Samtarérm > Escola Prática de Cavalaria > Abril 1971. Junto à entrada da EPC, o Augusto Silva Santos, ladeado pelos camaradas Lúcio e Miguel Ângelo.
Foto (e legenda): © Augusto Silva Santos (2014). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
O DIA EM QUE ENTREI PRÁ TROPA
por Valdemar Queiroz
[, ex-fur mil, CART 2479 / CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70]
Quem, de nós, não se lembra do dia em que entrou prá tropa?
Eu lembro-me. Faz agora 50 anos.
Foi no dia 10 de Julho de 1967, na Escola Prática de Cavalaria, em Santarém, para o CSM [, Curso de Sargentos Milicanos]. Já tinha 22 anos e, até hoje, não sei a razão por ter sido chamado tão tarde.
Tinha estado, uns dias antes, na Portugália, em Lisboa, a jantar ou, melhor, a comer o bife ‘à Portugália’ com um amigo que ia para Santarém horas depois ou, talvez fosse a um sábado, não me lembro bem. Contou-me que estava na EPC. no Curso de Sargentos Milicianos.
Cheguei a Santarém. Fui o primeiro a entrar ao Quartel ‘Destacamento’ da EPC., cá em baixo na cidade, na parte da tarde. Levava escovas e latas de graxa prás botas e solarine prós amarelos, na bagagem.
Eu lembro-me. Faz agora 50 anos.
Foi no dia 10 de Julho de 1967, na Escola Prática de Cavalaria, em Santarém, para o CSM [, Curso de Sargentos Milicanos]. Já tinha 22 anos e, até hoje, não sei a razão por ter sido chamado tão tarde.
Tinha estado, uns dias antes, na Portugália, em Lisboa, a jantar ou, melhor, a comer o bife ‘à Portugália’ com um amigo que ia para Santarém horas depois ou, talvez fosse a um sábado, não me lembro bem. Contou-me que estava na EPC. no Curso de Sargentos Milicianos.
− Eu, também, vou pra lá no dia 10 − digo-lhe eu.
− Estás lixado, tens que ser engraxador, polidor de metais e soldadinho de chumbo como o ‘Mouzinho’− e explicou-me o que devia levar e o que lá devia fazer, senão, depois, não ‘vens a fim de semana’, disse ele.
Cheguei a Santarém. Fui o primeiro a entrar ao Quartel ‘Destacamento’ da EPC., cá em baixo na cidade, na parte da tarde. Levava escovas e latas de graxa prás botas e solarine prós amarelos, na bagagem.
O Cândido Cunha, que eu não conhecia e que havia de me acompanhar na recruta, na especialidade e até ao fim da tropa, incluindo na mesma CArt. na Guiné [, a CART 2479 / CART 11], também fazia parte deste grupo de recrutas. Fomos encaminhados prós testes psicotécnicos dos dominós e outros pra saberem as nossas capacidades.
Depois fomos receber o fardamento. Deram-nos o fardamento adequado com a particularidade de nos ser fornecido umas fitas vermelhas/verdes largas e compridas para serem cosidas na boina, assim como um cartão para ser colocado na parte interior/superior da boina para suporte das Espadas de Cavalaria e, também, uns elásticos para segurar/enrolar o final das calças entre as fivelas das botas pra ficarem a ‘golf à Mouzinho’.
Depois, no final da tarde, já com tudo organizado e equipado viemos prá parada e eis que surge a primeira tropa a sério:
− Quem dos presentes percebe de laranjas? − foi perguntado.
− Nós!− , responderam alguns, e lá foram estes descascar batatas no refeitório pró jantar.
Espectacular!!!... Até dá gosto ter estado na tropa. Com as botas bem engraxadas e com os ilhós dos atacadores e das duplas fivelas dos plainitos brilhantes/reluzentes como as Espadas da Cavalaria da boina começamos a sair prá cidade e a visitar a família aos fim de semana.
Quem me dera ter agora vinte e dois anos.
Valdemar Queiroz
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Nota do editor:
Último poste da série > 21 de junho de 2017 > Guiné 61/74 - P17498: Efemérides (259): Dia do Combatente Limiano - 6.ª Homenagem do Concelho de Ponte de Lima aos seus 79 Heróis Militares caídos em combate pela Pátria, 27 na I Grande Guerra e 52 durante a Guerra do Ultramar (António Mário Leitão, ex-Fur Mil na Farmácia Militar de Luanda)
Quem me dera ter agora vinte e dois anos.
Valdemar Queiroz
5 comentários:
Meu caro Valdemar:
Sim, quem nos dera ter 20 anos!...Tu já tinhas 22 feitos quando foste para a tropa!... E tens recordações precisas desse dia, que era importante para a nossa geração, no tempo em que havia o serviço militar obrigatório e o país estava em guerra, lá longe, muito longe em terra de África...
Eu entrei para o RI 5, Caldas da Rainha, um ano depois, já com 21 anos e meio. Não guardei recordações especiais da minha entrada na instituição castrense... Só me lembro de procurar entrar tarde... Como se fosse um presidiário... Quis gozar as últimas horas de liberdade!...
Foi um dia longo, ainda fui ao barbeiro, para os últimos "retoques"... Nessa época, tínhamos complexos em levar uma carecada...Já não me recordo se o meu corte de cabelo passou no teste...
Não foi um dia "exaltante", bem pelo contrário... Sabia que era o primeiro dia do resto da minha vida... Desde 1961 que "temia" este dia... Confesso que era "antimilitarista" e não tinha quaisquer ilusões de que iria bater com os quatro costados em Angola, Guiné ou Moçambique... Vinte e oito anos antes, em 1940, o meu pai também fizera o mesmo percurso, sendo mobilizado meses depois, em julho de 1941, para Cabo Verde...
O que é "extraordionário" é a capacidade do ser humano para se adaptar a todas ou quase todas as situações-limite, da tropa à guerra, da fome à prisão, da doença ao terror...
Caro Luís Graça
'Espectacular!!!!! até dá gosto ter estado na tropa'.
Para, se calhar, melhor compreensão referia-me ao acontecimento, ou melhor, à
forma para arranjar pessoal, recém chegado, para descascar batatas pró rancho do jantar. Estava de pé atrás nalguma coisa que pudesse acontecer, mas não me lembrava
desta das laranjas e daí a minha interior exclamação naquele momento.
Quanto ao resto, estive na tropa por o serviço militar ser obrigatório.
Naquele tempo da ditadura, ......minino no fala di politica (canção do Valdemar Bastos).
Abraço
Valdemar Queiroz
Claro que tudo na vida pode ser transformado em "janelas de oportunidades": a tropa e a guerra, por exemplo, ajudaram-nos a consolidar valores como a amizade, a camaradagem, a entreajuda, a solidariedade, a compaixão, o espírito de equipa e o amor pela... paz!...
Eu não era antimilitarista, por uma questão de princípio: muito simplesmente não me revia era naquele exército "classista" daquele regime político que não tinha legitimidade democrática... Fizemos a guerra sem nunca a ter discutido...e muito menos votado!... Isso criava, nalguns de nós, um verdadeiro problema de consciência, agravado pela perceção de que todos éramos iguais mas uns muito mais do que os outros... Abraço fraterno, Luís.
Também entrei para lá, a tropa, há 50 anos.
Reclamavam a entrada de um "José Marcelino" desde Julho de 1917, quando saiu o meu avô. Tinha sido dado como incapaz após a passagem "muito rápida", de poucos meses, na Grande Guerra. Em 23 próximo futuro, farão os 100 anos.
Parece que nunca mais consegui sair, após várias tentativas.
Camaradas, venham mais histórias do(s) primeiro(s) dia(s) de tropa... Eu sei que que se passaram 50, 60 ou 70 anos!... É muito tempo e a nossa memória é seletiva... Não foi entrada de leão para ninguém, em todo o caso uns lembram-se da preocupação com o corte de cabelo (para evitar a humilhante, na época, carecada logo no primeiro dia...), outros não se esqueceram da graxa para as botas ou dos botões, linhas e agulhas...
Parafraseando o nosso camarada Juvenal Amado, a tropa tentou fazer de cada um de nós "um homem", disposto "a matar e a morrer pela Pátria"... Claro que esse processo passava, desde o primeiro dia, pela sistemática e permanente "desindividualização" do soldado-instruendo ou do recruta... Cuidava-se da da "ordem unida", "performance" física, do treino operacional, do manejo das armas, e pouco mais... Fomos para África "cegos, surdos e mudos"...e, no caso dos graduados, muito pouco ou nada preparados para "comandar" e trabalhar em equipa...
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