de Março, o colaborador Mário Leitão[1] [foto abaixo], um farmacêutico reformado que coopera com a Liga dos Combatentes e procede ao levantamento exaustivo de todos os limianos que participaram na guerra, escreveu um artigo titulado “João Vieira de Melo[2], exemplo de herói”.

Queixa-se da indiferença limiana quanto à exaltação das memórias daqueles combatentes que caíram em combate, recordando por exemplo que Ponte de Lima deu à pátria 20 filhos que morreram na hecatombe de La Lys e outros 52 nas três frentes da guerra de África. E a tal propósito que escreve:

“Hoje quero apresentar-vos um dos maiores heróis limianos de todos os tempos, chamado João Vieira de Melo, natural do lugar de Crasto, da freguesia de S. João de Ribeira. Este jovem agricultor foi abatido em combate na Guiné com apenas 21 anos de idade e em circunstâncias verdadeiramente heróicas, sendo de imediato evacuado para Lisboa, onde falecia alguns dias depois. Era 1.º Cabo Auxiliar de Enfermeiro da CCAV 1485[3], integrada no BCAV 1987, que chegou a Bissau em finais de Outubro de 1965. Pouco antes de completar quatro meses de comissão, fez parte dos dois grupos de combate que a sua unidade enviou para a operação "Falcão II", iniciado no dia 13 de Fevereiro na região de Susana, onde o inimigo construíra um forte acampamento com abrigos contra morteiro e aviação, na orla da mata de Cassum. O numeroso grupo inimigo que os emboscou vinha bem equipado, causou cinco mortos e três feridos às nossas tropas. Por impossibilidade absoluta de serem recolhidos, ficaram no local os corpos de um 1.º cabo de um soldado. Três feridos graves foram evacuados para Bissau, dois deles faleceram horas depois.
O ato de supremo heroísmo assumido pelo Cabo Melo está descrito no louvor póstumo concedido em Julho pelo Comandante-Chefe das Forças Armadas da Guiné, e na ordem de serviço que em Setembro lhe concedeu a Cruz de Guerra de 4.ª Classe:
‘… atingido com gravidade numa fase inicial do combate, não hesitou em arrastar-se para o local onde o fogo inimigo era mais intenso, ao saber que naquela zona havia outros feridos que necessitavam de receber tratamento, sendo atingido mortalmente quando prestava assistência aos seus camaradas’.
A investigação realizada 50 anos depois junto de alguns dos seus camaradas permite-me observar com mais clareza o cenário: o jovem João de Melo não pensou em si, nem no amor a seus pais, nem no amor aos sete irmãos. Com uma bola nas costas, em vez de se proteger de trás de uma árvore, deitou-se no chão, e com a arma da mão direita e com a sacola de enfermeiro na mão esquerda, rastejou até à zona de morte. Junto do primeiro camarada que estava a socorrer, foi abatido com um tiro no crânio. Os camaradas testemunharam o seu excecional espírito de abnegação e camaradagem, e as extraordinárias qualidades de coragem, sangue-frio e serena calma debaixo de fogo”.

E Mário Leitão queixa-se amargamente:
“Já aqui protestei por não haver um monumento com os nomes dos 20 heróis limianos da Flandres, fazendo-me pensar que a comemoração do centenário da Grande Guerra, em terras de D. Teresa, foi uma grandessíssima treta, limitada a colóquios e exposições muito válidas, mas sem consequência duradoura: a perpetuação das entidades dos nossos soldados de então. Quando ao Primeiro-Cabo João Vieira de Melo, na perspetiva mais que anunciada que o executivo municipal não vai ligar patavina ao assunto, apelo à Junta de Freguesia da Ribeira para que coloque o seu nome na toponímia local. Temos muitos heróis no nosso concelho, mas o Cabo Melo está no topo da pirâmide!”.

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Notas do editor:
[1] - Mário Leitão foi Furriel Miliciano na Farmácia Militar de Luanda, delegação n.º 11 do LMPQF - Laboratório Militar de Produtos Químicos e Farmacêuticos, Angola, 1971/73.
[2] - João Vieira de Melo, 1.º Cabo Auxiliar de Enfermeiro da CCAV 1485, natural da freguesia de Ribeira, concelho de Ponte de Lima, foi ferido em combate em Susana no dia 13 de Fevereiro de 1965, falecendo no HMP - Lisboa, em 20 do mesmo mês. Está sepultado no cemitério de S. João da Madeira.
[3] - A CCAV 1485 era uma Companhia independente que chegou ao CTIG em 26OUT65 e regressou à Metrópole em 27JUL67. Do BCAV 1987 (Guiné, 29OUT66/02AGO68) faziam parte, além da CCS, as CCAVs 1615; 1616 e 1617
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Nota do editor

Último poste da série de 21 de março de 2017 > Guiné 61/74 - P17166: In memoriam (280): Manuel Fernandes Oliveira, ex-sold aux coz, CART 2716 / BART 2917 (Xitole, 1970/72): o funeral é amanhã,. 22 de março, 16h30,. em Serzedelo, Vila Nova de Famalicão

3 comentários:

Manuel OLIVEIRA PEREIRA disse...

Como limiano, como ex-combatente na Guiné, como morador na freguesia da Ribeira (Ponte de Lima) e em memória a João de Melo, irei junto de quem de direito, "forçar" a justa homenagem a este conterrâneo para que a mesma perdure (simbolicamente) para os vindouros.

Manuel OLIVEIRA PEREIRA

Mário Leitão disse...

Obrigado, Beja Santos e editores de LG, pela divulgação da crónica sobre João de Melo! Um abraço a todos vós e, mais uma vez, as minhas sinceras felicitações pelo vosso gigantesco trabalho!
Ao meu conterrâneo Manuel Oliveira Pereira solicito o favor de me contactar, a fim de eu ajudar de algum modo à perpetuação da memória desse Herói Limiano.
Obrigado a todos e um grande abraço!
Mário Leitão

Manuel OLIVEIRA PEREIRA disse...

Caro Mário Leitão, as minhas saudações. Quanto a contatos comece por usar o seguinte e-mail: juris.mpereira@gmail.com e logo terá o nº. de telemovel.

Abraço,

Manuel OLIVEIRA PEREIRA