quinta-feira, 19 de abril de 2018

Guiné 61/74 - P18536: Caderno de notas de um mais velho (Antº Rosinha) (54): no tempo em que havia uma irmandade 'intercolonial' e um cabo-verdiano, um são-tomense ou um goês se sentia em casa num país como Angola

1. Comentário do nosso amigo e camarada  António Rosinha, a propósito da Amédia Araújo hoje uma senhora de oitenta e tal anos, que vive em Cabo Verde, que foi caaada com o dirigente do PAIGC, José Araújo, e que era conhecida, no TO da Guiné, pelas NT, como a "Maria Turra",  ou seja, era a locutora de serviço da "Rádio Libertação", que emitia a partir de Conacri (*)

[António Rosinha, foto à esquerda, 2007, Pombal, II Encontro Nacional da Tabanca Grande:

(i) beirão, tem mais de 100 referência no nosso blogue;

(ii) é um dos nossos 'mais velhos' e continua ativo, com maior ou menor regularidade, a participar no nosso blogue, como como autor e comentador;

(iii) andou por Angola, nas décadas de 50/60/70, do século passado;

(iv) fez o serviço militar em Angola, sendo  fur mil, em 1961/62;

(v) diz que foi 'colon' até 1974 e continua a considerar-se um impenitente 'reacionário';

(vi) 'retornado', andou por aí (, com passagem pelo Brasil), até ir conhecer a 'pátria de Cabral', a Guiné-Bissau, onde foi 'cooperante', tendo trabalhado largos anos (1987/93) como topógrafo da TECNIL, a empresa que abriu todas ou quase todas as estradas que conhecemos na Guiné, antes e depois da 'independência';

(vii) o seu patrão, o dono da TECNIL, era o velho africanista Ramiro Sobral;

(viii) é colunista do nosso blogue com a série 'Caderno de notas de um mais velho'';

(ix) pelo seu bom senso, sabedoria, sensibilidade, perspicácia, cultura e memória africanistas, é merecedor do apreço e elogio de muitos camaradas nossos, é profundamente estimado e respeitado na nossa Tabanca Grande, fazendo gala de ser 'politicamente incorreto' e de 'chamar os bois pelos cornos';

(x) ao  Antº Rosinha poderá aplicar-se o provérbio africano, há tempos aqui citado pelo Cherno Baldé, o "menino e moço de Fajonquito": "Aquilo que uma criança consegue ver de longe, empoleirado em cima de um poilão, o velho já o sabia, sentado em baixo da árvore a fumar o seu cachimbo". ]


2. Caderno de notas de uma mais velho > A irmandade 'inter-colonial' (**)


Como esta senhora do PAIGC, havia muitos cabo-verdianos em Angola em que, tal como na Guiné, em todas as repartições e em todas as capitais de distrito, sobressaía a sua presença.

Vou dizer uma coisa que muita gente pode não acreditar e considerar tolice minha:

Quando Amílcar Cabral na fundação do PAIGC, se torna simultaneamente co-fundador do MPLA, havia um sentimento de irmandade entre todos os que foram estudantes da "Casa do Império" de todas as colónias portuguesas, que hoje já não existe mais, e hoje já não existe mais essa irmandade.

Embora apoiem todos a CPLP, e os dirigentes todos falem português, nota-se que há indiferença entre eles.

No tempo colonial, um cabo-verdiano, um  são-tomense ou um goês, que eram os que mais emigravam, iam para Angola ou Moçambique ou Guiné, co-habitavam e conviviam naturalmente como se nunca tivessem ido para terra estranha.

Daí, Amilcar Cabral ou os irmãos Pinto de Andrade por exemplo, relacionarem-se com todos os dirigentes angolanos ou guineenses como se fossem patrícios uns dos outros.

Acabou esse relacionamento, e até se nota em alguns casos, como no caso da Guiné, desentendimentos com angolanos e cabo-verdianos.

E com Moçambique há um maior  distanciamento, o que se nota perfeitamente.

Esse relacionamento "inter-colonial» era muito interessante, mas só essa gente tropical é que a poderia explicar melhor, mas não explicam.

Uns morreram, outros "matarm-se" [uns aos outros], e a maioria foi inibida de poder falar.

Cumprimentos

Antº Roxinha

2 de dezembro de 2015 às 15:42  (*)


3.  Sobre a "Maria Turra", alcunha de Amélia Sanches Araújo, dada pelos "tugas", no TO da Guiné à locutora da Rádio Libetarção , e que muitos pensavam ser a própria companheira de Amílcar Cabral, a Ana Cabral:

Amélia Sanches Araújo [tem uma dezena de referências no nosso blogue como "Maria Turra"]

(i) nasceu em Luanda, sendo de origem cabo-verdiana;

(ii) era casada com José Araújo (1933-1992), antigo dirigente do PAIGC e antigo ministro da Educação de Cabo Verde; 

(iii) fugiu, em Lisboa, em 1961,  com um grupo de cerca de 6 dezenas de "estudantes do Império", onde estavam os futuros  presidentes de Cabo Verde, Pedro Pires, e de Moçambique, Joaquim Chissano, e futuros -primeiros-ministros de Angola e Moçambique Fernando Van Dunen e Pascoal Mocumbi;

(iv) na  Guiné esteve com o marido, na "luta de libertação" daquele país e de Cabo Verde;

(v) o seu m papel de `heroína` só agora começa ser  reconhecido em Cabo Verde, onde vive com 84 anos de idade;

 (vi) em Conacri e ao serviço do PAIGC,  era locutora e a voz mais conhecida das emissões em português da Rádio Libertação, do PAICG, partido do qual o marido era dirigente e responsável pela área de informação.

(vii) em declarações à agência Lusa, em 2017,  mais de 40 anos após as independências, Amélia Araújo disse que «valeu a pena» a luta armada, apesar do seu inicial cepticismo em relação a Cabo Verde;

(vii) o casal regressari a Cabo Verde em 1980, após o golpe de Estado liderado por 'Nino' Vieira.

Fonte: Adapt de Observatório de África > 19 de janeiro de 2017 > Mulheres cabo-verdianas na luta pela independência
___________

Notas do editor

(...) Um dos episódios recentes deste programa da Antena Um foi justamente sobre a Rádio Libertação, o seu papel, na propaganda e contrapropaganda do PAICG. Não se pode fazer a história desta rádio sem falar da "Maria Turra", a angolana, de origem cabo-verdiana, Amélia Sanches Araújo, que lhe deu voz e alma de 1967 a 1974... Aderiu ao PAIGC em janeiro de 1964. Com mais quatro guineenses, a Amélia Arújo foi enviada por Amílcar Cabral para uma formação de nove meses na União Soviética. Em maio de 1967 a União Soviética entrega ao PAIGC, através do seu embaixador em Conacri, uma estação de rádio. (...)

(**) Último poste da série > 4 de novembro de 2017  > Guiné 61/74 - P17935: Caderno de notas de um mais velho (Antº Rosinha) (53): Os "comerciantes" e os "outros"... Lá, em Angola, Guiné e Moçambique, muitas vezes mais valia um ano de tarimba do que dez de Coimbra...

6 comentários:

Anónimo disse...

Rosinha, ontem havia uma causa comum, uma "bandeira, hoje, há os egoísmos nacionalistas... Aquela foto do José Araújo e do 'Nino' Vieira, de costas viradas um para o outro, tem algo de premonitório... A foto é de Mikko Pyhälä (c.1970-1971)... Em 1980, depois do golpe do 'Nino', o José e a Amélia fixam-se em Cabo Verde... O "cabra matacho" do 'Nino' triunfou sobre a "inteligência"... Era uma tragédia há muito anunciada... A vida dos povos é feita de tragédia e comédia...

Mantenhas, Luís Graça

Anónimo disse...

Sobre este tema consultar:

http://www.dw.com/pt-002/r%C3%A1dio-liberta%C3%A7%C3%A3o-fala-o-paigc/a-17886415

onde Maria Araújo refere:

[...] "Um ano depois, a Suécia oferece-lhes um emissor e um estúdio. E a partir daí criamos a Rádio Libertação, já com condições excepcionais de trabalho para aquela época" [...]

"As emissões começaram oficialmente no dia 16 de Julho de 1967. Inicialmente eram apenas 45 minutos por dia, divididos em períodos de 15 minutos".[...]

Um bom dia para todos.

Ab. Jorge Araújo

Manuel Luís Lomba disse...

Lembro-me perfeitamente da "deserção" de José Araújo caboverdiano), do Daniel Chipenda e do França Ndalú (angolanos) como jogadores da Académica.
No meu tempo da Guiné (1964-66), a apologia radiofónica do PAIGC era debitada, s. e. & o. pela primeira "Maria Turra" - a mulher do médico desertor Pádua - e, por minha própria audição, pelas 22H00 das quartas-feiras, pelo nosso poeta Manuel Alegre, um alferes mil.º, na disponibilidade, portanto, da reserva militar, ex-combatente em Angola e auto-exilado político, através da rádio Portugal-livre, em Argel, - que virá a ser candidato a nosso Presidente da República e a Comandante Supremo das FA...
Para colheita de dividendos, a malta política, da esquerda e da direita, colou-lhe a etiqueta de "desertor"...
Diziam que não davam combate ao povo seu compatriota, mas ao Salazar e ao Caetano. Muito bonito, sim senhor: nem um nem outro andavam "por onde a pátria foi" - como alvos dos tiros, bombas e minas pelas matas e bolanhas da Guiné...
Para nós e essa nossa circunstância, como tão bom é o diabo e a mãe dele, essas marias e esses maneis eram turras...
O Nino Vieira foi o maior senhor da Guerra da Guiné; mas é sobre o José Araújo, jurista de serviço do PAIGC, que recai a responsabilidade das execuções sumárias do PAIGC, antes e depois da independência; as primeiras só não apanharam o Nino Vieira, pela acção do seu futuro inimigo Ansumane Mané.
Como até 1974 a história da Guiné e de Portugal é comum de dois e como Amílcar Cabral morreu português (a nacionalidade bissau-guineense só foi fundada em 24 de Setembro de 1973), estou à espera que os historiadores nossos contemporâneos, académicos e eruditos, se apliquem no estudo do facto acontecimental do assassínio de Cabral, como o líder do que era certo e do que era errado, no destino da Guiné.
Ab.
Manuel Luís Lomba

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Obrigado, Jorge... Já tínhamos esse link, e inclusive reproduzimos uma ou duas fotos... Seria interessante aprofundarmos o conhecimento sobre a rádio do PAIGC e o papel desta mulher... Lembro-me da sua voz, mas eu não tinha rádio nem muito menos pachorra para ouvir rádio... qualquer que ela fosse...

Tenho ideia que a "Maria Turra" era escutada, meio clandestinamente, pelas praças metropolitanas, em epescial pelo pessoal de transmissões... Nunca comentei com os nossos soldados guineenses, da CCAÇ 12, as emissões da "Rádio Libertação"... Não sei se eles a ouviam, para um fula era a "voz do inimigo"...

No que diz respeito, ao relato de operações e de baixas nas NT, a malta não dava grande credibilidade aos comunicados lidos pela "Maria Turra": era propaganda demasidado grosseira... Mas a frase, insidiosa, "Nós não lutamos contra o povo português, lutamos sim para libertar a nossa terra do jugo colonial português", ía minando o moral da tropa, tinha um efeito "dissolvente", ia fazendo alguma mossa...

Destas emissões de rádio, lembro-me apenas de ouvir o ten Januário, da 1ª CCmds Africanos, a ser interrogado em Conacri, depois da Op Mar Verde (22 de novembro de 1970)... O interrogatório era em francês... E havia uma comissão de inquérito da ONU... Julgo que era na "Rádio Libertação", e não na emissora oficial da Guiné-Conacri... Esses acontecimentos (a invasão de Conacri, a aparente deserção do ten Januário e dos seus homens...) causaram-nos, em Bambadinca, perturbação e constrangimento... Comhecíamos o Januário e outros oficiais da 1ª CCmds Africanos, incluindo o seu comandante, o instrutor, o supervisor...

Tabanca Grande Luís Graça disse...

... Já agora: o comandante da 1ª CCmds era, recorde-se, o capitão graduado 'comando' João Bacar Jaló (1929-1971), morto em combate em 15/4/1971, menos de um anos depois de receber, em Lisboa, o colar de Oficial da Ordem Militar da Torre e Espada de Valor Lealdade e Mérito; o instrutor era o cap art 'comando' Octávio Emanuel Barbosa Henriques, cabo-verdiano (1938-2007); e o supervisor era o major Leal de Almeida...

O Jorge Cabral era o 'régulo' da Tabanca de Fá Mandinga, onde os comandos africanos se instalaram, enter finais de 1969/princípios de 1970, com armas e babagagens... Logo que poude pirou-se, com o seu Pel Caç Nat 63, para Missirá, onde foi mais do que régulo, foi rei... Aimnda ecoam, pelas matas do Cuor, o grito de guerra do 'alfero Canbral': "Cabral só há um, o de Missirá e mais nenhum"... Não consta que tenha sido atacado, flagelado, fustigado, molestado... em Missirá.

JD disse...

É interessante este post, mais ainda pela proximidade do 25 de Abril, data simultâneamente libertadora para uns, e confrangedora para muitos outros. De libertação, para os militares reunidos em torno do MFA, alguns já com os bornais cheios, mas ciosos da companhia e guarda das famílias, enquanto para outros, os milicianos que foram obrigados a deslocações ingratas e, no caso da Guiné, não contactaram com sociedades que faziam inveja ao modelo social metropolitano, quer pela liberdade, quer pela solidariedade, quer pela satisfação dada por terras ricas e de progresso assegurado, onde o desenvolvimento era visível todos os dias; confrangedora, para aqueles que nasceram ou escolheram África para se instalarem e nela criarem trabalho próprio ou por conta de outro, e constituírem famílias, por vezes com mulheres dali naturais e de pele preta, com facilidades que a metrópole não oferecia. Muitas pessoas referem-se a estes últimos como exploradores dos locais, e pode assim ter acontecido em alguns casos, no entanto, ainda me recuso a aceitar esse argumento como generalista. Aliás, houve locais nas províncias, onde os brancos chegaram antes ou ao mesmo tempo que os pretos. Por outro lado, conheci famílias com descendentes mulatos, que se comportavam com tanto ou mais carinho do que as brancas, donde, o racismo não poderia ser a caracterização social desses territórios. Tratar-se-ia antes de questões culturais, que conduziam as raças em presença a evoluções de diferentes ritmos. Em 1974 já uma grande maioria dos jovens pretos frequentavam as escolas e os programas escolares portugueses, com as vantagens disso decorrentes no pressuposto da continuidade da inspiração lusíada para as novas sociedades, cujas independências estariam a adivinhar-se. Podem contra-argumentar com sofismas e jogos políticos que escondiam outra «realidade», mas a verdade é, que apenas os movimentos independentistas se apresentavam a contestar a bandeira unificadora que o Luís refere, e ganhavam motivação no âmbito da «Guerra-Fria», pelos apoios dados por URSS e China, que naquele continente procuravam equilíbrios e marcar pontos face ao ocidente. Portanto, a revolta não aconteceu com origem no interior, onde seria fácil pela dimensão e características do território, se os emancipalistas fossem representantes das populações e contassem com os apoios delas. Até meados do século passado houve desprestígio dos naturais das províncias - pretos e brancos, o que não lhes tolheu a vontade de serem cidadãos daqueles azimutes, de onde muitos foram escorraçados sem apelo nem agravo pelas novas autoridades resultantes do golpe. Sobretudo em África depois das independências, aconteceram óbvias regressões sociais, guerras insanas e criminosas pela posse dos poderes políticos e militares, e como corolário da «democracia» apregoada, vive a metrópole a «armar ao pingarelho» numa satisfação que resulta da generalizada ignorância sobre a perda da soberania e o estado de falência comprovado todos os dias por diferentes insuficiências e dependências. Mas agora a esmagadora maioria dos militares vive na tranquilidade, com bons salários e junto das famílias. Permitam que vos diga, para lerem ou relerem as "Elites Militares e a Guerra de África», de Manuel Rebocho, que dá exemplo de algumas das razões congregadoras de oficiais em torno do MFA, onde oferece argumentos que iluminam zonas sombrias das últimas campanhas, aquelas de que também queremos ser intérpretes, e nos impelem à agregação no blogue.
Abraços fraternos
JD