1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 6 de Novembro de 2017:
Queridos amigos,
Aqui se põe termo às dez entrevistas que Mário Pinto de Andrade concedeu a Michel Laban, um especialista em literatura africana de língua portuguesa.
Documento importantíssimo não só para a génese do MPLA como para a compreensão do trabalho conjunto desenvolvido, de forma embrionária, pelos líderes nacionalistas no exílio, no Norte de África, em conferências em Londres, na obtenção de apoios financeiros e de formação militar, em que os chineses tiveram um papel primordial.
Pinto de Andrade relata as tensões no interior do MPLA que levaram à sua rutura bem como a de Viriato da Cruz. Pena é que o seu testemunho pare em 1971, por razões de saúde de Pinto de Andrade não houve mais entrevistas, o primeiro presidente do MPLA morreu pouco depois, em Londres.
Um abraço do
Mário
Uma importante entrevista de Mário Pinto de Andrade (3)
Beja Santos
Não se pode estudar em toda a sua amplitude o movimento anticolonial em Portugal sem conhecer o pensamento e ação de Mário Pinto de Andrade, um angolano que veio estudar Filologia Clássica em Lisboa e constituiu amizades com futuros líderes, caso de Marcelino dos Santos, Agostinho Neto e Amílcar Cabral. “Mário Pinto de Andrade, Uma entrevista dada a Michel Laban”, Edições João Sá da Costa, 1997, encerra dez sessões de trabalho que vão de Março de 1984 a Junho de 1987.
Em textos anteriores[*], falou-se das sua vida em Luanda, a sua passagem pelo seminário, as suas amizades angolanas, com destaque para Viriato da Cruz, a sua vinda para Lisboa, estudar Filologia Clássica que foi um desapontamento, a formação embrionária de grupos inspirados pela independências das colónias que se canalizou no Centro de Estudos Africanos, a dispersão do grupo, a partida de Mário Pinto de Andrade de Paris e a formação do efémero MAC – Movimento Anticolonial, bem como a importância de um evento, o Congresso dos Escritores Negros, em Paris, em 1956. Pinto de Andrade continua como redator da revista Présence Africaine, corresponde-se muito com Amílcar Cabral, com Joaquim Pinto de Andrade e Viriato da Cruz, está já a viver-se uma época de explosão organizacional. Nisto, em 1957, Viriato da Cruz chega a Paris. Em Novembro de 1957, fazem uma reunião a cinco, em casa de Marcelino dos Santos. “Foi talvez a primeira pequena assembleia a ponto da situação do movimento geral das organizações nos cinco países africanos. Nas nossas análises, parcelares para cada um dos países procurávamos sempre determinar e medir a classe operária. Era uma visão muito estreita das forças sociais”. Foi assim que se constituiu o MAC.
Pinto de Andrade [foto à esquerda] sentia dentro de si mudanças: “Foi-se aprofundando uma contradição entre a necessidade de ação, a disponibilidade para essa ação e o meu trabalho normal, o meu trabalho de assalariado na revista”. Demite-se da Présence Africaine, envolve-se em reuniões internacionais, comparece no Congresso dos Escritores Asiáticos, viaja até à China. África muda de rosto: independência do Gana em 1957, da Guiné Conacri em 1958, esta com a particularidade de ser o primeiro país africano fronteiriço de uma colónia portuguesa. No fim de 58 realiza-se a Conferência dos Povos Africanos em Acra, aí comparece Holden Roberto. Em 1959 realiza-se o segundo Congresso dos Escritores e Artistas Negros, em Roma. Aí reúnem com Franz Fanon que informa que os argelinos estavam prontos a ajudar na formação político-militar de jovens quadros de Angola. “Este encontro com Fanon reforçou em cada um de nós uma decisão importante: era preciso voltar a África. Não podíamos estar dispersos pela Europa, a Europa era um lugar de passagem, era uma transição para África”.
Em Maio de 1960, estes jovens dirigentes nacionalistas estão reunidos em Conacri: Pinto de Andrade, Amílcar Cabral, Viriato da Cruz e o de Meneses. Eles constituíram o núcleo dirigente de uma nova organização, a FRAIN – Frente Revolucionária Africana para a Independência Nacional das colónias portuguesas, que veio substituir o MAC. Todos se metem ao trabalho de agitação numa atmosfera onde já se desenhava a fisionomia repressiva do regime ditatorial de Sékou Touré. Constituiu-se o primeiro comité diretor do MPLA, Pinto de Andrade assegura a responsabilidade de presidência, o secretário-geral passou a ser Viriato da Cruz. O MPLA e o PAIGC coordenavam a sua ação no quadro da FRAIN, que também não terá uma vida muito longa. Observa que a personalidade de Amílcar Cabral fazia medo aos governantes de Conacri, não havia grandes ilusões que em Conacri havia a tentação de se apoderarem da colónia portuguesa da Guiné para criarem a “Grande Guiné”. Serão os chineses os primeiros a apoiarem os movimentos de libertação. “Altos responsáveis, ligados à Grande Marcha e à luta armada, à revolução chinesa, deram verdadeiros cursos de formação sobre a guerra de guerrilha a Amílcar Cabral, Eduardo dos Santos, Viriato da Cruz. Os outros, aqueles que acompanhavam Cabral, ficaram lá, para uma formação diferente – uma formação político-militar de base”. Os chineses deram uma ajuda financeira substancial, tudo em notas de dólar. Mais tarde, esta ajuda será ocultada por causa do conflito sino-soviético e pelo facto da União Soviética ter tomado o primeiro lugar no quadro da ajuda direta. E Pinto de Andrade recorda que a China teve um papel muito importante na formação da FRELIMO.
Pinto de Andrade esclarece que os acontecimentos do 4 de Fevereiro de 1961 foi uma ação interna que ultrapassou a visão da direção do MPLA. Abrem-se expetativas para os movimentos de libertação. “É por isso que organizámos, alguns meses depois do quatro de Fevereiro de 1961, a Conferência das Organizações Nacionalistas das Colónias Portuguesas, em Casablanca”. Logo a seguir, houve uma conferência de solidariedade em Nova Deli, a questão de Goa não era inocente. Criou-se a FRELIMO. A situação ganhava complexidade: o MPLA concorria com a UPA, o PAIGC, era antagonizado por outros movimentos de libertação, tanto em Conacri como em Dakar, o principal ponto de discórdia era a unidade Guiné-Cabo Verde, mas o facto de o PAIGC começar a ter sucessos militares fez desaparecer a concorrência. Tudo mexia em África: dissensões entre os argelinos, o Congo em chamas, e é neste contexto que se dá a libertação de Agostinho Neto, surgirão tensões insanáveis entre ele e Viriato da Cruz, falava-se que havia um sério desentendimento nas escolhas de alianças, o MPLA tomou a decisão de se fundir com outros movimentos, Pinto de Andrade considerava que eram movimentos reacionários, e então demite-se da direção e como militante do MPLA. Em rutura, Viriato da Cruz aliou-se a Holden Roberto, patrocinado pela CIA. Pinto de Andrade vai para Marrocos, no final de 1963, dirigir os trabalhos da Conferência das Organizações Nacionalistas das Colónias Portuguesas, depois muda as suas atividades para Argel. “Sentia-me mais à vontade a escrever textos e a manejar os conceitos e a informação de que estar propriamente no aparelho organizacional. Fiquei em Argel, onde publicámos pequenas monografias sobre a Guiné, Angola, Moçambique”. Retomou os seus estudos. A luta armada alastrava em Angola e então que lhe propõem para ele ir ver e participar, parte para a frente Leste, em 1971, irá tornar-se etnólogo no seu país. Aqui terminam as entrevistas de Michel Laban a Mário Pinto de Andrade, infelizmente o seu precioso testemunho ficou truncado, o seu estado de saúde já estava seriamente abalado, morreu em 1990, em Londres.
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Notas do editor
[*] - Vd. postes de:
18 de novembro de 2017 > Guiné 61/74 - P17984: Bibliografia (41): “Mário Pinto de Andrade, Uma entrevista dada a Michel Laban”, Edições João Sá da Costa, 1997 (1) (Mário Beja Santos)
e
25 de novembro de 2017 > Guiné 61/74 - P18013: Bibliografia (42): “Mário Pinto de Andrade, Uma entrevista dada a Michel Laban”, Edições João Sá da Costa, 1997 (2) (Mário Beja Santos)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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9 comentários:
Mais uma contribuição muito útil de Beja Santos.
Aliás todas as de Beja Santos são úteis para um dia se escrever a verdadeira história.
Respigo apenas uma clássica sobre o respeito que tanto os Áfricanos e os seus colonizadores, e os beneméritos chinas, américas e soviétes tinham pela presença portuguesa em África e no mundo.
«...não havia grandes ilusões que em Conacri havia a tentação de ser apoderarem da colónia portuguesa da Guiné para criarem a “Grande Guiné”...»
Eu afirmo sempre aqui, que era ideia dos vizinhos acabarem com tudo o que era português, tal como aconteceu com a India, e com o Timor e Indonésia.
Só havia motivos para isso, tanto em Moçambique como em Angolaéne Guiné.
Se estes países existem, tal como está, ninguem tenha dúvida que foi o sacrifício dos "portugas" europeus (Spínola, Beja Santos, eu...)e africanos (Cabral, Pinto de Andrade...) e todos os que pegaram em armas e também os que foram à ONU mandar bitaites.
Sobre Angola e Moçambique havia ainda mais motivos para aglutinação do que a Guiné-Bissau, como diz Mário Pinto de Andrade.
Os motivos? se alguém tem dúvidas são faceis de tirar.
Diz Mário Beja Santos: "Em rutura, Viriato da Cruz aliou-se a Holden Roberto, patrocinado pela CIA."
Trabalhei durante quatro anos e meio, 1977/1981, nas Edições de Pequim em Linguas Estrangeiras, em Pequim, China. Antes de mim, lá trabalharam a minha boa amiga, inesquecível Ângela Guimarães, casada com Gentil Viana, também exilado em Pequim e que trabalhava igualmente nas Edições. O outro angolano, do MPLA que pontificava na secção portuguesa das Edições de Pequim chamava-se Viriato da Cruz. Traduziram para português os quatro volumes das Obras Escolhidas de Mao Zedong, exactamente com o apoio dos mesmo companheiros de trabalho chineses que eu vim a encontrar em 1977, e que me contaram histórias de vida destes militantes do MPLA. O processo de descrença de Viriato da Cruz nas virtudes do socialismo e do comunismo é muito complexo mas afirmar como faz o Mário Beja Santos que "aliou-se a Holden Roberto patrocinado pela CIA" é, no mínimo, um insulto.
Abraço,
António Graça de Abreu
Respeito por Viriato da Cruz, respeito por nós própios. Leio:
Com a chegada de Agostinho Neto a Léopoldville em Julho daquele ano depois da sua fuga de Portugal, irromperam divergências insanáveis entre Viriato e Neto que se arrastaram até à I Conferência Nacional do Movimento em Dezembro. No rescaldo deste evento que consagrou Neto como novo presidente do MPLA, Viriato apontou Neto de ser o símbolo da viragem política do MPLA à direita. Injustamente acusado de se ter apropriado de recursos monetários do Movimento, foi formalmente expulso a 7 de Julho de 1963. Antes disso, porém, os sequazes de Neto, comandados por Manuel dos Santos Lima, arrancaram-no brutalmente da pensão em que se alojava em Léopoldville e espancaram-no acolitados por soldados congoleses agenciados por Neto. A extensão das agressões físicas foi de uma tal magnitude que Viriato sangrava por todos os lados, espojado no chão. Neto, Lúcio Lara, Iko Carreira e outros dirigentes sequer se coibiram de exibir no rosto um ar trocista, mesmo tendo diante dos olhos um espectáculo tão sórdido que feria profundamente a dignidade e o conceito público de um ex-companheiro da estirpe de Viriato. Mesmo esfacelado e a rastejar no solo, o antigo secretário-geral e criador do MPLA[5] continuou a ser sovado e insultado pelos seus verdugos. Os abusos prosseguiram na penitenciária de Lufungula onde o aprisionaram e humilharam juntamente com outros seus companheiros. Saiu do cárcere entre a vida e a morte.[6]
Para finalizar, à atenção do "rigor" e leviandade com que Mário Beja Santos fala de "Viriato da Cruz, aliado de Holden Roberto, patrocinado pela CIA." e fala da nossa História.
"Finalmente, no dia 26 de dezembro de 1990 veio os restos mortais de Viriato da Cruz que estava no cemitério para estrangeiros em Pequim para Luanda. No dia seguinte, dia 27, os restos mortais de Viriato da Cruz foram a enterrar na sepultura onde está o corpo de sua mãe, Clementina Clemente da Cruz, às 10h00. Estiveram perto de 200 pessoas amigas e dois representantes do Bureau Político do MPLA-Partido do Trabalho, França Ván-Dúnem, Ministro do Plano, e Roberto Carneiro. Segundo a viúva de Viriato da Cruz, Maria Eugénia, disse à ANGOP: "[a]s despesas da transladação dos restos mortais de Viriato da Cruz foram custeadas pelo governo chinês".
A citações acima https://pt.wikipedia.org/wiki/Viriato_Clemente_da_Cruz, são da wikipédia, onde nem sempre o rigor impera. Mas neste caso está tudo certinho. Já agora, à atenção do Mário Beja Santos, se quiser continuar a entreter-se:
CAEIRO, António. Peregrinação Vermelha - O Longo Caminho até Pequim, Lisboa, Publicações Dom Quixote, 2016.
LABAN, Michel (org.). Viriato da Cruz: Cartas de Pequim. Luanda: Chá de Caxinde, 2003.
MARCUM, John. The Angolan Revolution, vol. I, The Anatomy of an Explosion (1950-1962), Cambridge/Mass. & Londres: MIT Press, 1969.
PACHECO, Carlos. Agostinho Neto, o Perfil de um Ditador. A História do MPLA em Carne Viva, 2 vols., Lisboa, Vega Editora, 1.ª edição, 2016 (ISBN 978-972-699-988-1)
ROCHA, Edmundo; SOARES, Francisco; FERNANDES, Moisés (Orgs.). Viriato da Cruz: O homem e o mito, Lisboa: Prefácio; Luanda: Chá de Caxinde, 2008.
SANTOS, Edna Maria dos. Viriato da Cruz e Agostinho Neto: História, Poesia, Música e Revolução
SERRANO, Carlos. Viriato da Cruz: Um Intelectual Angolano do Século XX. A Memória que se faz Necessária
Caro AGA,
Por falares da Dra Angela Guimaraes, ela foi minha professora na disciplina de Historia de Africa no CEA/ISCTCE, por pouco tempo. Notava-se algum cansaco e certa descrenca no seu papel de Professora da Historia de Africa para africanos muito contestatarios. Nos nao sabiamos nada do seu percurso pessoal. Um grande abraco.
PS: A proposito do tema em exposicao, acho que, definitivamente, voce e o MBS nao sao da mesma escola, pelo que nao vejo motivos para continuares a fustiga-lo.
Errata: CEA/ISCTE- Centro de Estudos Africanos do Inst.Sup. de Ciencias do Trabalho e da Empresa de Lisboa.
A Angela Guimarães, falecida há dois anos,jamais falava do seu passado, em Argel, em Pequim. Sofreu muito e sabia demasiado sobre as qualidades e os muitos podres dos camaradas revolucionários africanos. Estava muito decepcionada com o mundo, daí o seu cansaço.
Mas foi uma boa amiga, esteve em Pequim entre 1972 e 1975, em cheguei em 1977. Depois, em Portugal, falámos durante mais quase mais quarenta anos, foram sobretudo infindáveis conversas sobre a China. Vivemos no mesmo Youyi Bingguan, o Hotel da Amizade,
trabalhámos com os chineses nos mesmos lugares. Era uma pessoa boa,paz à sua alma.
Quanto ao MBS, temos de facto, entendimentos e opções de vida diferentes. Ainda bem, somos pessoas livres.
Abraço,
António Graça de Abreu
As coisas que AGA deve saber e anda caladinho!
E o blog a precisar de se desenvolver ainda mais.
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