sábado, 24 de março de 2018

Guiné 61/74 - P18455: Os nossos seres, saberes e lazeres (259): Em Bruxelas, para comemorar 40 anos de uma amizade (8) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) com data de 22 de Dezembro de 2017:

Queridos amigos,
Assim acabou a tournée, 10 dias repimpados, rodeado de amigos do coração.
Tratava-se de um acontecimento singular, uma amizade que fazia 40 anos. E sem qualquer sopro de melancolia percorreu-se o que tinham sido os primeiros percursos, 40 anos atrás havia o edifício icónico da Comissão Europeia (que depois foi sujeito a obras de fundo para remover o amianto), o Parlamento Europeu tinha então instalações minguadas, saía-se na Gare Central e em frente deparava-se um descampado. Tudo mudou mas ficou o culto dos parques e jardins, e há bairros que conservam um enorme caráter, hoje já não se pode destruir à toa como no passado recente.
É esta a cidade que me continua a enfeitiçar, suspiro sempre por ali regressar.

Um abraço do
Mário


Em Bruxelas, para comemorar 40 anos de uma amizade (8)

Beja Santos

Tudo o que é bom tem o seu epílogo ou compasso de espera, abre caminho a outras espectativas, até a outros programas de viagem, mesmo que a viagem se volte a centrar nesta cidade, tão pomposamente tratada como a capital do coração da Europa. O que agora finda nada teve a ver com o que se chama turismo, foi uma combinação entre dois amigos, em nome de um encontro que ocorreu exatamente 40 anos antes, bem perto do Palácio da Justiça, que se vê nesta imagem, em pleno bairro de Marolles, estava o viandante longe de saber que cada vez que chega a Bruxelas há um íman que o atrai para as velharias da Place du Jeu de Balle, percorre de alma lavada esses bairros de pujante arquitetura entre a Arte Nova e a Arte Deco, é o que está a fazer exatamente neste momento, na hora da despedida.



Uma das atrações de sempre, e que leva o viandante a ficar especado diante destas fachadas, são os pormenores, o entrosamento entre o azulejo, o ferro e o vidro, as proporções, o equilíbrio dos volumes. E volta-se à litania de que estas fachadas, não sendo propriamente chocantes, contrastam e devia haver uma entidade que fizesse uma paleta de sugestões em conformidade com os estilos desta bela arquitetura. Um dia há de acontecer.



Já que se falou em contraste, vindo do bairro de Ixelles, daquelas artérias onde se misturam as comunidades oriundas do Congo e de outros povos de África Central com classes médias, não resistiu o viandante a tirar esta imagem de um estabelecimento de frutas e legumes, é outra forma de harmonia, trata-se de um escaparate que leva o passante a deter-se perante tanta ordem, tanta cor convidativa. E dali se passou para um outro mundo, a muito chique Avenida Louise, estas formas são pouco frequentes na cidade, mas são seguramente impressionantes, e por estas lojas vende-se ourivesaria, alta costura, pelaria e sapatos ao sabor de milhões e milhões (euros, entenda-se).




Não é a primeira vez que aqui se cantam hossanas a estes parques forjados entre o século XIX e o início do século XX. Certamente que a arquitetura era outra mas estamos em território bilionário, por aqui se espalham escritórios, estamos nos bairros Leopold e Europeu. Oiçamos o que se escreve no livro sobre os percursos de Bruxelas, aqui amplamente citado: “Na Primavera, Verão, Outono, Inverno, percorremos o Parque Leopold embalados pelas variações íntimas dos seus contornos. As árvores altas enxameiam as suas silhuetas pelas encostas de plantas rasas, ligeiramente escarpadas deste território restrito, no interior do qual se repartem diferentes edifícios”. E, mais adiante: “Quando percorremos Bruxelas a pé, acabamos por nos habituar: poucas indicações fora do Centro e, ainda menos, nas cercanias do Bairro Europeu… Siga pelos passeios desta artéria perfeitamente ordenada numa série de blocos de escritórios impecavelmente vestidos de cinzento-escuro. Olhe as montras como se abordasse uma cidade nova… O Bairro Leopoldo perdeu 50% da sua superfície dedicada à habitação entre 1960 e 1981, e mais de 60% do seu comércio a retalho, cafés, restaurantes, para as atividades administrativas e instituições europeias”. Restam os parques para falar desse tempo glorioso do poderoso senhor do Congo, o rei dos Belgas.



Parques formosos, jardins elegantes, uma espantosa serenidade no meio deste bulício das instituições europeias e dos escritórios de advogados e altas representações de interesses. Os que dizem que Bruxelas é uma cidade monótona deviam munir-se do mapa dos parques e jardins, teriam surpresas. A família real vive nos arredores de Bruxelas em Laeken, um subúrbio que não se limita ao castelo da família real e às suas estufas, de renome universal. Os jardins são primorosos, e há curiosidades orientais, trazidas por Leopoldo II, da Exposição Universal de Paris de 1900. Duvido que exista outra cidade europeia com tantos parques e jardins, tanto relvado e arvoredo, isto para já não falar na majestosa cintura da floresta de Soignes.




É o derradeiro passeio, aos jardins que circundam o Museu Real da África Central. O viandante foi lá a primeira vez vai para 30 anos, encantou-se com o acervo, está ali a maior coleção do mundo de objetos e arte africana fora de África. Digamos sem mais delongas: “A maior parte das obras foram pilhadas durante a colonização do Congo por Leopoldo II no século XIX, uma questão incómoda. Este museu é pretexto para um passeio de meio-dia, começando pela própria viagem, pelos trilhos bordejados de árvores do velho elétrico 44, do metro Montgoméry até à vila flamenga de Tervuren, a 14 quilómetros de Bruxelas”. As imagens falam por si, não podia ter o viandante melhor programa naquele dia frio mas devidamente iluminado, agora só resta ir comer uma sopa e uma massa com salmão a Watermael-Boisfort, e seguir dali diretamente para Zaventem, Lisboa já está no horizonte.


Até à próxima, André, foi muito bom conhecer-te vai para 40 anos, tenho para contigo uma dívida impagável do que e ensinaste na profissão, despeço-me calorosamente até ao próximo encontro, estava longe de suspeitar, nesses anos em que Portugal batia à porta da CEE que os grandes espaços também criam grandes amizades. E assim será até ao último dia das nossas vidas.
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Notas do editor

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Último poste da série de 23 de março de 2018 > Guiné 61/74 - P18449: Os nossos seres, saberes e lazeres (258): Uma viagem a Veneza (Francisco Baptista, ex-Alf Mil Inf)

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