1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 5 de Janeiro de 2016:
Queridos amigos,
Enfronhado que ando a consultar a documentação possível
referente ao consulado de Luís Cabral (1974-1980), no CIDAC, dei com estes
artigo de 2007, que me pareceu um excelente trabalho, uma referência segura
para o drama em que tem vivido a Guiné-Bissau.
A situação exacerbou-se em
2012, António Indjai capitaneou um golpe de Estado militar, temia que a
reforma das Forças Armadas subtraísse às figuras de topo a capacidade de
enriquecer com o negócio da droga. Tudo leva a querer que o atual Presidente
da República está a conseguir encostar os narcotraficantes à parede, a
detenção pelos norte-americanos de Bubo Na Tchuto foi percebida como um
cerco àquilo que era, verdadeiramente, um negócio impune.
Um abraço do
Mário
Cocaína e golpe de Estado, fantasmas de uma nação amordaçada
Beja Santos
Trata-se de um trabalho jornalístico que veio publicado na conceituada revista Reporters sans fronteires, Paris, número de Novembro de 2007.
Diz o articulista que Bissau, a capital de um pequeno país africano, com uma superfície pouco maior do que a Bélgica, é uma cidade desfalecida e obsoleta, uma antiga praça portuguesa que se vai desagregando ano após ano.
Uma estranha placidez reina na cidade, mas toda a gente só fala do narcotráfico, que devora o país como um cancro. E observa que há duas Guiné-Bissau. Aquela que começa no Aeroporto Osvaldo Vieira, com os seus táxis em ruína e pejada de comércio informal, dirigida por um governo sem meios. E a outra, que está debaixo de observação pela Interpol. Fala-se abertamente dos colombianos que guiam os mais modernos modelos da Jaguar e dos militares que ostentam telemóveis que custam mil dólares. Fala-se das entregas noturnas de toneladas de cocaína por aviões clandestinos que aterram na selva, particularmente nos Bijagós. Toda a gente sabe qualquer coisa mas ninguém diz nada.
Os jornalistas guineenses que pretendam levar as suas investigações a fundo, todos, sem exceção, passam por grandes dissabores. Alguns deles têm mesmo que se exilar. Allen Ieró Embaló, considerado o melhor jornalista do país, foi forçado a exilar-se por ordem de Bubo Na Tchuto, Chefe de Estado-Maior da Armada. Em 24 de Junho de 2007 homens armados entraram-lhe em casa e vasculharam-lhe tudo e apreenderam-lhe os apontamentos, o computador, a câmara e um pacote de fotografias. O jornalista queixou-se ao comissariado de Bissau, que não lhe deu seguimento. As ameaças continuaram e o jornalista enviou a família para Dakar e deixou discretamente o país. O ano 2007, de resto, foi um dos mais crispados para os jornalistas do país. O caso Mário Sá Gomes, figura emblemática da Liga Guineense dos Direitos Humanos, fez temer a erupção de novos perigos numa altura em que se tratava abertamente a Guiné por Narco-Estado. Pela rádio, Sá Gomes disse que o Presidente da República devia mandar prender Batista Tagme Na Waie, Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, e operar uma mudança profunda nas fileiras militares. Este general perdera totalmente o controlo dos diferentes ramos das Forças Armadas depois das altas patentes se terem enriquecido com a venda da droga. Nino Vieira, dizia-se, estava prisioneiro dos militares. Tagme Na Waie ficou furioso com as declarações de Sá Gomes, mandou prendê-lo, Sá Gomes refugiou-se no edifício das Nações Unidas em Bissau, de onde só saiu depois de ter negociado garantias com os militares que iriam deixar em paz o jornalista.
A Guiné-Bissau é um país desprovido de uma administração, com um sistema judiciário inoperante em que as prisões são células exíguas, em que se pode ser preso nas casernas militares, fora de todo o controlo do poder judicial.
Estas mesmas peripécias de detenção veio a sofrer o jornalista Alberto Dabo, correspondente guineense da agência Reuters. Publicara no Diário de Notícias um artigo em que se citava, extraído da revista Time, os nomes de militares corruptos, foi o suficiente para ser ameaçado de prisão.
O diretor nacional da Interpol reconhecia publicamente haver altos responsáveis guineenses que faziam negócios com os narcotraficantes.
Segundo Agnello Regala, diretor da rádio Bombolom, “nós vivemos ao mesmo tempo livres e oprimidos. Parece-me que o pessoal político e militar tem medo dos órgãos de comunicação social”. Fafali Koudawo, diretor do hebdomadário Kansaré, evoca as ameaças permanentes dos militares, vive-se uma impunidade total. Com salários próximos dos 50 euros mensais, os jornalistas não querem imitar os heróis. Porquê arriscar a pele quando um quilograma de cocaína pode dar para comprar um Mercedes?
Lucinda Gomes Barbosa Aucarie, Diretora da Polícia Judiciária, queixa-se da falta de cooperação das autoridades colombianas. Em Agosto de 2007, dois colombianos forma detidos na posse de 95 mil euros, 1,5 milhões de francos CFA, duas granadas, uma pistola, uma AK-47, Pablo Camacho e Luís Fernando Ortega Mejia saíram da cadeia, pouco depois, com uma caução de 23 mil euros. Em Abril de 2007, o capitão Rui Na Flack e o alferes Augusto Armando Balanta foram detidos na posse de 635 quilos de cocaína. Autoinvestido misteriosamente de poder judiciários, o general Tagme Na Waie mandou-os libertar. Agnello Regala observa que o combate ao narcotráfico através dos meios de comunicação social exige três elementos indispensáveis: sensibilizar a opinião pública para os perigos do tráfico da cocaína; jornalistas mais motivados para a condução de investigações mais rigorosas, criar condições de trabalho decentes a todos aqueles que estão envolvidos na denúncia e criminalização do narcotráfico.
Ano após ano, a situação do narcotráfico na Guiné tornou-se insustentável. Em Julho de 2010, os EUA anunciaram no Conselho de Segurança das Nações Unidas que iriam impor sanções contra os narcotraficantes da Guiné-Bissau, tinham decretado em Abril a detenção de Bubo Na Tchuto e do general Ibraima Papa Camará. Nessa altura, o presidente Malem Bacai Sanhá declarou que o país “não é a propriedade privada dos militares” e que “a Guiné não pode ficar para sempre refém das Forças Armadas, está cansada de sobressaltos”, fez estas declarações diante do Primeiro-Ministro Carlos Gomes Júnior e o Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, António Indjai.
A Guiné-Bissau era tida, nessa altura, pela Autoridade Internacional de Estupefacientes como uma grande plataforma para o narcotráfico que percorre a África Ocidental, não estão imunes a Guiné Conacri, o Senegal e o Mali. As Nações Unidas calculavam que a cocaína que entrava mensalmente na Guiné correspondia ao PIB anual de 240 milhões de euros.
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Nota do editor
Último poste da série de 24 de março de 2017 > Guiné 61/74 - P17175: Notas de leitura (940): “Capital Mueda”, de Jorge Ribeiro, Campo das Letras, 2003 (Mário Beja Santos)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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1 comentário:
A francofonia envolvente só vai parar com a desestabilização da Guiné Bissau quando esta for dividida a meias, com a Guiné e Casamance e ainda terá que sobrar um pouquinho para a Gâmbia.
As fronteiras geográficas ali contam por enquanto, até quando?
É que as fronteiras humanas nunca existiram.
Principalmente quando os estudantes do império criaram ilusões...começaram-se a contar os dias do fim!
Nós até já mandamos tugas comandos para a República Centro Africana, mas aqui estamos proibidos de tornar a colonizar, foi irreversível.
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